América do Sul

O Strongest encerra sua sina: é campeão depois de oito vices nos últimos nove campeonatos

Numa edição do Campeonato Boliviano que foi anulada e depois a federação voltou atrás, o Strongest dominou o topo da tabela para ser campeão após sete anos de jejum

Há quase três meses, o trabalho do Strongest parecia jogado no lixo. O Tigre liderava o Campeonato Boliviano no início de setembro, com 49 pontos em 23 partidas, uma vantagem de seis pontos na dianteira. Com apenas nove rodadas pela frente, a conquista parecia encaminhada. Todavia, um escândalo de manipulação de resultados afetou uma partida de outras equipes na competição. Sob a suspeita de que mais jogos também estivessem contaminados, a Federação Boliviana de Futebol anulou o torneio, com a aprovação de 14 dos 17 times participantes. Naquele momento, todos os resultados do Strongest iam pelo ralo e um novo campeonato, mais curto, seria organizado. Porém, a situação gerou um imbróglio e os aurinegros forçaram uma revisão do caso. No fim das contas, a FBF voltou atrás e o Campeonato Boliviano acabou retomado. Para, neste domingo, o Strongest ser campeão. Com duas rodadas de antecipação, os paceños comemoraram a taça graças ao empate por 1 a 1 contra o Always Ready, no Estádio Hernando Siles.

A conquista do Campeonato Boliviano de 2023 é bastante simbólica para o Strongest. O Tigre não levava o caneco desde o Apertura de 2016. A partir de então, os aurinegros tinham sido vice-campeões em oito das nove edições mais recentes do Bolivianão. Curiosamente, quando ficaram em terceiro lugar no período, os paceños deixaram o troféu escapar na última rodada em 2021. O fim do jejum deixa o Strongest com 16 taças nacionais. Com isso, volta a ficar com uma a mais que o Jorge Wilstermann na tabela histórica do Campeonato Boliviano, embora bem abaixo dos 30 troféus do rival Bolívar, o maior vencedor do país.  O Tigre também se confirma na fase de grupos da próxima Libertadores.

As crises recentes

O Strongest atravessou um dos períodos mais competitivos de sua história no início da década passada. O Tigre conquistou o Campeonato Boliviano cinco vezes de 2011 a 2016, num período em que também fez campanhas notáveis nas competições continentais. Porém, aos poucos, os aurinegros conviveram com o ocaso da forte geração estrelada por Pablo Daniel Escobar e Alejandro Chumacero. Além disso, os problemas se ampliaram na virada da década, com o clube afetado pela pandemia e pela crise econômica que atingia o futebol boliviano. As condições financeiras do Strongest não eram das melhores, numa situação bem distinta do rival Bolívar, bancado pelo empresário Marcelo Claure. Sem costas quentes, os aurinegros passaram a amargar os vices.

Mesmo a conquista nesta temporada não significa que o momento de bastidores é tranquilo. Pelo contrário, o Strongest enfrenta nas últimas semanas uma das maiores crises institucionais de sua história, com uma disputa judicial para ver quem será o seu presidente. As eleições que apontaram Héctor Montes como mandatário foram anuladas e Ronald Crespo tentou assumir a cadeira, com aval da FBF. Há uma acusação de golpe, após Montes ser impugnado por não cumprir o requisito de ser associado do clube há pelo menos quatro anos. Enquanto o imbróglio se arrasta, a torcida paceña comemora o fim do jejum de sete anos.

A crise recente pelo menos não impactou de maneira negativa na campanha do Strongest – esta só travada mesmo pelo episódio de manipulação de resultados, alheio ao clube. A equipe terminará o campeonato na liderança em 30 das 32 rodadas. É uma caminhada soberana do Tigre, que chegou aos 61 pontos, contra 54 de Bolívar e Always Ready. Os aurinegros podem não ter a melhor defesa e nem o melhor ataque da competição, mas apresentaram uma regularidade essencial. Especialmente porque os principais concorrentes abusaram das derrotas, em especial o Bolívar, que teoricamente representaria a maior ameaça.

A conquista do Strongest se confirmou num confronto direto neste domingo. O Always Ready era o principal perseguidor e visitava os aurinegros no Estádio Hernando Siles. O empate por 1 a 1 bastou para proclamar o campeão. Não foi uma partida simples para o Tigre, que correu riscos. O Strongest abriu o placar aos 28 do primeiro tempo, numa cabeçada de Álvaro Quiroga. No segundo tempo, o Always Ready pressionou e empatou aos oito minutos, com Dorny Romero. Os visitantes esboçaram uma virada e os paceños tiveram uma expulsão aos 39, quando Diego Wayar foi para o chuveiro mais cedo com o segundo amarelo. No entanto, o abafa do Always Ready não deu certo. A igualdade se manteve e permitiu a festa dos aurinegros.

Os nomes do título

Pablo Cabanillas liderou a conquista do Strongest à beira do campo. O treinador novato é uma cria do próprio clube, com passagens anteriores pela base e pela comissão técnica. Acabou efetivado em agosto, como quarto comandante diferente do Tigre no ano. Ismael Rescalvo, Claudio Biaggio e Ricardo Formosinho passaram pela casamata antes, com trocas entre maus resultados e mudanças de emprego. Cabanillas pegou a equipe eliminada da Libertadores, mas conseguiu um bom ritmo na reta final do Boliviano. Chegou inclusive a emplacar uma goleada por 8 a 0 sobre o Gran Mamoré. Também não deixou o trem descarrilar quando o caso de manipulação de resultados paralisou a liga por cerca de um mês.

Já dentro de campo, Diego Wayar é o único remanescente dos tempos vitoriosos do Strongest, no clube desde 2012. Costuma usar a braçadeira quando está em campo, mas atuou pouco na campanha. Os demais jogadores chegaram a partir de 2019. Há figuras importantes da seleção boliviana, como o goleiro Guillermo Viscarra, o zagueiro Adrián Jusino, o meia Jeyson Chura e o ponta Jaime Arrascaita. Todos foram figuras essenciais na campanha. Além disso, alguns estrangeiros também fizeram a diferença. No meio, participaram decisivamente o argentino (naturalizado boliviano) Luciano Ursino e o colombiano Michael Ortega. Já o ataque contou com os gols do uruguaio Junior Arias e principalmente do argentino Enrique Triverio. O veterano de 34 anos é o artilheiro do campeonato, com 24 gols em 27 partidas. Vive o melhor momento da carreira.

O Strongest costuma ser um adversário chato na Libertadores, especialmente por sua capacidade dentro do Hernando Siles, com a altitude a seu favor. No entanto, a última classificação para os mata-matas aconteceu em 2017. É um bom presságio, pensando que aquele elenco tinha acabado de ser campeão nacional. É ver como esse embalo atual se reflete agora, depois de uma campanha dominante no Campeonato Boliviano – e também como resposta ao bom papel recente do Bolívar. Será importante ter tranquilidade em casa, já que as turbulências nos bastidores podem se tornar um estorvo aos aurinegros.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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