De indígenas a um clube binacional, os estreantes da Sul-Americana guardam ótimas histórias
A expansão da Libertadores tornou a Copa Sul-Americana um torneio ainda mais plural. Clubes que mal sonhavam em figurar na elite de seus países ou que sequer existiam há uma década, ao longo dos últimos anos começaram a viver suas campanhas continentais. E a nova edição do torneio não é diferente. Ao todo, são oito clubes que nunca disputaram qualquer certame da Conmebol anteriormente. Os nanicos podem não ter muitas perspectivas de títulos, mas guardam boas histórias e exploram novos rincões do território sudaca. Dos representantes de uma comunidade indígena ao time rebaixado à segundona paraguaia, conheça os novatos:
Mushuc Runa (Equador)
Pela primeira vez na história, as competições da Conmebol terão um participante inteiramente ligado à comunidade indígena. A história do Mushuc Runa começa em 1977, quando um grupo de jovens indígenas resolveu formar uma cooperativa em Ambato, no coração do Equador. Sem conseguir empréstimos nos principais bancos do país, eles decidiram criar a Cooperativa de Ahorro y Crédito Mushuc Runa, uma companhia para oferecer crédito a outras pessoas com origem humilde que esbarravam nos mesmos problemas. O nome “Mushuc Runa” vem do quéchua, uma das principais línguas da América Pré-Colombiana, e quer dizer “Homem Novo”. Já em 2003, a cooperativa resolveu formar o seu próprio clube de futebol, dando início à sua história nos gramados. O escudo traz a imagem de uma criança usando o tradicional poncho indígena da região – costumeiramente vestido também por torcedores e dirigentes. Depois de militar nas divisões locais, a equipe chegou à primeira divisão em 2014 e, apesar da queda em 2016, retornou à elite na temporada passada. Curiosamente, o título da segundona em 2018 valeu um lugar na repescagem pela Copa Sul-Americana e os Pura Sangre surpreenderam. Derrotaram o Aucas para se garantir no torneio continental.
Apesar da ascensão, o Mushuc Runa segue fortemente relacionado à comunidade que representa. Os chibuleos são os principais indígenas da região e possuem seu representante no elenco: o meia Serafín Pandi, de 32 anos, formado nas próprias categorias de base. De qualquer maneira, o clube também abre suas portas a outros grupos indígenas e a outras etnias, até mesmo com estrangeiros no plantel. Já o melhor exemplo da união ao redor do clube se deu em 2018: a inauguração de seu estádio, que contou com a participação dos torcedores na construção e foi erguido apenas com recursos privados. A praça esportiva ainda superou o Atahualpa como a localizada na maior altitude dentro do território equatoriano, a 3.200 metros do nível do mar. Uma pena que, com capacidade para 6 mil espectadores, não possa ser utilizada para o confronto com a Unión Española pela Copa Sul-Americana. Em compensação, há um projeto que prevê a ampliação das arquibancadas para 21 mil torcedores.
Unión Santa Fe (Argentina)
A Copa Sul-Americana vem abrindo portas aos santafesinos nas últimas temporadas. O Colón vai para a sua quarta participação em 2019, a segunda seguida, e terá a companhia do rival Unión. El Tate surgiu em 1907, a partir de um grupo de amigos que havia abandonado o Santa Fe Foot-ball Club e desejava uma nova agremiação para seguir confraternizando ao redor do esporte. Filiados à AFA a partir de 1940, os alvirrubros possuem um reconhecido trabalho de formação, que ajudou a revelar nomes como Leopoldo Luque, Nery Pumpido, Beto Acosta e Ricardo Altamirano. Além disso, a partir da década de 1960, a equipe passou a transitar entre a primeira e a segunda edição do Campeonato Argentino. As melhores campanhas aconteceram nos anos 1970, quando o Unión chegou a beirar a classificação à Libertadores. Todavia, apenas o aumento de vagas recente promovido pela Conmebol premiou os santafesinos, garantidos na Sul-Americana com o 10° lugar na última edição da liga. No atual elenco, destaque aos irmãos Jonathan e Darío Botinelli, assim como a jogadores com passagens pelas seleções de base, como os atacantes Franco Fragapane e Federico Andrada.
Binacional (Peru)
O Binacional possui uma história recente, mas ainda assim curiosa. O clube foi fundado em 2010, na cidade de Desaguadero. O nome faz referência à região fronteiriça entre Peru e Bolívia, onde está localizado o município, e o escudo traz um desenho do Lago Titicaca. Com investimento da prefeitura, o time preferiu se registrar na liga departamental de Arequipa para elevar sua competitividade e logo passou a registrar boas campanhas na Copa Peru. O acesso à primeira divisão aconteceu através do próprio torneio nacional, em 2017, com a conquista do título. Já em 2018, o Binacional retornou ao seu departamento de origem e passou a ser registrado como uma agremiação de Puno, cidade próxima a Desaguadero. Ainda assim, a falta de um estádio em boas condições manteve a equipe atuando em Arequipa e Moquegua. Apesar da vida cigana, o Bi começou muito bem sua trajetória no Campeonato Peruano e, graças à oitava colocação na tabela acumulada, conseguiu sua classificação inédita à Sul-Americana. Já em 2019, finalmente retornará às margens do Titicaca, mandando suas partidas no reformado estádio de Juliaca – embora não possa utilizá-lo na Sul-Americana, onde encara o Independiente.
Deportivo Antofagasta (Chile)
Uma das cidades mais importantes do norte do Chile, Antofagasta fazia parte da Bolívia até a Guerra do Pacífico, quando os chilenos tomaram a região. E o notável polo de mineração ganharia um novo clube em 1966, quando os rivais Unión Bellavista e Portuario Atacama se fundiram para formar o Unión Antofagasta, conseguindo assim o registro na federação chilena. Em seu escudo e em seu próprio nome, destaque às referências à atividade portuária, outro motor da economia local. O primeiro acesso aconteceu em 1969, sob as ordens de Francisco Hormazábal, lenda do Colo-Colo. A partir da década de 1970, os Pumas começaram a transitar entre a primeira e a segunda divisão, acumulando 30 temporadas na elite desde então. Tradicionalmente ocupando a metade inferior da tabela, a agremiação já vinha dando sinais de crescimento nos últimos anos, até alcançar a quarta colocação na liga em 2018. No atual elenco, o grande protagonista é Eduard Bello, venezuelano que chegou para substituir Angelo Araos e terminou eleito como melhor atacante do país na última temporada. Já a experiência fica por conta de Gonzalo Fierro, ainda na ativa aos 35 anos.
Unión La Calera (Chile)
A outra novidade que vem do Chile é a Unión La Calera, da cidade homônima na região de Valparaíso. O clube surgiu em 1954, também a partir de uma série de fusões em busca do futebol profissional – o que explica seu escudo multicolorido, em vermelho, branco, azul e verde. Suas origens estão ligadas à forte indústria de cimento da cidade e às minas de calcário. Pois a aglutinação de forças logo daria certo e já em 1961 a agremiação fez sua estreia na elite do Campeonato Chileno. Naqueles primórdios, os Cementeros tiveram a honra de apresentar ao futebol Don Elias Figueroa, que explodiu aos 17 anos e logo rumou ao Santiago Wanderers. Ainda assim, era uma equipe de participações decentes na elite, com direito a jogadores convocados à seleção. A partir dos anos 1970, começou o sobe e desce entre as três primeiras divisões. Embora tenha 22 participações na elite, os Rojos somam três títulos da segundona e dois da terceirona. O retorno mais recente aconteceu em 2017, quando foram os responsáveis por rebaixar o vizinho Santiago Wanderers nos playoffs de acesso. E os novatos surpreenderam, com uma campanha excelente até o início do segundo turno do Chileno 2018. Chegaram a assumir a segunda colocação faltando nove rodadas, apesar da queda meteórica que os levou à sexta colocação. Para tentar melhorar as perspectivas, contrataram Walter Bou nos últimos dias.
Royal Pari (Bolívia)
O Royal Pari possui menos de três décadas de história. Fundado no bairro de El Pari, em Santa Cruz de la Sierra, começou disputando os torneios locais a partir de 1993 e não demorou a ascender. Em 2012, estreou na primeira divisão regional, uma porta de entrada à elite do Campeonato Boliviano. Já o momento chave aconteceu em 2013, quando a agremiação foi adquirida pelo Grupo Sion, um conjunto empresarial com investimentos em diversas áreas – do setor imobiliário a parques aquáticos. Neste momento, o futebol também decolou. Graças às boas campanhas na liga local, o time passou a frequentar a segunda divisão nacional e faturou o acesso em 2017. Por fim, no último ano, a estreia no Campeonato Boliviano marcou. Após uma campanha morna no Apertura, os Immobiliarios chegaram a liderar o Clausura até meados do segundo turno. Acabaram ultrapassados pelo San José e, na última rodada, com o empate no confronto direto com os oponentes de Oruro, deixaram escapar a vaga na Libertadores ao Strongest. Ainda assim, a Sul-Americana já é um feito e tanto.aos cruceños.
Deportivo Santaní (Paraguai)
São raros os clubes que disputam a primeira divisão do Campeonato Paraguaio e não estão sediados em Assunção. O Deportivo Santaní é uma dessas exceções. A agremiação é de San Estanislao, no departamento de San Pedro, a 150 km da capital. E o município de 100 mil habitantes ganhou seu novo clube em 2009, logo abraçado pela população local. Assim, o sucesso não demoraria a vir e em 2015 aconteceu a estreia na primeira divisão. O rebaixamento se deu logo em seguida, mas o retorno à elite em 2018 logo levou o time à Copa Sul-Americana. Sétimo colocado na tabela geral, impulsionado principalmente pelo desempenho no Clausura, fará a sua estreia continental. Após a classificação confirmada em Assunção, os jogadores foram recebidos como heróis em San Estanislao. Contudo, o duelo contra o Once Caldas acabará acontecendo no Defensores del Chaco. O governo do departamento oferecerá ônibus grátis à torcida para a noite histórica. Emiliano Albín e Fidencio Oviedo estão entre os jogadores com experiência internacional no plantel atual.
Independiente de Campo Grande (Paraguai)
Quem acompanha o Santaní como debutante paraguaio é o Independiente de Campo Grande, do bairro Salvador del Mundo, em Assunção. Ao contrário de seus compatriotas, os tricolores são bem mais tradicionais. Fundado em 1925, o time começou a disputar as divisões de acesso do Campeonato Paraguaio em 1962. No entanto, manteve-se historicamente transitando apenas até a segunda divisão, com direito a quatro títulos da terceirona. A estreia histórica na elite se deu em 2011, quando chegou a contar com Diego Gavilán em seu elenco. Até voltou a cair em 2012, mas subiu de novo em 2017 e passou a fazer algumas campanhas notáveis. A pontuação acumulada no Apertura 2018 ajudou bastante rumo à Copa Sul-Americana. O problema veio no Clausura, quando terminou na última colocação. Assim, apesar da sexta posição na tabela geral, a vice-lanterna no promédio custou o rebaixamento na liga. No mesmo ano em que volta a disputar a segundona, o Inde medirá forças com os colombianos de La Equidad.