América do Sul

Dá para ter a estrela sem os excessos? Peru se despede do seu melhor jogador da história

Hugo Sotil, jogador histórico da seleção peruana e do Barcelona, faleceu nesta segunda-feira (30)

Tem pessoas nas Ilhas Britânicas que vão argumentar — com toda convicção — que o melhor jogador na história do futebol se chama George Best.

É um ponto de vista que não se sustenta, mas não por falta de habilidade. Best era um talento extraordinário.

Pensa num Neymar melhorado. Best jogava com esse tipo de equilíbrio, fluência com a bola, com drible e chute, grande coragem — nunca foi um jogador de luxo numa época de campos enlameados e violência sem freio.

Nunca disputou uma Copa do Mundo, o que não foi culpa dele — era da Irlanda do Norte. Desfilou maravilhosamente na camisa do Manchester United nos anos 60. Ganhou os títulos da Europa e Inglaterra. Poderia ter sido muito mais — e aí é, sem dúvida, culpa dele.

Best não pode ser inserido no debate sobre o melhor de todos os tempos porque a fase dele foi curta. Pintou com 17 anos em 1963. Já estava em declínio sete anos mais tarde e, depois de 1972, embora tenha tentado durante mais uma década, não figurou de novo na elite. Foi minado por ele mesmo, por suas atividades fora do campo e, principalmente, por um problema com álcool.

George Best em sua segunda partida pelo Manchester United, em 1963
George Best em sua segunda partida pelo Manchester United, em 1963 (Foto: IMAGO/Colorsport)

Tem muitos exemplos disso, não somente no futebol, mas também nas artes. Sempre deixa uma pergunta.

Dar para ter a estrela sem os excessos? Ou o talento absurdo para o futebol, música etc nada mais é que o produto de demônios interiores? Tirar os demônios implica tirar o talento? Ou tirar o motivo para expressá-lo?

São perguntas complexas sobre pessoas complexas — e deixam a gente com a sensação de que muitos países devem ter o seu George Best, o cara que poderia ter sido mas, sabe, a garrafa, a noite, encantou muito mais que o treinamento.

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O Peru perdeu o seu George Best na segunda-feira (30)

Hugo Sotil morreu com 75 anos. Quem não conhece, procure conhecer. Foi um pequeno gigante, com a habilidade de torcer a mente e até o sangue de seu marcador.

Acho que a grande figura humana, jogador e técnico brasileiro Didi poderia ter lançado o Sotil mais cedo contra o Brasil na Copa de 70. Escalar o jovem atacante — que fez 21 anos logo antes da Copa — foi um clamor popular, que Didi resistiu, talvez porque Sotil defendeu o pequeno Deportivo Municipal. Mas em fevereiro, num amistoso de preparação, o Peru estava perdendo por 2 a 0 contra a Bulgária. Entrou o Sotil, marcou três e o Peru ganhou por 5 a 3.

Na Copa, história parecida. O primeiro jogo foi contra a mesma Bulgária. Peru perdendo por 2 a 0. Entrou Sotil. Resultado final: 3 a 2 para o Peru.

Virou titular. Só que para as quartas de final contra o Brasil, voltou para o banco. Entrou com o seu time perdendo por 3 a 1. Imediatamente, o grande Cubillas achou um sócio. 3 a 2 e sufoco, até Jairzinho marcar o quarto gol para definir o jogo.

Logo achou um sócio até melhor que Cubillas — foi para Barcelona para jogar com o Johan Cruyff. O holandês era o cérebro, o peruano, a picardia. O Barça conquistou o seu primeiro campeonato espanhol em mais do que uma década. Foi maravilhoso. Mas não durou muito.

Johan Cruijff e Hugo Sotil são os dois penúltimos jogadores agachados na foto do elenco do Barcelona de 1975/76
Johan Cruijff e Hugo Sotil são os dois penúltimos jogadores agachados na foto do elenco do Barcelona de 1975/76 (Foto: IMAGO/BSR Agency)

O álcool começou a ter um efeito em cima de seu desempenho

Voltou para o Peru para uma fase vitoriosa com o Alianza Lima, mas na Copa de 1978 ficou evidente que já não estava mais a mesma coisa. Entrou algumas vezes no segundo tempo sem conseguir grande coisa. Estava com 29 anos recém-completados — teoricamente, no auge. Na realidade, em declínio acelerado.

Pode ser que talentos assim não sejam fabricados para durar muito. Trata-se de um prazer fugaz. Mas as lembranças são fortes. Como no momento em 1975 quando ele abandonou Barcelona, pegou um voo para Caracas para disputar a final da Copa América contra a Colômbia e, pequeno gigante que era, fez o gol do título.

Foto de Tim Vickery

Tim VickeryColaborador

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos do Tottenham Hotspur.
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