A bola sempre ao 10: Alan Patrick cuidou dela e ganhou o Gre-Nal
Em mais um confronto turbulento entre Internacional e Grêmio, meia desequilibrou e decidiu o 441º clássico da história
Não se sabe ao certo se algum jogador ou cronista foi quem primeiro disse essa pequena frase que resume muito do que se enxerga do futebol sul-americano, firmada no termo em espanhol, La pelota siempre al diez. Mas o que se pode saber é que cada mesa de debate no Brasil vai ter alguém para falar que essa figura já não existe mais por aqui, que o futebol mudou, que a formação está diferente, que a velocidade ou a posição no campo, ou transição, são outras. Mas o jogo grita e a gente deve falar miudinho, sempre.
O Gre-Nal não se conta à toa: nenhum outro jogo no Brasil tem mais influência no humor dos clubes que o encontro entre colorados e tricolores em Porto Alegre. Se isso muitas vezes passa do ponto, num exagero da tradição que por si só supervaloriza um duelo local mesmo em início de temporada e sem maiores impactos na corrida pelos troféus, é outra história. A segunda-feira é vermelha porque o Gre-Nal #441 teve um pontual Alan Patrick que decidiu o jogo na técnica, logo ela, muitas vezes subestimada quando se trata da maior partida do Sul.
Foi Abel Braga, treinador do camisa 10 colorado em sua passagem anterior pelo clube, há uma década, que afirmou: Alan Patrick tem muita bola, mas pouco da escola gaúcha. Como todas as convenções regionalistas do futebol, aqui temos um pouco de verdade, outro tanto de lugar-comum. E o próprio capitão do time atual admite que precisou aprender a subir seu nível de disputa ao longo da carreira, até chegar ao seu auge agora, na casa dos 32 anos. A bola sempre ao 10, sim, desde que ele dê conta de competir.
E assim o fez nos dois lances com sua assinatura no Beira-Rio. Primeiro, só dez minutos depois do Inter oferecer um gol contra no tapa desastrado de Renê, recebeu bola apertada na marcação bastante recuada do lado rival, limpou JP Galvão, penteou para cima de Pepê e achou Maurício nas costas de Villasanti e Du Queiroz. E no último lance possível guardou o gás para partir para cima de Kannemann e ganhar o pênalti que converteu para a vitória por 3 a 2. A sugestão de Abelão em 2014 acabou respondida com seu quarto gol no jogo que vale por dez.
Foi uma grande partida. Está certo o torcedor do Inter que preferir eleger Maurício o melhor em campo, não só pelo chute preciso do empate providencial como pelo passe da segunda igualdade, para Alario, e pela capacidade que teve em carregar e bola e comprar as brigas na armação do time em seu primeiro jogo como titular no ano. Também terá razão o gremista que tenha ido dormir entusiasmado com Gustavo Nunes, o atacante que acabou de fazer 18 anos e tem na sua história um primeiro Gre-Nal valioso, ainda carecendo de melhor tomada por decisão (que chance para marcar num rebote!), o que é normal, mas com volume de jogo bastante notável, acima da média dos pontinhas ciscadores que formamos aos montes. Outro destaque é Villasanti com sua escancarada tranquilidade na hora decisiva, invadindo a área para marcar um bonito gol que poderia ter sido o da vitória.
Setores defensivos foram destaques negativos do Gre-Nal
Vale ainda registrar um certo desapontamento com as zagas. Vitão e Robert Renan me parecem ter mais bola do que conseguiram gerar contra um rival que lhes oferecia a posse, e a linha foi muito permissiva no gol de Villa. Do outro lado, Rodrigo Ely e Kannemann não tiveram a proteção necessária para segurar Maurício e Alan Patrick e, ainda que o argentino tenha muitas vezes vencido o duelo guerreado contra Valencia, a exposição deu no pênalti estabanado no estouro do tempo. A atenção no gol de Alario também não existiu.
Sobre arbitragem, poucas linhas aqui no final do texto são mais do que suficientes. Anderson Daronco nem de longe teve o protagonismo que lhe é comentado após o clássico. Poderia ter apitado uma falta no lateral João Pedro, mas não que o gol do outro lado tenha sido num contra-ataque por conta disso, já que o time gremista já tinha os dez jogadores atrás da linha quando saiu a assistência. Segue o jogo. A conversa de futebol precisa superar essa obsessão com cada possibilidade de infração. E ainda que eu entenda quem hoje só enxerga futebol com árbitro de vídeo – discordo muito, acho a aplicação do VAR muito falha e excessiva, com demanda de mudanças urgentes, mas entendo –, lamento que esse tema seja tão relevante depois dum jogo tão bom, com tanta história.
Eduardo Coudet comemorou muito a vitória no fim, vibrando com sua torcida (recorde de Gre-Nal no novo estádio) porque entendeu a largura desses três pontos e demonstrou saber o peso que tropeços anteriores tiveram em sua repercussão no Rio Grande do Sul. Não podia perder mais uma, ainda mais diante do retrospecto tão bom do adversário: Renato chegou ao clássico de número 30 e sofreu apenas a sexta derrota. Dessa vez num jogo que teve de tudo, de novo e como sempre, como o arranca-rabo por cada palmo de campo e o empurra-empurra clichê de fim de jogo. Além disso, mais do que tudo e reforçando a ideia do início, teve bom futebol.