A torcida do Furacão até tentou criar seu caldeirão, mas era impossível preencher o vazio provocado pela Conmebol
De dentro do Centenário, o barulho da torcida do Athletico era grande, o que não impede de imaginar como seria o Centenário lotado

Direto de Montevidéu
Literalmente, uma final para poucos. O que se viu em Montevidéu é a prova de que a ideia da Conmebol em copiar os torneios europeus pode dar muito errado. Desta vez, a final única da Copa Sul-Americana não emplacou – mesmo que, vista do campo, a torcida do Athletico Paranaense conseguisse até criar uma atmosfera maior do que os vazios ao redor poderiam sugerir.
O Estádio Centenário majoritariamente desocupado ainda precisou contar com uma artimanha da Conmebol: os privilegiados que conseguiram vir ao Uruguai assistir à final entre Athletico Paranaense e Red Bull Bragantino foram realocados para o setor central, numa tentativa de ludibriar quem não estava presente e apresentar certo volume de pessoas na câmera de transmissão. Porém, bastava uma imagem mais aberta para se perceber como realmente o público era reduzido, ainda mais para o que se espera de uma final continental.
Grande parte dos torcedores havia comprado ingressos para o setor mais barato do estádio, localizado atrás das traves, no valor de U$100 dólares – em torno de R$560 reais, com o câmbio. Acabaram ganhando “de presente” da Conmebol um remanejamento para o setor central, mais caro e de melhor visibilidade. Tudo para que estivessem na mira das principais câmeras de televisão. Com menos de 10% da ocupação total do estádio, a final registrou 6.173 espectadores, tornando-se a de menor público na história do torneio.

A tentativa de imitar o que acontece em solo europeu corre riscos óbvios de ser ineficaz. Se a final – com as duas equipes brasileiras – fosse disputada em Peru, Equador ou Venezuela, muito provavelmente não veríamos boa parcela desses seis mil torcedores, pelo preço das viagens de avião e as distâncias maiores. Na Europa, o deslocamento se daria de trem ou, até mesmo, de avião com passagens a baixo custo. Na América do Sul, a realidade se torna bem mais impeditiva, e isso se viu mesmo com o acesso por terra a Montevidéu.
A organização da Conmebol também pecou no isolamento do Estádio Centenário, que parecia ter sido preparado para 60 mil pessoas. As distâncias percorridas pelos torcedores nos arredores e a falta de informação e capacitação de quem estava ali para ajudar também foram alvo de críticas.
E os seis mil torcedores presentes nem pareciam ser a prioridade da confederação organizadora do evento. A atração pré-jogo ficou por conta do show dos Barões da Pisadinha. Entretanto, ele foi realizado de costas para o público presente no Centenário, com a organização mais preocupada com a estrutura da transmissão. Muito pior, sequer a cerimônia de entrega da taça se virou à maioria dos athleticanos. Parece absurdo, mas foi esse o nível de desdém. Ao menos, na volta olímpica (que se limitou basicamente à reta do setor cheio), os jogadores rubro-negros levaram o troféu para a comemoração com os torcedores.

Somados aos gastos de alimentação e hospedagem, além do custo do deslocamento e das longas horas na estrada, os altos valores dos ingressos e dos testes RT-PCR no Uruguai e o baixo poder de compra brasileiro contribuíram para um fracasso desta final. E isso porque, no Brasil, poucos conseguiram ver a disputa, com a transmissão exclusiva da Conmebol TV. Indo a Montevidéu ou ficando em casa, a ideia da Conmebol era obter máximo lucro com valores caros.
Casal pé quente
Em maior quantidade, a torcida do Furacão fez valer o fator numérico e, mesmo com o grande vazio, conseguiu transformar o lendário Estádio Centenário em um caldeirão rubro-negro.
O gol marcado por Nikão e o apito final da partida foram os momentos em que o estádio realmente pareceu estar sediando uma final continental, com grande barulho. A torcida rubro-negra festejou bastante o bicampeonato, que coroou sobretudo a trajetória de Nikão com a camisa do Athletico.
A euforia dos torcedores paranaenses era nítida na saída do estádio, com as ruas nos arredores se tornando palco da festa. Maykon Nascimento e Gabriele dos Santos compunham esta multidão. Juntos, os noivos já haviam presenciado o primeiro título da Copa Sul-Americana, em 2018, e agora celebravam o bicampeonato.
Com o alto valor do ingresso, eles esperaram até o último minuto para garantir presença em alguma excursão. Por sorte, encontraram uma promoção e, de última hora, selaram a vinda ao Centenário. “Nunca imaginei passar por essa experiência, de acompanhar meu time numa final, em um estádio histórico e ser bicampeão.” disse Maykon.
Desde que saiu de Curitiba rumo a Montevidéu, Gabriele esteve sempre confiante no triunfo rubro-negro: “Eu já sabia que levaríamos (o título), não foi surpresa. Estava muito confiante no Athletico”, disse sorrindo. E o casal, de forma unânime, definia Nikão como “símbolo athleticano” e “ídolo”, depois de mais um jogo histórico pelo Furacão.

Com o cair da noite, enquanto uns se preparavam para encarar as 20 horas no retorno a Curitiba, já que vieram em excursões bate-e-volta, outros iriam aproveitar o título e comemorar nas ruas boêmias da capital uruguaia. Ao longo do caminho, já nas ruas cheias de barzinhos e restaurantes, notava-se camisas do Furacão em um bom número, para alongar a celebração do bicampeonato – e tentar esquecer que poderiam estar celebrando na Arena da Baixada lotada.
E se existia a satisfação por serem testemunhas oculares da história, os torcedores rubro-negros presentes em Montevidéu também tinham clara noção de como eram privilegiados por aquele momento. Acompanhar a final única, sabidamente, não será para todos. Mas o que aconteceu no Centenário, por responsabilidade da Conmebol, também alimenta a imaginação para se pensar como estaria a Baixada numa nova ocasião do tipo. A alegria poderia ter sido bem mais compartilhada e fazer mais justiça à paixão ao redor do clube, sem se limitar a tão poucos representantes dessa massa – tratados feito figurantes no show mal organizado da confederação.