O Imbabura levou jogador à Copa e agora volta à elite no Equador com técnico de 27 anos
O Imbabura revelou Kevin Rodríguez, da segundona equatoriana ao Mundial do Catar, e um ano depois consegue chegar à elite nacional com Joe Armas, técnico de 27 anos que assumiu na terceirona
A LDU Quito não foi a única equipe equatoriana a festejar um grande momento no final de semana. Enquanto os Albos conquistavam a Copa Sul-Americana, uma pequena equipe local celebrava o acesso ao Campeonato Equatoriano após 12 anos de ausência. Mas, ainda que o modesto Imbabura interrompa só agora o longo hiato na elite nacional, a fama atravessou as fronteiras há alguns meses. Mesmo na segundona, a Fúria do Norte teve um jogador convocado à Copa do Mundo: o atacante Kevin Rodríguez, atualmente na Union St. Gilloise. Apareceu surpreendentemente na lista do técnico Gustavo Alfaro às vésperas do Mundial, agradou quando teve chances, ganhou minutos em campo no Catar. E os detalhes surreais da epopeia do Imbabura vão além da convocação ou da promoção. A equipe que escalou duas divisões em três temporadas colhe os frutos também de um trabalho bastante interessante, dirigido por um treinador de apenas 27 anos.
Joe Armas chegou deixar o Equador na adolescência para se preparar à carreira de treinador na Espanha. Trabalhava em jornadas extenuantes como pedreiro no novo país, a fim de sustentar seus estudos. Experimentou outras culturas e enviou currículo a mais de 300 times, até ganhar uma chance de dirigir o Imbabura em 2021. Seu sucesso é meteórico, com dois acessos nas primeiras três temporadas. Vai ter sua primeira experiência na elite do Campeonato Equatoriano e merece muita atenção. É um prodígio, que agora tentará se confirmar como fenômeno.
Él es Joe Armas, tiene 27 años y será DT de un equipo de primera división de Ecuador. Esta es su historia.
Desde muy joven, Joe tenía claro que quería ser DT. A los 17 años, se fue a España a estudiar dirección técnica y gestión deportiva. Hizo pasantías en varios clubes… pic.twitter.com/OckoZqVGPi
— Juez Central (@Juezcentral) October 27, 2023
A história do Imbabura
O Imbabura é um clube relativamente recente, fundado em 1993. Está sediado em Ibarra, cidade equatoriana nas cercanias da fronteira com a Colômbia, ao norte do país, atualmente com 130 mil habitantes. O nome de Imbabura se refere à província local, bem como a um vulcão da região. Os Textileros, como o próprio apelido indica, possuem suas origens na indústria têxtil. Seu fundador é dono de uma fábrica de meias, que iniciou a equipe ao lado da esposa. A família oferece um dinheiro importante para o financiamento da Fúria do Norte em campo.
O Imbabura tinha uma boa estrutura à disposição, com a inauguração do Estádio Olímpico de Ibarra em 1988. E o clube não demorou a fazer bonito nas divisões de acesso do Campeonato Equatoriano. Presente na terceira divisão a partir de 1993, a Fúria do Norte já conquistou o acesso para a segundona em 1995. Entretanto, durou apenas uma temporada na segunda categoria. Já os anos de ouro começaram em 2005, quando de novo os Textileros subiram à segunda divisão. Com um investimento maior, o time pegou o elevador e comemorou também a promoção inédita para a elite em 2006.
O Imbabura não conseguiu se estabelecer na elite do Campeonato Equatoriano por tanto tempo. A Fúria do Norte caiu logo de cara em 2007, com a última colocação, mas numa época em que apenas dez times participavam da primeira divisão. Já a nova aparição na elite aconteceu em 2011. De novo o Imbabura não conseguiu evitar o descenso, com a penúltima colocação na tabela acumulada entre 12 times. Um dos treinadores dos Textileros naquela campanha foi Fabián Bustos, atual comandante do América Mineiro. A partir de então, a equipe de Ibarra viveu um longo inverno na segunda divisão.
Já o maior drama do Imbabura começou em 2017, quando a equipe também foi rebaixada para a terceira divisão. A Fúria do Norte deixou os níveis nacionais, de volta a uma competição na qual precisava se engalfinhar nos torneios provinciais. A reconstrução se tornou bastante dura, com três participações consecutivas na terceirona sem subir. O fim do amargor aconteceu em 2021. Curiosamente, os Textileros terminaram apenas na terceira colocação do Campeonato de Imbabura, mas exibiram sua força nos playoffs nacionais. E o ano de 2022 seria mágico para o Imbabura não apenas pela reaparição da Série B. Foi quando a ascensão realmente se consolidou.
Os personagens improváveis
O Imbabura fez uma campanha razoável na Série B 2022. Terminou na quinta colocação, com 47 pontos, a nove de brigar pelo acesso. Mais importante era evitar os riscos de rebaixamento, depois de tanto tempo longe da segundona. Já o momento de brilho aconteceu na Copa Equador. A Fúria do Norte conseguiu um baita resultado nos 16-avos de final, ao despachar o Guayaquil City. Nada comparado ao impacto das oitavas, com a vitória por 2 a 1 sobre a LDU Quito. A classificação contou com um golaço do jovem Kevin Rodríguez, então desconhecido no país, mas que chamou a atenção de muita gente por toda a habilidade exibida no lance. Inclusive, do técnico Gustavo Alfaro, que o convocou para a seleção equatoriana e gostou do que viu. A campanha do Imbabura acabou nas quartas de final, contra o Independiente del Valle. Já Rodríguez fez seu passaporte rumo à Copa do Mundo. Esteve no Catar menos de um ano depois de se esfolar na terceira divisão.
Quem prestasse mais atenção no Imbabura, de qualquer maneira, via que Kevin Rodríguez não era o único furacão dentro do clube. O treinador da Fúria do Norte é apenas quatro anos mais velho que o atacante. Joe Armas possui uma daquelas trajetórias de conto de fadas. Ele até tentou sua sorte no futebol durante a adolescência, passando pela base da LDU Quito e do Deportivo Quito como goleiro – chegou a treinar com José Francisco Cevallos, lenda da LDU e maior arqueiro da história da seleção. Porém, o talento não era suficiente e, aos 17 anos, Armas decidiu iniciar sua formação como treinador. Mudou-se para a Espanha, onde acreditava ter melhores condições de estudar. Para se manter no novo país, Armas trabalhava como pedreiro, enquanto usava seu tempo livre para aprender sobre futebol. Trabalhava das seis às seis, enquanto dormia em colchões colocados diretamente no chão, em condições modestíssimas. Entretanto, o sonho o movia.
Felicitaciones a Joe Armas DT del Imbabura por el ascenso a La Primera A del fútbol ecuatoriano. Fuimos compañeros cuando aún eras muy jovencito. Que orgullo verte convertido en un gran DT. Éxitos en lo que viene. pic.twitter.com/xjYOucS8Ap
— José F. Cevallos (@panchocevallosv) October 27, 2023
Ao longo de sua estadia na Europa, Joe Armas conseguiu fazer estágios em diversos clubes importantes da Espanha – entre eles Real Madrid, Athletic Bilbao e Leganés. Também passou uma temporada na Holanda, onde conheceu as estruturas de Ajax, PSV e AZ. Ainda teria uma estadia no México. O jovem permaneceu no exterior até 2021, quando se sentiu preparado para voltar ao Equador e buscar uma oportunidade. O problema era: quem confiaria no garoto? Ele enviou currículos para mais de 300 times. O Imbabura prestou atenção no empenho do jovem e resolveu convidá-lo para dirigir a equipe. Seria um começo duro, na terceira divisão equatoriana, mas Armas estava disposto a tentar. Conseguiu se dar tão bem que faturou o acesso de primeira. Levaria outro na terceira temporada.
O acesso para a elite
O Imbabura tentou a sorte na Série B de 2023 sem mais Kevin Rodríguez, vendido para o Independiente del Valle – e que renderia uma bela grana poucos meses depois, com sua saída rumo à Union St. Gilloise no fechamento da última janela de transferências. Sem mais o seu astro, a Fúria do Norte manteve suas bases de trabalho, ainda com um orçamento baixo e confiança no trabalho nas categorias de base. Joe Armas ganhava cada vez mais respaldo, acumulando também a função de gestor esportivo. Conseguiu guiar os Textileiros a mais um sucesso.
O Imbabura nem chamou muita atenção no primeiro turno da segundona. A Fúria do Norte terminou na quarta colocação, com 25 pontos, 13 a menos que o líder Macará. Já na segunda metade da campanha, os Textileros deram um salto. Lideraram por quase todo o tempo, embora tenham caído para a segunda colocação na reta final. Fizeram 33 pontos, só um a menos que o Cuniburo. O acesso ficaria com os dois primeiros colocados da tabela anual. O Macará sobrou na primeira colocação e ficou com o título. Já o Imbabura terminou em segundo, três pontos à frente do Cuniburo. No final de semana, na última rodada da liga, a vitória por 4 a 0 sobre o relaxado Macará garantiu a festa em Ibarra.
A emoção de Joe Armas foi exatamente a cena que marcou o acesso. O jovem treinador estava às lágrimas durante a comemoração. “Tivemos fé em Deus a cada dia, a cada treinamento. Agradeço aos rapazes. Sem eles, isso não seria possível. Todo agradecimento à minha equipe de trabalho, aos chefes e ao coordenador por nos ajudar. É um trabalho de equipe, de instituição. É um sonho que se torna realidade. O Imbabura está no meu coração. Foi o primeiro clube que me deu uma oportunidade. Busquei em muitos lugares e sou agradecido aos meus chefes, porque se arriscaram comigo. Trabalhei muito e se nota o reflexo nesse acesso”, comentou Armas, em entrevista à Gol TV.
Armas também ressaltou como o Imbabura tentará manter seu padrão de jogo, mesmo na primeira divisão. Será uma equipe sob risco, mas que parece disposta a sustentar seu projeto independentemente das limitações: “Fomos fiéis ao nosso estilo de jogo contra qualquer adversário. Seguimos nossos valores e filosofia de jogo. Essa equipe me lembra o Rocky Balboa. Continuamos round após round. Sofremos golpes duros e esse trabalho de equipe nos levou a esse objetivo. Tudo pode mudar, mas nunca nossos valores esportivos. Temos que melhorar muito mais, mas não mudaremos a filosofia”.
🪨| Fin del primer turno.|
Joe Armas descansa, le quedan 5h para terminar su turno como albañil. Mientras reflexiona en su sueño de ser DT en 🇪🇨 algún día.
Ayer, Armas consigue el ascenso a primera a sus 28 años de edad con el Imbabura.
Fútbol.
— The Mister 🚬 (@TheMisterSB21) October 27, 2023
A nova fronteira
O Imbabura possui um projeto voltado especialmente às categorias de base. A maior parte do elenco atual é proveniente das canteras do clube. Há uma padronização no estilo de jogo em todas as categorias, bem como uma atenção especial ao aspecto social. “Temos convênios com a Universidade Católica de Ibarra e com a federação equatoriana para trazer a melhor formação possível para nossos atletas porque queremos que ela retorne, também, à sociedade de Imbabura”, contou Armas, em entrevista ao Impedimento, publicada pelo jornal O Globo em 2022. Apontou também como o Independiente del Valle é um norte: “É um grande clube, um exemplo para o futebol nacional, pois, mesmo sem ter muitos torcedores nem a maior capacidade econômica, consegue prevalecer através das suas ideias e da coerência com o projeto. Por aqui, a intenção é a mesma: ter a melhor formação possível para os jogadores e ver o nosso futebol florescer”.
Enquanto isso, o próprio Joe Armas se desenvolve como treinador. O jovem se define como um técnico estudioso, que tenta se adaptar ao contexto do Imbabura a partir do que observa de outros comandantes. Procura que seu time mantenha a bola nos pés e que os jogadores tenham os fundamentos aprimorados para tomar as melhores decisões. O entendimento dentro das quatro linhas é fundamental, e contar com gente que se conhece desde as categorias de base também auxilia.
“Cada cérebro tem que funcionar como só um na hora de entrar em campo”, definiu Armas, em entrevista concedida ao equatoriano Primicias, em 2022. “A melhor forma de gerir o elenco é tratá-los como seres humanos, não como jogadores. Aqui não existe um trato de treinador com jogador ou vice-versa. Aqui manejamos um trato entre seres humanos, com muito respeito. Isso nos permitiu criar um grande ambiente. Nossa convivência é genial, porque todos amamos vir a cada dia aos treinos e ninguém quer ir embora. Isso é algo que acontece pouquíssimo. Jürgen Klopp diz que é preciso criar ambientes especiais para conseguir resultados especiais. É o que fazemos”.
Sobre suas inspirações, Armas ressalta que os valores defendidos por Marcelo Bielsa o agradam, de não queimar o tempo ou simular faltas. Pep Guardiola é um exemplo pela tática e pelas ideias ofensivas. Também vê uma referência em Julian Nagelsmann, pela pouca idade e também pela gestão de elenco. Enquanto isso, o jovem tenta construir sua própria identidade. Auxilia um time cheio de garotos, em que a maior parte dos atletas é mais jovem que Armas, embora também conte com veteranos decisivos.
Por toda a precocidade, Joe Armas chegou a receber propostas de outras equipes, tanto do Equador quanto do Peru. O jovem, no entanto, impõe como uma das condições que também seja o gestor esportivo. Um de seus trunfos na Fúria do Norte é a participação ampla que possui dentro do projeto. Por enquanto, vai dando certo. A primeira divisão do Campeonato Equatoriano exigirá bastante, até pelo sucesso que muitos clubes do país acumulam nos torneios continentais. O investimento bem menor dos Textileros aponta que a luta será pela sobrevivência. Ainda assim, a escalada recente permite ver esse retorno à elite com expectativas – seja pela forma como o time queima etapas, seja pela aptidão em revelar talentos ou seja pelo jovem treinador com um caminho aberto para se consagrar.