Sul-Americana

O golaço de Erik no último lance é o rompante de êxtase que todo torcedor almeja

“Tem coisas que só acontecem com o Botafogo”. A frase clássica ganhou outras conotações durante os últimos anos, diante das boas campanhas continentais dos alvinegros. Tudo bem, não há títulos que abrilhantem essas jornadas, mas botafoguense nenhum vai se esquecer das noites de transe na Libertadores ou na Copa Sul-Americana. Que o momento não inspire tanta confiança, existe sempre uma emoção diferente guardada para uma partida internacional. E em uma quarta-feira de caos no Rio de Janeiro, em que uma tempestade deixou a cidade em estado de emergência, os 10 mil felizardos no Estádio Nilton Santos puderam sentir a euforia só proporcionada por uma vitória nos minutos finais. Que vitória: o gol espetacular de Erik determinou o 1 a 0 sobre o Defensa y Justicia já nos acréscimos do segundo tempo, um bom resultado para a ida na primeira fase da Sul-Americana.

Os maus sentimentos do botafoguense, afinal, poderiam ter começado logo no sorteio da competição continental. O Defensa y Justicia briga pelas primeiras posições no Campeonato Argentino, apresenta um futebol bastante ofensivo e vem de bons desempenhos nos torneios da Conmebol – com direito à classificação sobre o São Paulo. Não seria um adversário fácil. Mas se o aguaceiro não ajudou o deslocamento dos botafoguenses ao Nilton Santos (consequência pequena, ante o estrago no Rio e mesmo as mortes provocadas), ele acabaria também travando o toque de bola dos argentinos. Uma noite de esforço, com o desfecho sensacional assinado por Erik.

Não é que o Defensa y Justicia tenha produzido tanto no Rio de Janeiro, também. O time de Sebastián Beccacece acabou travado pela marcação do Botafogo e mal conseguiu sair para o jogo durante o primeiro tempo. O temporal auxiliava o trabalho pesado dos alvinegros, que foram mais agressivos e criaram mais chances antes do intervalo, sobretudo arriscando de longe. Já no segundo tempo, o embate parecia fadado a terminar sem gols. Os visitantes rodavam a bola, mas só uma vez fizeram Gatito Fernández trabalhar. Além disso, os cariocas não conectavam as jogadas com a mesma facilidade. E quando alguns torcedores já deixavam as arquibancadas para enfrentar a cidade caótica, eis que Erik apareceu.

O relógio se aproximava dos 49 minutos. A água ainda caía sobre o gramado, bem menos empoçado do que no primeiro tempo. Gatito mandou o bicão para tentar aproveitar os segundos finais dos quatro minutos adicionais. Encontrou Ferrareis, ajeitando a bola para o lado. Erik dominou. Viu o marcador tentar fechar a porta e deu um corte para o lado, deixando o adversário falando sozinho. E que a meta adversária parecesse distante, encheu o pé. Aconteceu com o Botafogo: o chute fulminante tomou o caminho das redes. A bola entrou no ângulo e o salto do goleiro Ezequiel Unsain, ganhando os ares em vão, valeu mesmo para realçar a pintura. No último lance, o êxtase. Triunfo valioso, de emoção sem igual.

A tarefa do Botafogo na Argentina continua difícil, apesar dos placares favoráveis. Encarará um time bem treinado, que certamente será mais objetivo e tentará impor seu jogo. A classificação é o objetivo, logicamente. Mas uma vitória como a desta quarta serve para extravasar. Botafoguense ou não, é por esse tipo de noite que um torcedor dedica a vida inteira de devoção. Poucas sensações são tão saborosas quanto o grito de gol no último lance. Ainda mais se for como o gol de Erik.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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