Argentina

O orgulho do pequeno Defensores de Pronunciamento, recebido com honras após enfrentar o River na Copa Argentina

O Defensores de Pronunciamento possui um nome imponente, que esconde bastante sua pequenez. O clube argentino entrou para as divisões nacionais apenas em 2009 e, atualmente, disputa um dos níveis equivalentes à Terceirona. O Depro defende a honra de uma cidadezinha com cerca de 3 mil habitantes, parte da província de Entre Ríos, nas proximidades da fronteira com o Uruguai. Seria uma equipe de pouca significância mesmo para os torcedores argentinos, não fosse a sorte que caiu no colo dos azulgranas na Copa Argentina: os nanicos ganharam o direito de desafiar o River Plate na primeira fase. Perderam por 4 a 0, mas o mero ato de encarar a potência gerou comoção nacional e uma recepção de heróis na volta do elenco para o povoado.

Pronunciamento tem um clima bucólico, com uma área urbana que reúne apenas um punhado de quarteirões e pode ser percorrida por completo na calma de uma manhã. O Estádio Delio Cardozo, com capacidade para 2 mil espectadores, consegue abrigar boa parte da população nas arquibancadas e o resto da gente pode se amontoar nos arredores dos alambrados. A agremiação se mantém em funcionamento com gastos equivalentes a nem 1% do que o River desembolsa ao seu futebol. Por lá se reúnem jogadores que dividem suas rotinas com outros trabalhos comuns. O técnico Sergio Chitero era atacante até o início de 2020, mas precisou deixar o time para se desdobrar em dois empregos durante a pandemia, e por isso assumiu a prancheta. Tais detalhes são trazidos em mais um brilhante texto de Douglas Ceconello.

Como sucede na Copa Argentina, o duelo com o River Plate aconteceu em campo neutro. O Defensores de Pronunciamento pegou a estrada rumo à capital, onde jogaria no Estádio Florencio Sola, casa do Banfield. Sem que os torcedores pudessem comparecer nas arquibancadas, uma carreata acompanhou a despedida dos ônibus na cidadezinha – com a presença não só de carros, mas até de um caminhão de bombeiros. Dentro das circunstâncias, não foi feio o papel do Depro diante dos millonarios – um apelido poucas vezes tão apropriado à ocasião. Pelo contrário, os azulgranas tiveram o direito até mesmo de se sentirem prejudicados.

O River Plate goleou por 4 a 0, placar bastante compreensível. Os millonarios abriram a contagem aos 15 minutos, com Matías Suárez. O detalhe é que o Depro chegou a empatar. Depois de uma falta cobrada em direção à área, Milton Alvez desviou de cabeça e venceu Franco Armani, mas a bandeira do assistente subiu. Porém, não existia impedimento, já que Javier Pinola habilitava o adversário. Sem o VAR nesta fase da Copa Argentina, os azulgranas acabaram prejudicados. Alvez terá uma história para contar pelo resto da vida. E o bandeirinha Duilio Montello certamente nunca poderá pisar em Pronunciamento.

“Foi mais que um gol, já que foi o primeiro gol do Defensores contra o River. Tínhamos trabalhado a jogada onde o primeiro entrava para distrair. Funcionou bem e, quando me virei, vi o bandeira erguendo o braço. Delfino [o árbitro] disse para que eu me acalmasse, e respondi para que ele me entendesse. Logo falei com o assistente e ele me respondeu que ‘quem anulou foi o árbitro'. Retruquei que ele estava lavando as mãos. Amanhã vou contar a verdade. Dentro de mim foi gol e marquei contra o River”, diria Alvez, na saída de campo, segundo o La Nación.

O Defensores não pôde sentir o gosto do empate arrancado contra o River Plate. E, pouco depois, a goleada começaria a se abrir. Julián Álvarez anotou o segundo gol millonario antes do intervalo. O terceiro, o mais bonito, viria num sem-pulo de Fabrizio Angileri no início da segunda etapa. Por fim, coube a Federico Girotti fechar a conta num contragolpe. A arbitragem ainda chegou a marcar um pênalti de Armani sobre Alvez no fim, mas voltou atrás após o conselho do outro assistente. O que foi praticamente um jogo-treino de início de temporada ao River, contudo, marca uma parte da história ao Depro. E o mais legal foi ver o respeito.

Os jogadores do River Plate deram suas camisas aos jogadores do Defensores de Pronunciamento e autografaram os uniformes. As duas equipes também posaram juntas numa foto de sorrisos expressos por todos. Uma honra por si, que demonstra o valor de tal jogo a um pequeno clube e a um pequeno povoado. Marcelo Gallardo, um dos mais requisitados, também foi bastante solícito. Ao apito final, cumprimentou diversos jogadores do Depro e até parou para ficar tirando fotos ao lado de diferentes membros azulgranas. Alguns atletas estavam visivelmente emocionados, incluindo torcedores do próprio River – gratos à história construída por Gallardo nos últimos anos.

“No final, independentemente da arbitragem, estamos contentes da mesma forma. Sempre sonhamos com essa possibilidade. Antes da partida, sabíamos da responsabilidade. É a primeira vez que o clube joga nesse nível. O planejamento saiu como o técnico queria e tivemos erros, mas agora estamos pensando na pré-temporada”, complementou Milton Alvez, ainda falando sobre o pênalti que o árbitro não deu, mesmo sendo tocado por Armani. A oportunidade maior, de qualquer forma, todo o elenco do Defensores de Pronunciamento aproveitou.

A volta do Depro a Pronunciamento também seria triunfal. Dezenas de pessoas estavam na avenida principal do povoado, aplaudindo os jogadores e cantando com eles. Os atletas que enfrentaram o River Plate, afinal, são muito mais que isso. São os amigos e os familiares de uma gente que os conhece muito além dos gramados, que sabe o valor do sonho a cada um deles. A goleada por 4 a 0 vai ser uma nota de rodapé nos livros sobre a história do River. Porém, será daqueles episódios narrados repetidamente nas ruazinhas da cidade. Recontados de pais a filhos, de avôs a netos, de gente que viveu o inimaginável e nunca se esquecerá desse dia.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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