Rubens Minelli, 90 anos: A trajetória de quem foi completo à beira do campo
O currículo de Rubens Minelli fala por si. Tricampeão do Brasileirão em anos consecutivos, o comandante é uma lenda no Internacional e no São Paulo. Ainda assim, o seu legado vai além. Também conquistou o Robertão no Palmeiras, iniciando uma nova Academia. Faturou estaduais no Grêmio e no Paraná. Trabalhou em diversos grandes clubes do país, também como diretor. E, mais importante, ainda ajudou a inovar o futebol nacional com suas amplas contribuições, que seriam modelo a outros tantos treinadores no país. Uma lenda que completou 90 anos na última quarta-feira, e merece todas as homenagens. Assim, resgatamos um texto de 2011, quando a equipe do site elegeu os 25 maiores técnicos da história. Minelli estava entre eles:
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Rubens Minelli: completo à beira do campo
Alguns treinadores se gabam pelos conhecimentos táticos. Outros tantos, pela forma como conduzem o grupo. Mas poucos são aqueles que podem ser considerados completos. Rubens Minelli é um deles. Primeiro tricampeão brasileiro genuíno, o paulista aliava qualidades diversas em seu trabalho. Era impecável nos cuidados com parte física de seus jogadores e sabia como tratá-los nas concentrações. Ainda maior era a sua capacidade de entender o jogo, antevendo situações e criando equipes ao mesmo tempo coesas e funcionais.
Segundo o próprio Minelli, seus times tinham liberdade para o que bem entendessem com a bola nos pés, mas precisavam seguir as ordens do treinador sem ela. Assim, unia disposição tática e técnica, elementos suficientes para se constituir um campeão. Foi assim que saiu vitorioso em Palmeiras, São Paulo e, sobretudo, no Internacional.
As inovações propostas por Minelli ao futebol brasileiro não se limitaram às formas de trabalho. Seus métodos de lidar com os atletas e de estudar o esporte também anteciparam uma nova era. A principal estratégia para entender os adversários por meio de fotografias, com as quais orientava os seus jogadores. Além, foi o primeiro técnico brasileiro a utilizar o videocassete. Não à toa, era sempre reconhecido pela organização de seus comandados em campo.
Dos vestiários à academia
Paulistano nato, Rubens Minelli foi concebido no dia 19 de dezembro de 1928. Durante a juventude, iniciou a trajetória no futebol como jogador profissional, mas sem grandes sucessos. Fez suas primeiras aparições defendendo clubes da capital, como Ypiranga e Nacional, chegando a atuar por Palmeiras e São Paulo. Em 1954, teve sua grande conquista como atleta no Taubaté, ao faturar o Paulista da Segunda Divisão. No entanto, ponta-esquerda sem tantos predicados, aos 27 anos foi obrigado a abandonar a carreira após sofrer grave fratura na perna.
Sem mais opções nos gramados, Minelli se formou em Ciências Econômicas, faculdade que cursava enquanto atuava pelo São Bento de Sorocaba, seu último time. Com o diploma, passou em um concurso e começou trabalhar nos Correios. Sua vida, porém, continuava diretamente ligada ao futebol. Não demorou muito para que iniciasse como treinador e seguisse para as divisões de base do Palmeiras em 1959, conciliando ambos os empregos.
Competência de iniciante
Ainda ajudando a desenvolver os garotos alviverdes, Rubens Minelli recebeu o primeiro convite de uma equipe profissional. Após a demissão de João Avelino, o América foi buscá-lo na capital. Em São José do Rio Preto, foi feliz logo nas primeiras semanas. Estreou em março de 1963 e, cerca de um mês depois, já conquistava o título na divisão de acesso do Campeonato Paulista.
Ao todo, foram dois anos e sete meses vestindo a camisa rubra. Levado pelo Sport em 1966, acabou vice-campeão estadual durante a estadia em Recife. Depois, retornaria ao interior de São Paulo, comandando Francana, Botafogo e Guarani, até ter o seu nome reconhecido na capital.
Inaugurando uma nova Academia
O primeiro grande desafio em um grande clube de São Paulo foi, na verdade, um recomeço na antiga casa. Seis anos depois de deixar as divisões inferiores, Minelli estreava no banco de reservas da equipe profissional do Palmeiras. Um período difícil, no qual os palestrinos tinham que conviver com o fim de uma era de glórias no começo dos anos 60 e as consequentes incertezas vindouras.
O técnico, contudo, soube recriar, a partir dos remanescentes daquela geração anterior, um novo esquadrão. Tendo como base craques no nível de Ademir da Guia, Dudu e César Maluco, montou a chamada Segunda Academia. Já sem Valdir Joaquim de Morais, Djalma Santos, Valdemar Carabina ou Julinho Botelho, contou com a ascensão de estrelas como Luís Pereira, Emerson Leão e Eurico para acertar o time.
Depois de um começo sofrível, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1969 serviu para, enfim, gravar o nome de Rubens Minelli na história do Palmeiras. Depois de passar em jejum nas seis primeiras partidas, os alviverdes ainda alcançaram a classificação para o quadrangular final. E, em um grupo equilibradíssimo, o time só conseguiu prevalecer graças ao saldo de gols. Na última rodada, venceu o Botafogo por 3 a 1 e, após o apito final, precisou torcer por um resultado favorável na partida entre Corinthians e Cruzeiro para garantir o título.
Além do Robertão, Minelli faturou o Torneio Ramón Carranza e o Troféu Cidade de Barcelona em 1969, batendo, respectivamente, Real Madrid e Barcelona. Permaneceu no Palestra até o começo dos anos 1970, deixando encaminhado o grupo que conquistaria pouco tempo depois o Campeonato Brasileiro por dois anos consecutivos. Minelli permaneceu por mais um tempo em São Paulo, no comando da Portuguesa, antes de acertar o retorno ao interior, agora contratado pelo Rio Preto.
Contra a vontade, o início de uma saga
Treinando o rival do América, Minelli emplacou o segundo título em São José do Rio Preto. Conquistou o Torneio de Seleções da Primeira Divisão de 1973, espécie de seletiva para o Campeonato Paulista. E apesar da intenção de continuar por mais tempo na cidade, teve que se mudar logo. José Asmuz, então presidente do Internacional, foi buscá-lo em casa. O treinador pediu um salário alto para que desistissem do negócio e continuasse no Rio Preto, mas a vontade dos colorados era superior a qualquer quantia em dinheiro. Asmuz acertou com Minelli, que aceitou rumar para Porto Alegre.
O começo da jornada no Beira-Rio deu-se nos últimos dias de 1973. Hegemônico no Rio Grande do Sul, o Inter também frequentou com assiduidade o topo dos primeiros Campeonatos Brasileiros, mas sem nunca ficar com a taça. Minelli substituía Dino Sani, que tinha formado um elenco sólido entre os colorados. Das categorias inferiores, por exemplo, havia elevado Paulo Roberto Falcão, que começava a despontar. Além da boa base, o novo treinador recebia os valiosos reforços do goleiro Manga e do ponta-esquerda Lula.
Já de início, Minelli começou a incutir uma nova filosofia no Internacional. Ao invés do tradicional futebol defensivo, que prezava mais por não tomar gols a fazê-los, a prioridade agora era a imposição. Bem preparada fisicamente, a equipe saia para o jogo e pressionava a partir do campo adversário. Massacrando cada um dos rivais, conquistou o Gauchão de 1974 impecavelmente. Atingiu 18 vitórias em 18 partidas, com 43 gols anotados e apenas dois sofridos.
Enfim, o Brasileirão
Na sequência do ano, o Inter mais uma vez deixou escapar o tão almejado título nacional. Caiu na penúltima fase da competição, encerrando a campanha na quarta posição. Por sua vez, o time titular recebia suas últimas peças. Caçapava, que atuava na base, foi integrado de forma emergencial entre os profissionais e se firmou no time. O veterano Flávio era visto com desconfiança, mas foi dele o gol que deu o sétimo título gaúcho consecutivo, sobre o Grêmio, em 1975.
No Campeonato Brasileiro do mesmo ano os colorados finalmente chegaram ao topo. Foram trinta jogos disputados ao longo de cinco fases. Dentre as batalhas mais importantes, a vitória por 2 a 0 sobre o Fluminense nas semifinais. O título, decidido contra o Cruzeiro, consagrou o zagueiro Figueroa, que marcou o único gol da partida em uma jogada treinada com insistência por Minelli.
O prelúdio do bicampeonato veio com mais um estadual, desta vez decidido pela mais nova arma ofensiva, o centroavante Dario. Mais atrás, a inovação chegava com Marinho Peres, de grande valia tática após período no Barcelona de Rinus Michels. No Brasileirão, os colorados foram ainda mais superiores. Em 23 partidas, venceram 19 e atingiram o aproveitamento de 84% dos pontos disputados – o melhor de um campeão nacional. Pelo caminho ficaram o semifinalista Atlético Mineiro, além do vice Corinthians, que perdeu a decisão por 2 a 0. O segundo triunfo de Minelli veio com gols de Dadá Maravilha e Valdomiro.
Colorado mecânico, futebol total
O estilo de jogo aplicado ao Inter de Minelli era fundamentado na obediência tática de seus jogadores. A partir da disciplina de seus atletas é que a equipe aplicava um ritmo tão sólido. Atacar com força total e defender diminuindo ao máximo o espaço do time adversário eram os princípios em campo. Tal superioridade, entretanto, também resultava de um alto padrão físico exigido por Minelli. A qualidade técnica se combinava ao vigor. Gilberto Tim, o preparador colorado, tinha um papel fundamental na manutenção da força e da resistência dos jogadores.
Em campo, mais que o 4-3-3 costumeiro na época, o time se segmentava. Era um 1-3-1-2-3, como definido pelo próprio Minelli em entrevista ao jornalista Mauro Beting em seu blog. Na defesa, Marinho Peres comandava a linha de impedimento e era o responsável pela sobra, enquanto a linha a sua frente defrontava o ataque adversário. A grande inovação, o meio-campo com dois volantes, era muito bem composto por Falcão, Caçapava e Carpegiani (ou Batista). Mais à frente, dois pontas ágeis para abastecer um centroavante goleador – Flávio em 75 ou Dario em 76.
O verdadeiro tricampeonato
Depois de se tornar referência ao encabeçar o Internacional, Minelli teria que se reinventar em seu novo clube. Chegou ao São Paulo de 1977 com a missão de encontrar o encaixe em um time que, apesar de ter boas peças, não alcançava tão bons resultados. No ano anterior havia sido o sétimo no Paulistão, além de não passar de uma medíocre 28ª posição no Campeonato Brasileiro.
A partir de jogadores como Waldir Peres, Zé Sérgio e Serginho Chulapa, o treinador contava com certa dose de talento. Mas, assim como no Inter, o ponto forte era o meio-campo: integrado perfeitamente ao sistema defensivo graças aos dois volantes, mas bem menos técnico do que aquele visto entre os colorados. Chicão e Teodoro preferiam a pegada ao refino, com a qualidade sob o encargo do uruguaio Dario Pereyra.
Com este time, apesar de não encantar, Minelli entrava bastante competitivo para o Brasileirão de 1977. Passou pelas duas primeiras fases sem alcançar a ponta de seu grupo, enquanto precisou liderar a terceira etapa para chegar às semifinais, onde passou pelo Operário. Já na decisão o treinador travou o poderoso Atlético Mineiro, que encantava até então sob a batuta de Reinaldo, ausente na final. Segurando de todas as formas o placar por 0 a 0, a vitória veio nos pênaltis, com Bezerra fechando a contagem. Era o primeiro técnico tricampeão nacional propriamente dito, um feito para afirmar ainda mais a funcionalidade de seus conhecimentos e de seus métodos.
Experiências diversas na década de 80
Atraído pelos royalties do petróleo, Rubens Minelli iniciou uma jornada de dois anos no futebol saudita, dirigindo o Al-Hilal. Em companhia do já veterano Rivelino, também fez história no país, campeão da liga nacional em 1979, bem como da copa local no ano seguinte.
Sua volta ao Brasil aconteceu em 1982, pela segunda vez convidado a treinar o Palmeiras. Em período sem tantas vitórias, ainda esteve no Atlético Mineiro até chegar ao Grêmio. E, ironicamente, foi aos torcedores que mais impôs sofrimento nos anos 70 que deu o primeiro título em seu retorno. Com um 2 a 1 sobre o Inter, os tricolores festejaram o Campeonato Gaúcho de 1985.
Depois, Rubens Minelli trabalhou no Corinthians, além de ser chamado novamente por Palmeiras e Grêmio. Contudo, descartou convites de grandes clubes para iniciar uma equipe praticamente do zero. Com a fusão entre Pinheiros e Colorado, Minelli foi indicado para conduzir a trajetória do recém-criado Paraná Clube, desafio este prontamente aceito.
Construindo a história
A primeira estadia do comandante em Curitiba aconteceu nos primeiros dias da existência do tricolor. Coube a Minelli realizar a junção entre os elencos dos dois clubes finados, bem como dar uma cara ao novo time. No primeiro estadual disputado foram apenas duas derrotas e o terceiro lugar na classificação final. Já pelo Brasileirão, a equipe alcançou logo no primeiro ano o acesso rumo à Série B.
Em 1994 Minelli voltou, substituindo Levir Culpi no banco de reservas do então campeão estadual, e faturou o bi. Disputando um quadrangular final, o gol do título só veio as 44 minutos do segundo tempo na última rodada, em jogo ante o Londrina. Três anos depois, o técnico se envolveu em certa polêmica ao acertar com o rival Coritiba antes de o Campeonato Paranaense terminar. Profissional como sempre, conquistou o quinto título consecutivo dos paranistas antes de seguir ao Couto Pereira.
Novas empreitadas no futebol
O período no Coxa foi o suspiro final da vitoriosa carreira de Rubens Minelli como treinador. Ao longo da década de 90, além de Paraná e Coritiba, chegou a dirigir também Santos, XV de Piracicaba, Ferroviária e Rio Branco-SP. Finalizados os seus serviços no Alto da Glória, ele passou a assumir cargos administrativos em clubes, transmitindo as experiências adquiridas ao longo dos cerca de 50 anos de trato diário com o futebol.
Assim, fez parte das diretorias de Atlético Paranaense, São Paulo e Paraná. Sempre havia, porém, um empecilho político que atrapalhava o desenvolvimento de suas idéias. A última tentativa de Minelli foi no Avaí, em 2002, quando era superintendente de futebol. Sem recursos para implantar as mudanças que achava necessárias, abandonou a posição em poucos meses.
Rubens Minelli não voltou mais a trabalhar diretamente com o futebol desde a saída do Avaí. Sua única relação profissional com o esporte passou a ser em trabalhos como comentarista. Já no cotidiano, o ex-treinador é confesso compulsivo pelas partidas televisionadas. Segundo ele mesmo, nem partidas da quinta divisão passam batidas.
E diante de tantas vitórias, há apenas uma lacuna na carreira de Minelli: o fato de nunca ter treinado a seleção brasileira. Passou perto por duas vezes, mas nunca recebeu uma chance. Na primeira delas, em 1977, quando ainda estava no São Paulo, era o mais cotado após a demissão de Oswaldo Brandão. Mas Claudio Coutinho, do Flamengo, foi o escolhido pelo presidente da CBF, Heleno Nunes. Segundo Minelli, durante a Copa de 1978, enquanto trabalhava como comentarista da Rede Globo, o próprio Nunes veio pedir que desse conselhos a Coutinho, a fim de melhorar a seleção.
A nova decepção veio em 1983, época da saída de Telê Santana. Então no Palmeiras, novamente figurava no topo das cotações, mas acabou preterido pelo ainda jovem Carlos Alberto Parreira. Preferindo exercer seu trabalho a constituir redes de influência, não foi lembrado outras vezes. Obviamente, a seleção fez falta ao seu currículo. Mas muito mais sentida foi a perda sofrida pela equipe nacional, que não pôde contar com um técnico que, muito mais do que visão de jogo, possuía uma antevisão sobre o futebol. A aplicação de seus times e os feitos só comprovam tal fato.