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O verdadeiro sabor da laranja

Por Andrés Lasso Ruales

É uma cor que solta emoções negativas, dá segurança, tranquilidade e renova a energia. Essa é uma das descrições positivas da tonalidade laranja.

O laranja do sonho

No dia 6 de abril de 1986, na Bombonera, se jogou um derby peculiar entre o Boca Junirs e River Plate, porque o time conhecido como “millonarios”  já era campeão do torneio antes de jogar a partida e também porque a bola era laranja. Segundo ídolo riverplatense, Norberto “Beto” Alonso, essa bola chegou pela influência de outro ídolo da torcida boquense, Hugo Orlando Gatti. Antes do jogo, o goleiro xeneize viu, na oficina da Adidas, no centro de Buenos Aires, aquela bola alaranjada. Rapidamente falou com o juiz, Francisco Lamolina, para adotarem o equipamento na partida. O árbitro aceitou sem problema, porque nessa época a Bombonera enchia de papéis e a bola Tango branca listrada com fios negros se perdia numa floresta de papel picado de todo tamanho.

Naquele tempo, os torcedores do time rival podiam ir ao estádio da outra equipe, os fanáticos “de la banda de cor sangue”, os torcedores do River Plate, ocuparam as duas gerais norte do estádio do clube da Rivera. Nas arquibancadas, a festa vivia, muita alegria e fandango, as duas torcidas organizadas de maior popularidade na Argentina cantavam, gritavam, e se xingavam com poemas de bairro e potreiro. Inclusive os torcedores locais aceitaram o temido festejo de seu rival da vida toda, River Plate, que antes de começar a partida fez a volta olímpica tradicional na casa do maior rival. Outros tempos de rivalidade.

A bola desce logo depois de um cruzamento de Roque Alfaro, camisa 11 do River, e vai direto à área do Boca. “Beto” Alonso pula e inclina seu pescoço apoiado com direção às suas costas e espera que saia o arriscado goleiro do Boca, Gatti. A bola listrada da marca alemã, que brilhava pelo seu tom fosforescente alaranjado, parece que se detém na testa do craque. Ele, só com um leve movimento, a empurra para o lado contrário do goleiro direto para a rede, bem em frente à temível torcida número 12, “La 12”, como é conhecida.

Até agora só futebol, futebol e nada demais. A bola laranja é sinônimo de Alonso, beleza, jogo bonito e amor por uma camisa. Há 29 anos do gol do “Beto” e da façanha millonaria na Bombonera. Os dois times somam 120 títulos entre nacionais e internacionais. Potências argentinas, sul-americanas, mundiais.

O laranja do pesadelo
Torcida do Boca Juniors na Bombonera antes do jogo contra o River Plate, que acabaria suspenso (AP Photo/Victor R. Caivano)
Torcida do Boca Juniors na Bombonera antes do jogo contra o River Plate: o que era festa acabaria em um jogo suspenso (AP Photo/Victor R. Caivano)

O negativo da cor laranja é debilidade, covardia, ciúmes , doença e putrefação.

Experimentar na ciência é repetir um fato numerosas vezes. Treinar em qualquer atividade esportiva é aperfeiçoar a habilidade. Reiterar um padrão de conduta é gerar um problema psicológico. Antes dos três superclássicos, Rodolfo Arruabarrena, desde o principio mostrou ser um treinador obcecado. Seu Boca que ganhou sempre de forma cômoda na fase de grupos da Libertadores devia sempre correr e se esforçar 200% e seus jogadores também deviam marcar, elaborar e até jogar como goleiro se fosse necessário.

Até o primeiro encontro contra o River na Bombonera, “Vasco” disse que tinha oito possibilidades de time, que inclusive pensava em todas as eventualidades para ganhar os três jogos do River de Gallardo. Talvez Arruabarrena tenha aprendido com Mourinho, que depois do jogo do Barcelona contra o Bayern de Munique, pela Champions League, desabafou. Disse que pensava horas e horas para marcar ao Messi. Isso não sabemos, mas o que se sabemos como jogam as equipes de Mourinho, bem parecidas ao time do ex-lateral esquerdo de Carlos Bianchi.

O primeiro jogo o Boca ganhou, seu treinador o viveu como uma final de Copa do Mundo, ansioso, nervoso e pecava de verborragia. Só falta entrar no gramado e tentar anotar um gol. Em seguida, o “Vasco”, com soberba, colocou outro time no Monumental de Núñez e deixou no banco o craque Daniel Osvaldo. O Boca perdeu aquele jogo por uma cobrança de pênalti. Um jogo ruim e de muita intensidade física de ambos times. Parecia mais uma partida de maratonistas que se preparavam para a corrida de Nova York que uma partida da Copa Libertadores.

Numa noite primaveral de uma quinta outonal, a Bombonera treme, bate, se acende como uma caixinha de música. Tudo é cor de rosa, a festa é do Boca, a casa é do Boca. Começa o jogo e a bola de imediato é maltratada pelo os dois times. Os jogadores de Boca estão nervosos mais dos que os millonarios do River. A equipe da banda sangue se apodera do controle do jogo, pisam a bola, a colocam no chão, e cobre tudo Ponzio, Sánchez e Martínez, por aí um calcanhar do uruguaio Mora.

O “Cata” Díaz, capitão e zagueiro do time da Rivera, se transforma  no maior gerador de futebol dos onze do “Vasco”, enquanto Gago, que é o jogador mais técnico, se converte outro zagueiro e se perde no gramado, parece nervoso. Antes do jogo a estratégia da franja de ouro havia falado muitos nomes na escalação, fiel a seu estilo de experimentar  até a saciedade. Muitas vezes nas suas atitudes nos lembra o treinador da seleção argentina de 1986, Carlos Salvador Bilardo: ganhar é o mais importante, sobre todas as coisas.

O primeiro tempo fatal. Um jogo horrível. River dominou como quis a bola e o Boca era um bando de maratonistas em busca da bola. O juiz, Darío Herrera, apitou o final do primeiro episódio. Até os comentaristas da Fox Sports disseram: “O que fará o ‘Vasco’ agora?”.

Meli, do Boca Juniors, dá um carrinho em Sanchez, do River Plate  (AP Photo/Victor R. Caivano)
Meli, do Boca Juniors, dá um carrinho em Sanchez, do River Plate (AP Photo/Victor R. Caivano)

Passaram os quinze minutos regulamentados. Os primeiros jogadores a sair foram os dirigidos por Marcelo Gallardo, mas não saíram. Aliás, saíram, mas ficaram na proteção que cobre os vestiários, alguns com o rosto inchado e vermelho. Ponzio não conseguia fechar seus olhos. Uma cor histórica se impregnou na camisa do River: era o laranja, produto do gás pimenta atirado da plateia.

Isso a Arruabarrena não importou. Sem se importar com o que aconteceu, ele estava com o rosto transtornado de fúria, inclusive quis brigar com o presidente do River, Rodolfo D'Onofrio. Nunca se preocupou com os jogadores do time adversário nem pediu a seus dirigidos que ajudem a seus colegas de profissão. Só Daniel Osvaldo se aproximou de Leonardo Ponzio para saber como ele estava.

No pleno século do drone, não poderia faltar o artefato voador debochando o time rival. Tomara que a equipe da franja de ouro, seis vezes campeã da Libertadores, volte à época de Riquelme, Maradona, Rojitas, Marzolini e muitos mais. O escritor argentino Martín Caparrós, torcedor de Boca e criador de uns melhores livros não só da instituição xeneize, senão do futebol, Boquita, colocou dois posts contundentes no seu twitter:

“Que mal dia para ser argentino”

“Não seria incrível que o time de Boca dissesse que assim não e fosse embora? Impensável, mas algo mudaria. Ou não”

O jogo foi suspenso e nunca terminou. É melhor lembrar a cor laranja na testa do “Beto” Alonso.

Nota da redação: A Conmebol anunciou na noite de sábado que o Boca foi eliminado da Copa Libertadores pelo episódio. A punição ainda implica em uma multa de US$ 200 mil e os próximos quatro jogos na Bombonera em competições sul-americanas jogados com portões fechados.

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