Antiga cria do clube, Demichelis terá a missão de conduzir o River Plate após o adeus de Gallardo
Demichelis jogou no River Plate de 1997 a 2003 e, mais recentemente, treinava a filial do Bayern de Munique
O River Plate sabia que a escolha de um substituto para Marcelo Gallardo não seria fácil. Muñeco empilhou troféus, dobrou o número de Libertadores dos millonarios, conquistou uma vitória para a eternidade em Madri. Tinha identificação e conhecia o Monumental como poucos, a ponto de renovar as energias do elenco tantas vezes ao longo de seus oito anos no comando. Qualquer opção não teria o peso de Gallardo. E o caminho da diretoria esteve em buscar o novo, em outra aposta como o ex-meia havia sido em 2014, ou ainda Matías Almeyda na época da segundona. Nesta terça-feira, Martín Demichelis foi apresentado como novo técnico do River, em sua primeira experiência num clube de primeira divisão.
O DNA millonario de Demichelis certamente pesou. O ex-zagueiro iniciou sua carreira no River Plate, levado às categorias de base do clube em 1997, quando tinha apenas 16 anos. O jovem compôs uma das gerações de promessas mais badaladas da história do Monumental e conquistou por duas vezes o Campeonato Argentino. Atraiu o interesse do Bayern de Munique e arrumou as malas para a Alemanha em 2003. Seria uma figura constante no clube, a ponto de completar sete temporadas na Baviera. Ainda teria momentos dignos no final de carreira, sobretudo ao acompanhar Manuel Pellegrini, seu mestre nos tempos de River. Brilhou no Málaga e depois disputou três temporadas com o Manchester City, antes de passar pelo Espanyol. Foi titular da Argentina na Copa de 2010 e na reta final da Copa de 2014.
Em 2016/17, Demichelis retornou ao Málaga para pendurar as chuteiras e iniciar sua história à beira do campo, como assistente técnico. Entretanto, o grande impulso que recebeu na nova profissão veio do Bayern de Munique. O argentino assumiu as categorias de base dos bávaros e permaneceu por três anos no clube, a partir de 2019. Dirigiu o sub-19, antes de ser alçado em abril de 2021 ao Bayern II. A filial teve bons resultados sob as ordens do ex-zagueiro, na Regionalliga Baviera, a segmentação regional da quarta divisão. Foram 35 vitórias em 58 jogos, com um aproveitamento de 67% dos pontos. O acesso para a terceira divisão não veio com Demichelis, mas o mais importante era o trato com promessas.
Ao trazer Demichelis, o River Plate sinaliza exatamente esse intuito de aproveitar as categorias de base. Talvez o grande mérito de Gallardo nos últimos anos, após a conquista de sua segunda Libertadores, tenha sido esse: lançar garotos que levaram os millonarios à conquista do Campeonato Argentino. Enzo Fernández e Julián Álvarez foram tão bem que agora disputarão uma Copa do Mundo. A dificuldade para o River se reconstruir sem os dois, aliás, marcou a queda de rendimento nos últimos meses. Não foram poucas as contratações que chegaram com mais nome do que bola e não emplacaram em Núñez.
O River Plate ainda precisará descobrir Demichelis. Gallardo tinha um estilo de jogo mais agressivo, que inclusive se adaptou conforme os diferentes momentos de sua passagem pela casamata. O novo comandante precisará ter esse compromisso, como geralmente reza a cartilha dos millonarios – e é o que promete de início. Pelo menos uma boa escola ele teve, pensando na mentalidade que se tenta incutir nos garotos do Bayern de Munique. A diferença é que a pressão por resultados em Núñez será muito maior.
“Tentarei dar solidez defensiva à equipe, mas não vou negociar o ‘ir para o ataque'. Venho de uma cultura onde as transições fazem diferença a nível mundial. Claro que sou amante da bola, mas não dessa posse de bola que aborrece. Tentaremos ser o mais vertical possível, sempre e quando o momento indica. Às vezes as pessoas se desesperam por querer ir logo para o gol. É preciso se movimentar para encontrar os espaços e os momentos. De isso se trata: de que os jogadores, que são o mais importante, tomem as melhores decisões”, afirmou Demichelis, em sua apresentação.
Apesar da pouca experiência, o River Plate ofereceu garantias relativamente longas a Demichelis. O novo treinador assinou seu contrato até dezembro de 2025, com três anos de duração. Segundo o jornal La Nación, o antigo millonario era o nome de maior consenso entre os dirigentes do clube e recebia a benção de Enzo Francescoli, homem forte nas decisões em Núñez. Seu perfil é o que mais se casa com o que o River desejava, especialmente pela gestão de elenco e pela liderança expressa desde os tempos de jogador.
“Eu me preparei durante cinco anos para ser treinador. Por isso me formei na Espanha e na Alemanha, também me capacitei durante o último ano na Itália. Tenho muitíssima vocação e dedicarei muito tempo a todos os jogadores da primeira equipe e da filial. Estou tranquilo, focando no que vem: há muito para se fazer e por se decidir. Muito a se debater. Muito a se fundamentar. Mas estou tranquilo”, complementou. Os assistentes de Demichelis serão Javier Pinola e Germán Lux, dois veteranos da Era Gallardo que acabaram de se aposentar.
Outras mudanças acontecem no River Plate, a exemplo da própria reforma do Monumental. O Campeonato Argentino atravessa uma fase aberta e um tanto quanto bagunçada, em que às vezes os grandes prevalecem mais por osmose do que por qualidade no trabalho. As distâncias continentais também se ampliaram desde o último título dos millonarios na Libertadores. Não é uma realidade simples. Como não seria, de qualquer forma, quando uma lenda do peso de Gallardo se despede. Demichelis tentará oferecer um novo caminho. A seu favor, conta com um clube organizado e que, desde a passagem na segundona, garantiu certa tranquilidade aos treinadores – como também ocorreu com Almeyda ou com o histórico Ramón Díaz em seu retorno mais recente. O ex-zagueiro não parece fugir dessa lógica.