Sem divulgação, Brasileirão Feminino acumula outro descaso da CBF a dois anos da Copa do Mundo
Série A1 já está em sua terceira rodada e ainda não há publicidade; transmissão e divulgação dos jogos também são precários

Quem acompanha os jogos da Série A1 do Brasileirão Feminino percebeu a ausência das placas de publicidade ao redor do gramado e do banner dos patrocinadores de fundo das entrevistas pós-jogo. A dois anos para a Copa do Mundo Feminina no Brasil, a Série A1 começou sem patrocínio, com transmissão parcial dos jogos e pouca divulgação nas redes sociais.
As placas de publicidade eram realidade do Brasileirão Feminino há pelo menos seis anos, quando a competição inaugurou uma nova fase e passou a atrair marcas interessadas em associar-se ao seu nome. Até os “naming rights” da competição foram vendidos em 2024 para a casa de apostas Betano, que já havia feito o mesmo com a competição masculina.
Mas tudo começou diferente em 2025. O contrato com a empresa responsável pela divulgação do campeonato nas redes sociais acabou. A competição começou sem publicações — a tabela da primeira rodada sequer foi publicada — e o trabalho de divulgação iniciou após muitas críticas de torcedores no Instagram.
De acordo com o “ge”, a CBF considerou baixa as quantias oferecidas pelas marcas na renovação e negocia valores maiores. A expectativa da entidade é que os novos acordos sejam fechados até o começo das quartas de final da competição. Enquanto isso, haverá placas institucionais de combate ao racismo, ao assédio e ao feminicídio no lugar da publicidade.
— Quando se coloca que até o início das quartas de final isso será resolvido, é a fase mata-mata, em que haverá a definição do campeonato e naturalmente é o seu auge e se tornará mais interessante. Mas por que só vamos conseguir patrocínio no auge? O restante do campeonato não tem a mesma relevância? Ou foi o fato de o calendário ter demorado muito para sair e não deu tempo para buscar os patrocinadores? — questiona Amanda Viana, comentarista do “Planeta Futebol Feminino, ‘DAZN” e “Canal Goat”.
Para este ano, a CBF demorou para definir o calendário do futebol feminino, assim como aconteceu na principal competição masculina. Primeiro, houve rumores de que não haveria rebaixamento do ano anterior para aumentar o número de equipes na Série A1, mas acabou que a entidade máxima do futebol brasileiro manteve a queda para a segunda divisão. Porém, reduziu a quantidade de rebaixados este ano para duas equipes, enquanto quatro subirão para a elite.
— Eu acho que para você valorizar o seu produto como um todo, o planejamento com antecedência é fundamental para chegar com antecedência nas marcas, mostrar o seu projeto e que a competição está sendo valorizada. A gente peca nessa parte de organização e estrutura no Brasil e isso impacta no desenvolvimento da nossa competição — continua Amanda.
Falta de transmissão dos jogos do Brasileirão

Atualmente, a Série A1 do Campeonato Brasileiro conta com 15 rodadas, com oito jogos em cada uma. Apenas quatro partidas de cada rodada são transmitidas na televisão: duas no SporTV e outras duas na TV Brasil. As quatro demais ficam sem transmissão e os clubes assumem a responsabilidade de transmitir as partidas.
— A demora em definir o calendário, a insegurança sobre as transmissões e as condições dos estádios tornam a situação menos atrativa para conseguir patrocínios. Eles vêm de empresas que colocam dinheiro no campeonato porque querem ser vistas e que suas marcas tenham um alcance. Para essa marca ter um alcance importa muito onde os jogos são transmitidos, a quantidade de pessoas que tem acesso à transmissão, a certeza de que o jogo vai chegar no seu público-alvo — opina Amanda.
A comparação com as principais ligas do mundo coloca o Brasil sob holofotes ruins. A National Women’s Soccer League (NWSL), liga de futebol feminino dos Estados Unidos, fechou um acordo por quatro anos em 2023 com algumas das maiores redes de transmissão norte-americanas — ESPN, CBS Sports, Prime Video e Scripps Sports –, em um contrato que obriga cada uma delas a exibir pelo menos 20 jogos por temporada em suas plataformas e pelo valor de 60 milhões de dólares (R$ 337,4 milhões) por ano.

Até o ano passado, na FA Women's Super League (FA WSL), liga inglesa feminina, a “Sky Sports” exibia até 44 jogos da competição por temporada, e a “BBC”, 22, num acordo de 8,1 milhões de euros (R$ 45,5 milhões) por ano.
Ainda que os valores estejam distantes em comparação com outras ligas, existe o interesse do público no futebol feminino no Brasil. Prova disso é o fato de a TV Brasil ter sua melhor audiência no ano em 23 de março, quando o confronto entre Cruzeiro e Grêmio ultrapassou dois pontos de audiência no Distrito Federal e mais de um ponto em Rio de Janeiro e São Paulo, alcançando 194 mil casas nas três cidades.
— A partir do momento que se transmite o futebol feminino, ele gera interesse. Precisamos lembrar que a CBF não é uma confederação pobre. Ela é bem rica, acabou de assinar um novo acordo com a principal fornecedora num valor que pode ultrapassar o bilhão (Nike pagará 100 milhões de dólares na renovação de contrato até 2038). Se a CBF tivesse o mínimo de interesse, ela poderia antecipar algumas coisas, como por exemplo, a transmissão. É inconcebível que um campeonato de elite não tenha 100% de cobertura garantida. Parece que estou tentando assistir aos jogos em 2013 — diz Rafael Alves, editor-chefe do Planeta Futebol Feminino.
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Copa do Mundo de futebol feminino no Brasil

Existe um grande hall de atletas de qualidade no Brasil. O Relatório de Transferências Global da Fifa, divulgado em janeiro, mostra que as jogadoras brasileiras protagonizaram as negociações com maiores taxas de transferência no futebol feminino em 2024.
O valor é de cerca de US$ 1,9 milhão de dólares movimentados pela venda dessas jogadoras. Atrás das brasileiras, estão atletas de Zâmbia (US$ 1,6 milhão), Suécia (US$ 1,3 milhão), França (US$ 0,9 milhão) e Espanha (US$ 0,7 milhão).
— A Copa do Mundo ser aqui é algo fantástico, muito legal. A gente já viu uma Olimpíada aqui, uma Copa masculina aqui e foram torneios que as semanas de Olimpíadas e o mês de Copa do Mundo foram de sucesso. Eu tenho certeza que a Copa do Mundo Feminina será da mesma forma. A torcida brasileira vai engajar os jogos da Seleção e de outras grandes seleções no mundo. Mas vamos conseguir levar esse engajamento para todos os jogos, incluindo os menores? O que estamos fazendo nesses anos para trabalhar esse produto? — questiona Amanda.

Além da visibilidade, arrecadação com turismo e o entretenimento que a Copa do Mundo feminina trará ao Brasil, a principal competição de futebol feminino entre seleções pode proporcionar ao país-sede que haja uma melhora em toda a estrutura da modalidade. Entretanto, a situação atual é de desconfiança.
A Seleção sub-20 não tem comandante desde o desligamento de Rosana, em 24 de fevereiro, e até o momento não há nome encaminhado para a vaga. No sub-17, Simone Jatobá deixou de ser treinadora da Seleção para trabalhar na Coordenação de Captações das Seleções Brasileiras Femininas. Rilany Silva assumiu como técnica da equipe, enquanto Gabriel Mastrodomenico se tornou o gerente das categorias sub-17 e sub-20.
Há pouco mais de um ano, jogadoras do Atlético-MG relataram falta de toalha, treino em campo de futebol amador enquanto disputavam a Série A1 do Brasileirão.
Um levantamento feito pelo site “Dibradoras” em março de 2024 mostrou que, de 11 clubes do Campeonato Brasileiro, três proporcionam a estrutura que têm para o masculino também para o time feminino. São eles: Santos, Cruzeiro e Corinthians. E apenas o Peixe coloca sua equipe feminina para jogar no mesmo estádio que a masculina.

— O principal é o legado, porque o mês da Copa vai ficar, mas e depois? A gente vai conseguir levar uma estrutura melhor e o sucesso de Copa do Mundo para melhorar a nossa base? Novas jogadoras terão mais oportunidades? O que estamos fazendo desde o anúncio do Brasil como sede para aproveitar isso? Sinceramente, eu vejo uma situação complicada, porque temos problemas básicos no nosso campeonato, na Série A1, imagine na A2 e A3 — opina Amanda.
Em 2022, a premiação do Paulistão Feminino era superior ao da Série A1 do Brasileirão. Foram distribuídos R$ 2,6 milhões ao longo do Estadual. A equipe campeã, Palmeiras, ficou com R$ 1 milhão, enquanto a vice, Corinthians, foi premiada em R$ 500 mil.
De 2017 até 2024, o Brasileirão feminino distribuía no total pouco mais de R$ 1 milhão, sendo R$ 120 mil para a equipe campeã. Ano passado o Corinthians, campeão brasileiro, embolsou R$ 2 milhões ao todo, sendo R$ 1,5 milhão pelo título. Neste ano, a CBF deu um aumento na premiação de 20% em relação a 2024, que foi de R$ 8,25 milhões entre cotas e premiações.
— O que eu vejo é que existe uma hesitação maior em relação ao futebol de mulheres e até pelo esporte feminino como um todo, por preconceito. (O Brasileirão) É um campeonato que tem demonstrado crescimento, embora há questões de gramado, qualidade do jogo em si. Acho que melhorou bastante, mas quando cobramos desenvolvimento, queremos sempre mais. Estamos há dois anos da Copa do Mundo, que mensagem se passa quando seu principal produto não tem as garantias de transmissão e as garantias comerciais? — finaliza Rafael.
A ausência de marcas estampadas na Série A1 do Brasileirão Feminino é uma antítese do momento que a modalidade vive no Brasil e no mundo. Enquanto o futebol de mulheres cresce interesse do público, existe ainda um receio dos próprios patrocinadores investirem no produto, ainda que os mesmos coloquem dinheiro em outros mercados de risco.
A Copa do Mundo ainda é uma oportunidade para se dar o próximo passo, mas a realidade mostra que quem gere o esporte bretão feminino prefere seguir engatinhando.
Em contato com a reportagem da Trivela, a CBF afirmou que irá se pronunciar oficialmente sobre o caso nas redes sociais.
