Brasileirão Série A

O fechamento da janela no Brasil precisa ser repensado, com os próprios times prejudicados

Times brasileiros não podem mais contratar, mas seguem com o risco de perder jogadores para o exterior

Após 31 dias intensos, de muitas negociações e especulações, a janela de transferências nacional se fechou na última quarta-feira (2), impossibilitando os clubes brasileiros de inscrever novos jogadores para a disputa da Série A a partir da data. A exceção fica para os atletas sem contrato, que podem ser adquiridos e registrados até o próximo dia 15 de setembro.

Se por um lado os clubes do país não poderão mais comprar jogadores, por outro as janelas das regiões que mais costumam buscar atletas no Brasil ainda terão semanas de atividade. A europeia se encerra somente no dia 1 de setembro. As de Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes vão até os dias 18, 20 e 21 do próximo mês, respectivamente.

A configuração do mercado de transferências nacional, desalinhado com o das ligas citadas, tem incomodado dirigentes de clubes brasileiros que enxergam que seu planejamento acaba sendo prejudicado pela duração da janela. E não podemos julgá-los. Hoje, equipes que eventualmente percam seus atletas para o exterior só poderão fazer reposição com jogadores que estejam sem contrato, um universo ainda mais restrito.

Corinthians e Santos são exemplo

Um caso recente que exemplifica a situação é o do atacante Róger Guedes, de 26 anos, grande nome do Corinthians em 2023 e recentemente vendido ao Al-Rayyan, do Catar, por 10 milhões de dólares (cerca de R$ 48 milhões na cotação atual). Mesmo embolsando 40% do valor da transferência, o que dá R$ 19,2 milhões — sem contar a necessidade do Timão em acertar direitos de imagem e outras pendências financeiras com o jogador e seus representantes —, o clube paulista não poderá investir o valor na compra de um substituto.

O Corinthians perdeu seu principal jogador, recebeu o dinheiro, mas ainda vivo na Copa do Brasil, na Copa Sul-Americana e ameaçado pelo rebaixamento no Campeonato Brasileiro, terá que se virar para encontrar uma forma de minimizar os impactos técnicos da situação.

Outro clube que passa por situação semelhante é o Santos. Na zona de rebaixamento do Brasileirão, o alvinegro praiano pode perder, de uma só vez, os atacantes Marcos Leonardo, com proposta da Roma, e Deivid Washington, próximo de reforçar o Chelsea.

Se as negociações forem concluídas com sucesso, o Peixe receberá valores consideráveis pelo negócio — a proposta do Chelsea por Deivid Washington é de 15 milhões de euros (R$ 80 milhões na cotação do dia) mais 5 milhões de euros (R$ 26 milhões), enquanto a da Roma por Marcos Leonardo é de 12 milhões de euros (R$ 64 milhões) à vista por 60% dos direitos econômicos e outros 6 milhões (R$ 32 milhões) diante de metas alcançadas —, mas o investimento imediato poderá ser somente para seduzir algum jogador sem contrato com o pagamento de luvas ou salários mais altos.

Deivid Washington, atacante do Santos
Deivid Washington, de apenas 18 anos, deve deixar o Santos rumo ao Chelsea – Foto: Icon Sport

Cruzeiro irá questionar a CBF

Um clube que já se manifestou publicamente sobre a questão foi o Cruzeiro. Em entrevista coletiva realizada na última sexta-feira (4), o diretor de futebol da Raposa, Pedro Martins, revelou que prepara questionamentos para levar à CBF acerca das datas estipuladas para a janela de transferências do futebol brasileiro.

— O Cruzeiro está preparando uma série de ponderações e pontuações que a gente tem que fazer para a CBF sobre o funcionamento da janela de transferências. Na nossa visão não faz muito sentido ter uma janela de transferências que não está alinhada com a janela internacional. A brasileira se fecha e a internacional continua correndo. Não tem muita lógica para quando você quer montar um planejamento de janela e de elenco. Você fica aberto à possibilidade de saída de jogadores — falou Pedro Martins.

O clube celeste é mais um que pode ser prejudicado pela não-concordância das janelas. O atacante Bruno Rodrigues, principal destaque celeste na temporada, recebeu proposta do Al-Taawon da Arábia Saudita e analisa sua continuidade no Cruzeiro, que também fez uma investida pela permanência em definitivo do jogador, que pertence ao Tombense e está emprestado ao time estrelado.

“Regra dos sete jogos não faz sentido”

Na mesma entrevista coletiva, Pedro Martins fez outra crítica a forma que o mercado de transferências é definido no Brasil. Para ele, a regra dos sete jogos do Brasileirão — um jogador que atuou em sete partidas por um clube não pode jogar por outro do mesmo campeonato — deixa de fazer sentido a partir do momento que há um período limitado de negociações.

— Uma vez que existe a janela de transferências, a gente entende que não faz muito sentido você ter a trava dos sete jogos pros atletas da Série A. A trava dos sete jogos existiu para que os jogadores não pudessem sair a qualquer momento. Uma vez que existe a janela, você acaba limitando a troca de jogadores entre equipes da Série A. Eu entendo que é um ponto que deve ser evoluído — completou.

Pedro Martins, diretor de futebol do Cruzeiro, em entrevista coletiva
Pedro Martins, diretor de futebol do Cruzeiro, anunciou que prepara uma série de questionamentos para a CBF em relação ao mercado de transferências – Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

O que diz a CBF?

Procurada pela Trivela, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) explicou que não há uma convergência das janelas pelo fato do calendário brasileiro ser diferente do de outras regiões.

“Não estão alinhadas pois nosso calendário não segue o europeu. A nossa janela maior é no início da temporada, de janeiro a abril. A janela do meio do ano é a menor. A maioria dos países europeus, além de alguns árabes e asiáticos, seguem o inverso”, afirmou o órgão.

Apesar da argumentação, a CBF admite que times brasileiros podem sair prejudicados ao perderem jogadores para outros mercados. “Agora em agosto até o início de setembro, o que pode ocorrer é alguns clubes brasileiros perderem atletas para estes mercados que estão com a janela aberta”, ponderou a CBF.

Críticas aparecem também no futebol europeu

Apesar da configuração da janela de transferências incomodar dirigentes brasileiros, as críticas ao modelo não são exclusividade daqui. A diferença de datas entre o fechamento da janela europeia e o das janelas de Catar, Emirados Árabes e, principalmente, Arábia Saudita, tem incomodado clubes europeus.

O alemão Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, demonstrou preocupação com as três semanas em que a janela saudita fica aberta após o fechamento da europeia. Ele falou sobre o tema durante coletiva de imprensa realizada no último dia 1 de agosto. O temor do técnico é a perda de jogadores que não possam ser repostos, assim como acontece no Brasil.

— E o que é pior é que a janela de transferências da Arábia Saudita fica aberta por três semanas a mais (que a europeia). Para a Europa, isso não ajuda nada. A Uefa e a Fifa têm que encontrar soluções para isso. No fim das contas, no momento em que estamos, não sei exatamente o que vai acontecer — cobrou Klopp.

Jurgen Klopp, treinador do Liverpool
Jürgen Klopp cobrou ações da Uefa e Fifa em relação às datas de fechamento das janelas de transferência – Foto: Harry Langer/DeFodi Images/Icon Sport

É preciso repensar a janela de transferências brasileira

A desaprovação de dirigentes de clubes brasileiros em relação às datas da janela de transferências nacional pode estar aparecendo tarde demais, mas está longe de ser infundada.

Mesmo com o investimento massivo saudita sendo mais recente, não é de agora que o mercado brasileiro é visado por Europa, Catar, Emirados Árabes e Arábia Saudita. A perda de jogadores importantes neste momento do ano pode ter resultados catastróficos para as equipes, em especial aquelas que dependem muito de um certo jogador, como é o caso do Corinthians, com Róger Guedes, e do Santos, com Marcos Leonardo.

Ainda que a janela do início do ano seja bem mais extensa, os times brasileiros costumam fazer maiores investimentos no meio do ano, já que de janeiro até abril, se joga os estaduais, estando a Copa do Brasil e as competições internacionais ainda em estágios iniciais.

Por isso, independentemente do que diz a CBF, é importante repensar essas janelas, de forma que os clubes possam se resguardar ao perder jogadores. Bastou uma temporada de investimento saudita para que Klopp percebesse o risco ao planejamento de sua equipe. O Brasil já havia enfrentado situações parecidas, mas pouco havia se falado do tema, até então.

Manter uma janela equiparada com as do exterior também ajudaria na valorização do produto futebol brasileiro, afinal, mesmo que bons jogadores deixem o país, outros podem ser contratados, com os clubes utilizando o dinheiro que entrará em suas contas para as reposições necessárias.

Resta esperar que os clubes tenham organização para identificar e propor soluções para o problema e que a CBF repense na hora de tomar uma decisão que pode impulsionar a organização dos clubes e fazer do Campeonato Brasileiro uma liga mais forte.

Foto de Maic Costa

Maic Costa

Maic Costa nasceu em Ipatinga, mas se radicou na Região dos Inconfidentes mineiros. Formado em Jornalismo na UFOP, em 2019, passou por Estado de Minas, Superesportes, Esporte News Mundo e Mais Minas. Atualmente, escreve para a Trivela e para o Futebol na Veia.
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