A imortalidade ao alcance de Messi no Maracanã

Messi demorou para ser amado pelos seus conterrâneos. Contribuiram a personalidade introvertida e a dificuldade que tinha para engrenar os seus gols pela seleção. Acima de tudo, saiu muito jovem para Espanha, uma maldade, porque não permitiu que o público do Coloso del Parque gritasse o seu nome com a camisa dos clubes pelos quais aquelas pessoas são apaixonadas. Poderia haver a percepção de que era um estrangeiro representando uma nação, das mais patriotas do globo. A cada passe preciso, a cada gol e a cada arrancada, foi subvertendo essa lógica e afastando a contestação. Mas ainda lhe falta a declaração final de amor, o grande gesto romântico. Ainda lhe falta conquistar a Copa do Mundo para a Argentina.
A chance finalmente chegou. Neste domingo, Messi entra em campo a frente dos companheiros, com a braçadeira de capitão e a missão de liderá-los na busca pelo primeiro título em 21 anos. O mais importante de todos, contra alemães experientes, mais preparados, entrosados e confiantes depois de transformarem o Brasil no Butão na semifinal do torneio. Precisará de todos as armas que têm à disposição para ajudar a equipe de Alejandro Sabella a vencer – e nenhum outro homem tem tantas. Ajuda ter também a consciência do que esse jogo pode representar para a sua história.
Certamente, Messi sabe que pode conquistar a Liga dos Campeões mais 23 vezes e nenhuma delas vai representar o mesmo que levar a Argentina ao tricampeonato mundial. Por mais que as fronteiras dos países estejam difusas, os clubes tenham se tornado esquadrões internacionais, muito ricos, e o futebol apresentado no principal torneio da Europa seja de primeira, o grande palco que cria heróis e lendas continua sendo a Copa do Mundo, quando todos os olhos estão voltados para o mesmo lugar. Apenas ela detém o poder de torná-lo conhecido pelos apaixonados e pelos indiferentes, pelo garoto de 13 anos e pela avó de 67.
Não temos uma geração carente de talento. Vimos o melhor de Andrea Pirlo, Arjen Robben, Wayne Rooney, Didier Drogba, Samuel Eto'o, Ronaldinho Gaúcho e outros tantos craques pelos campos da Europa. Apenas dois, porém, conseguiram aliar a técnica, a força, a habilidade e a eficiência à regularidade. Em certo momento, Cristiano Ronaldo e Messi dispararam na frente da concorrência e não parece possível que sejam alcançados. O argentino, com mais títulos e mais Bolas de Ouro que o rival, leva vantagem, mas a última temporada serviu para mostrar que a distância que abriu não é tão inalcançável assim. O título da Copa do Mundo seria o argumento definitivo e insuperável em qualquer discussão sobre quem foi melhor, pois Ronaldo provavelmente nunca conquistará-lo. Não por falta de recursos: por falta de companhia ao madridista na seleção portuguesa.
Há outra comparação que ele não consegue driblar, por mais liso que seja. Quis o destino que os dois grandes craques da Argentina nos últimos 30 anos fossem parecidos. Baixos, canhotos, habilidosos, impossíveis de serem derrubados quando arrancam com a bola nos pés. O mesmo destino também fez Messi driblar qualquer jogador do Getafe que aparecesse pelo caminho para fazer um gol histórico, parecido ao de Maradona contra a Inglaterra. E naquele mesmo ano, usou a mão para vencer o goleiro Kameni, do Espanyol, como o Pibe, também diante dos ingleses, na Copa do Mundo de 1986.
São apenas coincidências, a diferença de importância é abissal, mas esses lances aguçaram as comparações e alimentaram as esperanças dos argentinos que buscavam um novo Messias, e os fanáticos costumam ignorar as nuances. Os estilos de jogo são distintos. Maradona foi uma arte abstrata, fora dos padrões, inesperada e encantadora. Messi assemelha-se a um retrato, eficiente, objetivo e fiel, nem por isso menos brilhante. Além de divergirem na personalidade. As características especiais que constroem o personagem de Maradona – a irreverência, a boemia, o drama das drogas, a simpatia, o carisma – são importantes para a idolatria por ele chegar ao nível religioso. Messi, discreto, nunca será Deus, nem Jesus Cristo, mas o título da Copa do Mundo pode significar paz de espírito e iniciar a aceitação de que os dois são diferentes, especiais em suas particularidades, e igualmente importantes para a história do futebol argentino.
Por enquanto, a Copa do Mundo de Messi parece mais a de 1990 de Maradona do que a de 1986. Acendeu e apagou como um vagalume, irregular, talvez o resultado inevitável de férias recheadas de jogos caça-níqueis, uma pré-temporada movimentada, uma temporada muito difícil e algumas lesões. Foi decisivo, mesmo assim, com gols contra Bósnia, Irã e Nigéria e a assistência para Di María derrubar a Suíça. As últimas duas atuações preocupam. Nas quartas de final, ninguém acreditou que o narigudo com a camisa 10 era mesmo Messi, porque o craque que conhecemos deixa os marcadores para trás com duas passadas e supera o goleiro com a displicência de quem está executando um trabalho tedioso. Pressionado por Kompany, parou em Courtois. Muito bem marcado pela Holanda, também não brilhou na semifinal, embora a falta de intensidade tenha sido mais culpada do que o esquema tático de Louis van Gaal. E olha que, na prorrogação, deu dois passes que poderiam resultar na classificação, para Palacio e Maxi Rodríguez.
A única arma que a Argentina possui, e a Alemanha não, é Lionel Messi. Um jogo equilibrado passa pelo um metro e sessenta e nove centímetros que renderam-lhe o apelido de Pulga. E ele sabe que precisa dar o seu melhor para ter uma chance. Uma chance de alcançar a imortalidade, garantir um lugar ao lado de Maradona, Zidane, Garrincha e outros, ser definitivamente incontestável na sua geração e arrebatar a idolatria do povo argentino, que tanto relutou para começar a amá-lo. Tudo isso está em jogo para Messi no Maracanã, mas sem pressão, viu?