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Ele narrou o gol do Botafogo na Libertadores para o irmão cego e quase perdeu a vida antes do fim do Brasileirão

Gêmeos, Jair e Jeferson Conrado protagonizaram uma das cenas mais emocionantes da conquista da Glória Eterna botafoguense

A conquista inédita da Libertadores pelo Botafogo rendeu um vídeo, que viralizou nas redes sociais com mais de 2 milhões de visualizações no Instagram, mostrando um recorte da bela história de dois irmãos gêmeos que são unidos no amor pelo clube do coração.

Filhos de pai piauiense e mãe mineira, Jair e Jeferson Conrado nasceram em Brasília em 1995, mesmo ano em que o Botafogo conquistava seu segundo título brasileiro. A torcida pelo Glorioso partiu por influência de um tio botafoguense e a paixão pelo clube se intensificou em 2005, quando Jeferson descobriu um tumor no cérebro com apenas 10 anos de idade. Ele venceu a batalha, mas acabou perdendo a visão.

Durante seu tratamento, Jeferson se apegava a um radinho de pilha que ganhou no hospital para acompanhar o Botafogo, era a forma que tinha para focar em outras coisas durante o momento difícil.

— Uma criança perder a visão com 10 anos foi muito cruel no início. Ter que se adaptar novamente a tudo e a todos. Eu via meu irmão gêmeo fazendo coisas que eu gostaria de fazer. Soltar pipa, jogar bola, videogame, mas eu não conseguia. Então, a forma de eu me desprender um pouco daquela realidade complicada era com o radinho ouvindo o Botafogo, ouvindo as notícias durante a semana, me prendendo aos jogos — relembra Jeferson

“A frase que mais define é que não é só futebol, é o dia a dia. Ver notícias, se alimentar de um programa esportivo, aquilo vai desprendendo você de uma realidade complicada e que para mim foi muito difícil no início.”

Jair e Jeferson Conrado Botafogo
Jair e Jeferson Conrado aos três anos de idade (Foto: Arquivo Pessoal)

Desde então, o Botafogo se tornou um elo forte de ligação entre Jair e Jeferson. Em dias de jogos importantes do Fogo, eles se reúnem na casa da mãe. Quando estão longe, conversam durante o intervalo das partidas e comentam notícias envolvendo o time do coração durante a semana.

— Eu não enxergo, mas sou muito fã de tática e meu irmão traz isso para mim. ‘Linha de três, linha de quatro, estamos marcando alto, estamos marcando baixo'. O lance do gol do Luiz Henrique surgiu com ele na ponta-esquerda e ele geralmente joga pela ponta-direita. Meu irmão trouxe isso para mim antes do lance acontecer. Essa dinâmica e lado de jogador. É mais que descrever o lance, é todo o contexto da partida que acompanhamos — descreve Jeferson.

De Botafogo rebaixado à final da Libertadores

Em 2014, os irmãos foram para o Rio de Janeiro pela primeira vez com o objetivo de ir ao Maracanã ver uma partida do Botafogo pela pré-Libertadores. O Alvinegro venceu o Deportivo Quito, do Equador, por 4 a 0. Mas o ano terminou trágico. Com uma rodada de antecedência, o clube carioca acabou rebaixado no Campeonato Brasileiro.

No último jogo pelo Brasileirão daquele ano, com o Fogo sem chances de se salvar, coincidentemente também contra o Atlético-MG, Jair e Jeferson foram ao Mané Garrincha apoiar o time do coração.

Quando o Botafogo se classificou para a final da Libertadores deste ano, Jeferson imediatamente falou com seu irmão chorando “Jair, há 10 anos estávamos vendo o Botafogo ser rebaixado, precisamos ir nessa final, a gente merece viver isso“.

Com passagens aéreas custando mais de R$ 6 mil, os irmãos decidiram que a forma mais viável de ir para Buenos Aires era enfrentando 3.100 quilômetros de carro. Jair, inclusive, levou o cunhado do irmão, Michel — que é flamenguista e estava no Monumental com camisa do Botafogo –, para revezar no volante.

A narração da Glória Eterna

Em um jogo dramático, com uma expulsão aos 30 segundos pelo lado do Botafogo e o placar em 2 a 1 até os acréscimos do segundo tempo, Jeferson teve a ideia de registrar a emoção de seu irmão no apito final. Porém, os irmãos foram surpreendidos com o gol de Júnior Santos, que sacramentou a Glória Eterna.

— Eu sempre narro para o meu irmão os lances de perigo, mas eu queria falar naquela hora mais para tranquilizá-lo. O lance foi acontecendo até sair o gol e, quando sai, na minha cabeça só passava tudo que enfrentamos para estar lá. A explosão de choro e sentimento. Valeu a pena viver tudo isso — conta Jair.

“Não falo da viagem em si, mas tudo o que passamos. A superação do meu irmão, as dificuldades financeiras que a gente enfrentou ao longo desses tempos. Compartilhar esse momento com o meu irmão foi incrível.”

Exausto e mal conseguindo ficar em pé no final do jogo, Jeferson não sabia que estava sendo gravado. Ele conta que naqueles minutos finais passava um filme em sua mente com todos os momentos difíceis que passou com o Botafogo até então.

— Na hora que sai o gol, eu meio que entrei num estado de ‘é verdade, aconteceu'. Abracei meu irmão e comecei a chorar, porque passamos por muita coisa juntos, dentro e fora do futebol. Ter um momento como esse fica marcado. É uma história que vamos contar para os nossos netos — relembra Jeferson.

Acidente na volta

Infelizmente, Jeferson, Jair e Michel passaram por maus bocados na volta ao Brasil. Durante a viagem rumo à Brasília, sofreram um acidente em uma estrada em Jales, no interior de São Paulo, a 750 quilômetros de sua cidade natal na madrugada de segunda-feira (2).

Jair havia acabado de assumir o volante, às 5h30, após o cunhado de Jeferson ter dirigido durante a noite e, com 15 minutos rodando no estado paulista, uma moto invadiu a pista indo na direção contrária.

Para evitar uma colisão frontal, Jair teve que desviar e acabou perdendo a direção, batendo numa mureta na entrada de uma fazenda. O condutor da motocicleta foi embora do local sem prestar socorro.

Jeferson foi quem sofreu menos sequelas do acidente, já que ficou apenas com dores no corpo. O irmão que estava no volante sofreu uma fratura no pé e outra no pulso e Michel sofreu uma na cabeça, mas felizmente nada foi tão grave e todos passam bem.

Jair acionou o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER), que levou um guincho até eles. Porém, era necessária a presença da polícia, porque houve dano ao “guard rail” (mureta de proteção da estrada), que é um patrimônio público. O carro acabou sendo levado ao pátio da polícia de Jales para finalizar o Boletim de Ocorrência (BO) e o DER os levou para uma oficina para o conserto do carro.

O trio teve que desembolsar R$ 2 mil para deixar o carro em condições mínimas para continuar a viagem. Praticamente sem a parte da frente, o veículo ficou todo desalinhado e com as duas portas amassadas, impossibilitadas de abrir.

Desgastados e querendo chegar logo em casa, o grupo de Brasília não chegou a ir ao hospital e Michel levou o carro até a cidade natal. Eles seguiram de São Paulo até a capitão brasileira a 60 km/h, “na raça”, como Jair descreveu. O trio finalmente conseguiu deixar Jales no mesmo dia, às 18h, e chegou em Brasília às 6h da manhã do dia seguinte.

Jair trabalha como motorista de aplicativo e o prejuízo com o acidente foi grande. Quem estiver disposto a ajudar os irmãos nessa missão pode enviar Pix para 61984847342, de Jair Conrado dos Santos, no Nubank.

Torcedores do Botafogo miram título brasileiro e o Mundial

Atletico MG x Botafogo pela final da Libertadores no Estadio Monumental de Nunez. 30 de Novembro de 2024, Buenos Aires, Argentina. Foto: Vitor Silva/Botafogo. Imagem protegida pela Lei do Direito Autoral Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998. Sendo proibido qualquer uso comercial, remunerado e manipulacao/alteracao da obra.

Otimistas, os gêmeos se reunirão na casa da mãe para acompanhar a última rodada do Brasileirão, em que o Botafogo precisa de um simples empate com São Paulo no domingo (8), no Nilton Santos, para se sagrar campeão brasileiro após 29 anos.

— Conquistar o título brasileiro será coroar todo o esforço que fazemos pelo Botafogo, a entrega que temos ali. É tudo muito recompensador, ganhando ou perdendo, mas ganhando é melhor ainda — comenta Jeferson

A temporada do Botafogo não se encerra no final de semana. O clube carioca viaja a Doha, no Catar, semana que vem para enfrentar o Pachuca, do México, no Intercontinental de Clubes.

E ainda, na próxima temporada, o Fogo encara simplesmente Paris Saint-Germain, Atlético de Madrid e Seattle Sounders, dos EUA, no grupo B do Super Mundial de 2025.

— Sair dos momentos em que vivemos de rebaixamento e imaginar enfrentar times da Europa, é loucura. Se contassem para nós há três anos, quando Kanu falou que não nos tornaríamos o Real Madrid do dia para noite… viramos o Real Madrid — finaliza Jair.

Foto de Romulo Giacomin

Romulo GiacominRedator de esportes

Formado em Jornalismo na UFOP, passou por Mais Minas, Esporte News Mundo, Estado de Minas e Premier League Brasil. Atualmente, escreve para a Trivela.
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