‘Muito assustado’: Desenhista desabafa após fazer arte do Beira-Rio que gerou polêmica por direito de imagem
BRIO, holding que administra a casa do Internacional junto ao clube gaúcho, pediu a exclusão de arte do estádio a desenhista com risco de multa

Deveria ser uma quinta-feira normal para Bruno Lorenz, desenhista de aquarelas que comercializa suas pinturas nas redes sociais e tem a função como seu sustento há um ano. Ele começou o dia, abriu o Instagram, sua principal plataforma para divulgação do trabalho, mas se deparou com uma mensagem do perfil oficial do estádio Beira-Rio. Era um pedido de exclusão de fotos de uma pintura que tinha feito da casa do Internacional e a mensagem alegava que a arte infringia os direitos autorais do estádio.
— Informamos que o direito de uso de imagem do Estádio é de propriedade da BRIO, holding que administra o estádio em parceria com o Inter, e que divulgação de imagens do Beira-Rio em perfis comerciais depende de prévio licenciamento e remuneração desses direitos com a BRIO. Assim, pedimos que excluam as imagens do estádio para que não seja emitida nenhuma cobrança — disse a empresa, em mensagem enviada ao desenhista.

O desenho do Gigante da Beira-Rio tinha sido feito no início deste ano para um conhecido de um amigo de Lorenz que havia pedido. Ele só foi fazer a publicação na página onde divulga as artes em fevereiro e até marcou o perfil oficial do estádio, mas na época não teve respostas.
Então, aproveitou a empolgação do título gaúcho do Inter em 16 de março para publicar anúncios com a arte para a comercialização e posteriormente recebeu a mensagem do perfil da arena do Colorado.
— Fiquei muito assustado [com a mensagem]. Tanto é que respondi muito rápido, o mais rápido possível para mostrar que eu não tava de má-fé nem nada. Foi um susto e, antes de qualquer coisa, é o meu trabalho, de segunda a sexta pintando, é o meu ganha pão mesmo. […]. Eu pensei: ‘pô, não tô cometendo nenhum crime e tô me ferrando‘. No segundo momento [após o susto], foi uma tristeza porque realmente era uma coisa que me dava retorno minimamente financeiro — contou Bruno Lorenz em entrevista exclusiva à Trivela.
O caso serviu até como uma lição ao artista em relação a direitos autorais e de uso de imagem. Ele fez uma publicação sobre o assunto nas redes sociais e, além de mensagens de solidariedade, recebeu até orientações de advogados sobre o assunto na caixa de comentários.
— Eu entendi de onde vem a proteção intelectual. Querendo ou não, eles estão no direito deles, por mais que não concorde. O que mais pegou ali foi muito mais a forma como eles nem quiseram conversar assim, tanto é que eles não me responderam após eu afirmar que apaguei as artes. O perfil do Beira-Rio estava até bloqueando gente que comentava o assunto — disse.
Proibição do Beira-Rio inspira desenhista a fazer mais aquarelas sobre futebol

A pintura do Beira-Rio foi exatamente a primeira vez que Bruno, um apaixonado por futebol desde criança (mesmo que afastado do esporte nos últimos anos), desenhou algo sobre a paixão de muitos brasileiros. O trauma de receber uma mensagem do perfil oficial do estádio de um gigante do futebol brasileiro, no entanto, o incentivou a continuar nessa trajetória, mas com uma condição.
— Eu me interessei muito mais e contar essas histórias de times menores, tipo do Santa Cruz, do Rio Grande do Sul, do Pelotas, do Estádio da Boca do Lobo, onde os caras rebaixados continuam apoiando os times. Nesses estádios que ainda tu tem essa experiência ‘mais das antigas'. […] Meu projeto é desenhar um predinho para cada cidade do Rio Grande do Sul e, aí, quem sabe eu não posso sair pelo Estado desenhando esses estádios e ouvindo torcedor, o cara que trabalha no clube há anos — afirmou.
Apesar disso, Bruno Lorenz já recebeu contatos de equipes mais tradicionais após a repercussão do caso com o Internacional. Juventude, Goiás e até o perfil oficial do Campeonato Paulista foram alguns que entraram em contato.
Inclusive, o fez criar um perfil especial apenas para seu trabalho homenageando a casa dos times brasileiros: “UnsEstádios”, como uma continuação do “UnsPredinhos”, a página oficial das pinturas em aquarela. Após o Beira-Rio, o Pacaembu e a Neo Química Arena foram outros estádios que um torcedor do Corinthians o pediu para desenhar, antes mesmo da notificação da BRIO.
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Caso de desenhista relembra polêmicas de bolos de clubes
Um dos casos de repercussão no último ano sobre o uso de direito de imagem de clubes foi o de confeiteiras que sofreram multas por comercializarem bolos com o escudo das equipes. A Trivela entrevistou a boleira Luciana Costa, de 54 anos, que foi obrigada a pagar R$ 1,8 mil, dividido em dez parcelas, por um produto do Bahia.
— Eu achei muito pesado. Não fabrico bandeiras ou camisetas e vendo em larga escala, como a China faz. Eu trabalho com decoração de bolos, quem compra esses produtos são os torcedores dos próprios times — disse à época.
💬 "O combate à pirataria deles é oportunista".
— Trivela (@trivela) October 18, 2024
Confeiteira multada por produzir papéis de arroz para bolo com escudo de times conta bastidores da ação à Trivela e critica advogados.
Leia na matéria de @omaiccosta https://t.co/vVRiFLLEOo
Para entender como funciona o direito autoral, a reportagem conversou com a advogada Carolina Veludo, do Ambiel Advogados e especialista em Propriedade Intelectual, que explicou que, no caso de estádios, pelo menos quatro leis respaldam cobranças e protegem os respectivos donos da propriedade (Leis de Direitos Autorais nº 9.610/98, de Propriedade Industrial nº 9.279/1996, Pelé 9.615/1998 e Geral do Esporte nº 14.597/2023).
— No Brasil, a legislação de propriedade intelectual, especialmente no que diz respeito ao direito autoral e de marcas, prioriza a proteção dos direitos dos titulares, o que inclui a exclusividade na exploração comercial desses ativos. Assim, a reprodução e comercialização de obras e marcas, mesmo em situações aparentemente inofensivas, como em pinturas em aquarelas, pode ser considerada uma violação de direito autoral e propriedade intelectual se feito sem o licenciamento necessário — explica Veludo.
A advogada destaca que a empresa que multar um negócio deve entender a capacidade financeira de quem infringiu o direito autoral.
— A aplicação de eventuais multas e/ou consequências devem, em todos os cenários, considerar a capacidade econômica e fática dos infratores, mas isso não pode ser interpretado como uma autorização para àqueles de menor porte, sob pena de desvalorização de criações artísticas e da proteção legal garantida — disse.
— É importante mencionar que a legislação autoral (Lei nº 9.610/98), em seu Art. 46, prevê situações claras em que é possível a utilização e reprodução de obras sem a devida autorização do titular e/ou autor e que não constituem violações aos direitos autorais, no entanto, a reprodução para fins comerciais e de enriquecimento próprio (como é o caso da aquarela) não encontra-se previsto em tal rol — finalizou.
Posicionamento do Internacional e da BRIO
Por meio de assessoria de imprensa, a BRIO, empresa que tem como acionistas a construtora Andrade Gutierrez e o banco BTG Pactual e partilha a gestão do Beira-Rio com o Colorado, reforçou que os direitos autorais do estádio são de sua propriedade e a utilização sem o devido licenciamento pode acarretar multas. A holding não respondeu à reportagem qual é o valor da multa e se alguma já teria sido aplicada no passado — leia o posicionamento completo abaixo.
Já o Internacional, em nota, afirmou que a posição da empresa em cobrar possíveis multas de empreendedores “não necessariamente condiz com o que a instituição defende” e que o clube não tem participação no uso de direito de imagem.
Internacional
A exploração de imagem do Beira-Rio é da Brio. O Inter não tem ingerência sobre como ela determina essa exploração e não teve nenhuma interferência nessa notificação. A iniciativa da gestora do estádio não necessariamente condiz com o que a instituição defende.
BRIO
A BRIO, SPE Holding Beira-Rio S/A, empresa parceira do Sport Club Internacional na gestão compartilhada do Estádio Beira-Rio, esclarece que os direitos de imagem relacionados ao Complexo Beira-Rio são de propriedade da BRIO.
Qualquer utilização de produtos com a imagem do Complexo Beira-Rio com finalidades comerciais ou promocionais requer, obrigatoriamente, autorização prévia e o licenciamento adequado.
A BRIO trabalha em parceria com marcas licenciadas, que estão autorizadas a conduzir parcerias e ações comerciais envolvendo o Complexo Beira-Rio. Portanto, a empresa reforça que a veiculação e comercialização de produtos com a imagem do Estádio, sem a devida autorização, pode acarretar em medidas legais para proteção dos direitos de propriedade comercial.
Destacamos que essa abordagem tem como objetivo garantir a proteção dos licenciados e assegurar que todas as ações comerciais que envolvem o nome e imagem do Estádio sejam realizadas em conformidade com os direitos estabelecidos.