Como a eliminação para o Fluminense em 2008 desmontou um Boca Juniors temido em toda a América
A eliminação para o Fluminense na Libertadores de 2008 trouxe um incômodo jejum ao Boca Juniors, que deixou de ser o mais temido da América
O Boca Juniors é um dos times com maior mística na América do Sul. Os seis títulos de Libertadores, sendo quatro neste século, falariam por si só, mas existem outros fatores que contribuem para dar medo aos adversários, como a união entre torcida, La 12, e estádio, La Bombonera. Apesar disso, os Xeneizes vivem um hiato incômodo no continente, iniciado justamente pelo adversário da final de 2023: o Fluminense.
As equipes se enfrentaram na semifinal da Libertadores em 2008, e o Boca Juniors entrou como amplo favorito, tendo vencido a última edição. O Fluminense, contudo, vivia momento iluminado e, depois de empatar em La Bombonera, eliminou o atual campeão que, desde então, nunca mais conseguiu chegar ao topo da América. A Trivela relembra a série, campanhas xeneizes e tenta explicar o tamanho dessa eliminação para os insucessos dos argentinos.
Argentinos provam do próprio veneno
16 anos antes da decisão de 2023, Boca Juniors e Fluminense entraram em campo com pensamentos muito diferentes. Claro que ambos buscavam a vitória na série e a classificação para a final, mas, enquanto os tricolores viviam a emoção pela primeira vez, os xeneizes estavam acostumados a decisões. Afinal, a partir de 2000, o clube argentino havia chegado em cinco finais de Libertadores, também contando com duas eliminações nas quartas.
O time do Boca Juniors era recheado de craques, uma verdadeira seleção do futebol sul-americano. Claro que o ataque Riquelme, Palácio e Palermo chama atenção, já que foi incônico nos anos 2000, mas aquele time ainda contava com nomes como Ibarra, Battaglia e outros conhecidos. O retrospecto contra brasileiros também impressionava: os Xeneizes emplacavam apenas duas eliminações em mais de dez séries.
Desde o início, estava claro o tamanho do feito a ser atingido pelo Fluminense. Não que a equipe tricolor fosse ruim, muito pelo contrário, contava com excelentes jogadores como Thiago Silva, Conca, Thiago Neves, Washington e Dodô. Foram eles que levaram o Tricolor à semifinal com grande campanha na fase de grupos e eliminações agônicas contras os gigantes Atlético Nacional, da Colômbia, e São Paulo.
Por ter feito campanha superior a do Boca Juniors na fase, o Fluminense decidiu a vaga em casa e soube se aproveitar dos erros do Boca para capitalizar. Logo a equipe argentina, tão temida na América do Sul, bateu de frente com um clube que vivia momento mágico de simbiose com a torcida e tinha valentia sem igual, comandado por Renato Gaúcho.
O primeiro jogo, na Bombonera, foi repleto de pressão. O Boca até abriu o placar com Riquelme antes dos 10 minutos da etapa inicial e incendiou o estádio, mas o Fluminense soube esfriar a pressão com gol de Thiago Silva, de cabeça, aproveitando a indecisão da defesa argentina. A pressão era grande, mas o Tricolor soube cozinhar a partida e levar o empate para os vestiários.
Assim como na primeira etapa, o Boca começou partindo pra cima e Riquelme, sempre ele, voltou a fazer a Bombonera explodir, com gol de falta que contou com “fogo amigo” da barreira tricolor. O Fluminense, contudo, contaria com o brilho de outro Thiago, o Neves, e a falha de Migliore, para voltar à igualdade e levar um excelente resultado para o Rio de Janeiro. O silêncio e concentração argentina eram nítidos e preocupantes.
O que se viu no jogo de volta foi uma autêntica noite de Copa Libertadores. As duas equipes buscavam a vitória, mas o Boca Juniors era mais incisivo, já que o empate sem gols classificava o Fluminense. Depois de um primeiro tempo sem bola na rede e com poucas emoções, Dátolo — ele mesmo, que jogou no Atlético-MG — fez a diferença com linda jogada pela esquerda e cruzamento preciso para Palmermo abrir o placar. Festa xeneize no Maracanã.
A alegria dos argentinos, contudo, durou muito pouco. Os astros pareceram se alinhar para o Fluminense quando Washington, que nem é cobrador de faltas, bateu com precisão no ângulo de Migliore para empatar. A partir daí, mais golpes duros de azar para o Boca Juniors: primeiro no gol de Conca, que desviou em Ibarra e matou as chances de defesa, e no tento que matou a partida, marcado por Dodô, após roubada de bola praticamente dentro da área do Boca.
No fim, apesar das contribuições de outras peças, como Washington e Conca, Dodô foi o homem da partida. O Artilheiro dos Gols Bonitos sofreu a falta que gerou o empate, deu assistência para a virada e marcou o terceiro. E aquela compostura do Boca Juniors, tão temida em toda a América do Sul, sucumbiu ao Maracanã lotado. O resultado seria o início de um jejum incômodo para o maior do continente.
Campanhas longas, repletas de traumas
Depois da traumática eliminação para o Fluminense, o Boca Juniors foi perdendo, aos poucos, toda a mística daquele time temido dos anos 2000. Tanto que, no ano seguinte, uma saída bastante precoce para os padrões do clube abalou as estruturas internas e fez com que os Xeneizes ficassem de fora das próximas três edições da Libertadores. Em 2009, a equipe acabou saindo para o Defensor, do Uruguai, que nunca chegou a uma decisão na história do torneio, nas oitavas de final.
A volta, em 2012, foi triunfal, chegando logo na decisão, mas o Boca esbarrou no mesmo problema de 2008: pegou um time brasileiro iluminado. O Corinthians, que chegava a sua primeira final de Libertadores na história, conseguiu empatar em La Bombonera com o gol mágico de Romarinho e contou com o poder de decisão de Emerson Sheik no Pacaembu para subir ao topo da América pela primeira vez.
No mais, as campanhas do Boca sempre foram agudas, mas acabaram esbarrando em dois grandes obstáculos. De 2013 até 2019, os Xeneizes acabaram eliminados por rivais argentinos em quatro oportunidades, sendo três para o inimigo mortal, o River Plate. Como não falar do gás de pimenta em 2015, ou daquela decisão de 2018, que começou na América do Sul e foi terminar com trauma dos boquistas no Santiago Bernabéu. Foi a segunda e última final de Libertadores perdida pelo clube desde a eliminação para o Fluminense.
E como não falar de uma eliminação que fez a Bombonera se calar. Entre as derrotas para os argentinos, o Boca acabou eliminado pelo Mata Gigantes do futebol sul-americano, o Independiente Del Valle, com duas derrotas. Foi mais um golpe duro para os xeneizes, que sonhavam com nova vaga na final depois de excelente campanha ao longo de toda a competição.
Depois disso, a partir do ano pandêmico de 2020, a sina passou a ser os brasileiros. O fato é curioso, já que o Boca Juniors tem aproveitamento de 74% — 17 classificações e 6 eliminações — contra os times do Brasil na competição mais importante da América. Primeiro foi o Santos, seguido por Atlético-MG e finalizado pelo Corinthians. Tal fator é uma esperança para o Fluminense nesta final de Libertadores.
Relembre as campanhas do Boca Juniors desde 2008
2009 – Eliminado pelo Defensor, do Uruguai, nas oitavas de final
2012 – Perdeu a final para o Corinthians
2013 – Eliminado pelo Newells Old Boys, da Argentina, nas quartas de final (pênaltis)
2015 – Eliminado pelo River Plate, da Argentina, nas oitavas (exclusão por conta de episódio com gás de pimenta)
2016 – Eliminado pelo Independiente Del Valle, do Equador, na semifinal
2018 – Perdeu a final para o River Plate, da Argentina
2019 – Eliminado pelo River Plate, da Argentina, na semifinal
2020 – Eliminado pelo Santos, na semifinal
2021 – Eliminado pelo Atlético-MG, nas oitavas de final (pênaltis)
2022 – Eliminado pelo Corinthians, nas oitavas de final (pênaltis)
2023 – Disputa a final contra o Fluminense, no Maracanã
A mística do Boca não é mais a mesma?
A primeira resposta para a pergunta está clara e cristalina. O Boca continua sendo um dos times mais temidos da América, por conta de sua camisa pesada, torcida apaixonada e estádio imponente, mas o medo, até pavor, protagonizado pelos times do início dos anos 2000 já deixou o imaginário do torcedor. Não é que eles sejam vulneráveis, pelo contrário, a campanha desta edição da Libertadores prova que não, mas estão passíveis de derrotas.
O Boca Juniors parece mais humano do que antes. O time, peça por peça, também não conta com a mesma qualidade, que foi sendo perdida conforme a economia da argentina se embarreirava, e os direitos de transmissão não faziam jus à aquilo que os Xeneizes queriam. Atualmente, o futebol brasileiro leva vantagem no aspecto financeiro e na qualidade dos atletas.
É preciso ter medo do Boca Juniors? Não, de forma alguma. Será ele um adversário fácil para o Fluminense na decisão? Nem um pouco. Ninguém conquista seis Libertadores à toa, e os Xeneizes poderiam, finalmente, igualar o Independiente como maior campeão da história do torneio. O pavor acabou com aquele time de Riquelme e companhia, mas o respeito permanece o mesmo.