O Belgrano abarrotou o estádio como visitante e consumou um acesso inapelável na segundona argentina
Três anos depois de seu rebaixamento, o Belgrano subiu com uma excelente campanha na segunda divisão, marcada pelo apoio incondicional da torcida
O Belgrano atravessou seu momento mais relevante na elite do Campeonato Argentino durante a última década. Os cordobeses conquistaram o acesso em 2011, às custas da inédita queda do River Plate, e permaneceram oito anos na primeira divisão. Chegaram a registrar um terceiro lugar e fizeram sua estreia nas competições continentais, com três participações na Copa Sul-Americana. O rebaixamento em 2019, porém, deixou os celestes por três temporadas consecutivas na segunda divisão. O aguardado retorno foi consumado neste sábado, com o acesso e também com o título da Primera Nacional, a segundona local. E haveria uma linda festa da torcida do Pirata, com mais de 22 mil pegando a estrada para ver o triunfo por 3 a 2 sobre o Brown de Adrogué. Esgotaram ingressos e tomaram completamente as arquibancadas num compromisso no qual, em teoria, eram visitantes.
O Belgrano possui grande tradição em Córdoba, mas não necessariamente uma representatividade tão grande na primeira divisão do Campeonato Argentino. As primeiras aparições começaram a partir de 1968, mas eram esparsas no antigo Torneio Nacional. Estadias mais longas na elite aconteceram a partir dos anos 1990, mas com o Pirata se tornando uma espécie de ioiô. A equipe chegou a ficar quatro anos fora da primeira prateleira, até o retorno mais recente em 2011. Seria uma ocasião histórica, com a vitória nos playoffs contra o River Plate, que em contrapartida terminou rebaixado.
O período recente do Belgrano auxiliou a deixar o clube em evidência. Não seria um candidato direto aos títulos no Campeonato Argentino, mas as boas campanhas recebiam o devido destaque e botavam o time na rota das competições internacionais. Assim, os celestes puderam bater cartão na Copa Sul-Americana e tiveram um marcante encontro com o Coritiba, em 2016. Apesar da invasão de sua torcida no Couto Pereira, a classificação não veio. A mobilização ao redor do clube se tornava mais expressa. Entretanto, os resultados pioraram em pouco tempo e o rebaixamento no promédio se tornou inescapável em 2018/19.
Durante as últimas temporadas, o Belgrano passou longe do acesso na Primera Nacional. O Pirata geralmente fez campanhas de meio de tabela e não alcançou os mata-matas. Parecia se acostumar novamente com a mediocridade de quem passou parte considerável de sua história na segundona. Isso até que o jogo virasse na atual edição da segunda divisão. Os celestes sobraram na tabela desde as primeiras rodadas e selaram a conquista por antecipação, mesmo com a perseguição do Instituto, um de seus maiores rivais.
O Belgrano passou 30 das 34 rodadas disputadas até o momento na liderança. Desde a sétima partida que os celestes estão no topo da tabela de maneira ininterrupta. E tal soberania é importante diante do regulamento, em que apenas o campeão da Primera Nacional conquista o acesso direto. A outra vaga na elite será disputada num playoff que envolverá do segundo colocado ao 13°. Nada mais justo, então, que o líder se estabelecesse com sobras e escapasse da briga de foice que se desenrolará na repescagem. Foi o que os cordobeses conseguiram.
Das 34 partidas disputadas até o momento, o Belgrano venceu 22 e só perdeu cinco. O ataque nem é dos mais produtivos, com 44 gols marcados, mas a defesa só foi vazada 23 vezes. O desempenho dentro de casa fez grande diferença, com 14 vitórias em 17 partidas, em aproveitamento que chega aos 86% dos pontos disputados. E a mobilização da massa no Estádio Mario Alberto Kempes é importante para motivar os celestes, ainda que o duelo decisivo tenha acontecido fora. Por isso mesmo, mais de 22 mil pegaram a estrada para presenciar o triunfo sobre o Brown de Adrogué em San Nicolás de los Arroyos, em viagem de mais de 460 quilômetros até a Grande Buenos Aires. Os cordobeses mandaram nas arquibancadas em duelo no qual, teoricamente, eram visitantes.
O Brown de Adrogué ainda ficou duas vezes em vantagem, mas o Belgrano buscou a emocionante virada por 3 a 2. O ídolo Pablo Vegetti balançou as redes duas vezes e ainda deu a assistência para Joaquín Susvielles fechar o placar para os celestes. Aos 39 do segundo tempo, foi o tento que sacramentou o carnaval pirata, com a promoção confirmada com três rodadas de antecipação. E a celebração insana em San Nicolás de los Arroyos também tomaria as ruas de Córdoba nas horas seguintes, provando a força de uma das torcidas mais inflamadas do interior argentino.
Como bem lembrou o amigo Matías Pinto no Podcast Trivela #470, um personagem especial do Belgrano é o técnico Guillermo Farré. Nos tempos de meio-campista, ele defendeu os celestes por dez anos e marcou o gol decisivo no acesso contra o River Plate, em pleno Monumental de Núñez. Sua trajetória como técnico é bem mais recente, primeiro como assistente de Ricardo Zielinski no Estudiantes, seu antigo comandante em Córdoba. Já em maio de 2021, assumiu o Pirata e transformou o time de desempenho modesto na segundona em uma máquina de vitórias na atual temporada. Quem o respalda nos bastidores é o presidente Luis Fabián Artime, ex-jogador do clube em quatro passagens distintas e que dá nome a uma das tribunas do Estádio Mario Alberto Kempes. Filho de Luis Artime, nome histórico de Independiente e Nacional de Montevidéu nos anos 1960 e 1970, Luifa é o maior artilheiro dos celestes e o segundo no total de aparições. Agora, lendário também como cartola.
Já em campo, quem entra para os livros de história do Belgrano é o artilheiro Pablo Vegetti. O centroavante de 33 anos chegou ao clube para disputar a segundona e empilhou gols mesmo quando os celestes não brigaram pelo acesso. Já nesta edição da Primeira Nacional, os seus 16 tentos fizeram toda a diferença, sobretudo no jogo decisivo. Capitão da equipe, teve o gosto de erguer a taça. Outros veteranos como os zagueiros Alejandro Rébola e Diego Novaretti também foram bastante presentes na empreitada. O goleiro Nahuel Losada e o volante Santiago Longo serviram como dois pontos de equilíbrio. Já a base forneceu algumas revelações da campanha, com menções principais ao atacante Bruno Zapelli e ao lateral Juan Barinaga.
Até pelo inchaço do Campeonato Argentino, o Belgrano é um clube que deveria ter outra estadia longa na primeira divisão. A representatividade de sua torcida em Córdoba é enorme. De qualquer maneira, esse acesso fica como uma história feliz para um clube de glórias escassas. A Segundona se grava como o primeiro título nacional dos celestes, depois de 27 troféus da liga cordobesa. Dá para entender as comemorações amplas, com a promessa também de dias melhores na elite. E com novas invasões dos apaixonados piratas.