ArgentinaCopa América 2024

A cena que faltava e à qual foi tão doloroso chegar: Messi com a camisa da Argentina, um sorriso no rosto e uma taça na mão

Tudo bem: não precisava ser contra o Brasil, mas a história não poderia acabar sem que Messi fosse campeão pela seleção argentina

Mais ou menos às 21h22 de Brasília, no Rio de Janeiro, aconteceu algo histórico. Em muitas maneiras, mas vamos ficar apenas em uma. Porque na quinta final de futebol internacional que Lionel Messi disputou, a Argentina finalmente fez um gol. O primeiro. Na quinta tentativa. Claro que ele compartilha dessa responsabilidade – aquele chute cruzado contra Manuel Neuer -, mas também é uma ilustração claríssima do quanto teve que ralar para chegar ao momento que faltava em sua carreira: campeão com a Argentina.

Em 2007, o time não era dele. Tinha 20 anos, três temporadas na equipe principal do Barcelona e ainda se machucava muito. Era um potencial imenso que seria confirmado especialmente a partir da promoção de Guardiola um ano depois. Juan Román Riquelme era o líder da seleção que ainda contava com Verón, Tevéz e Mascherano e que foi moída pelos contra-ataques do Brasil de Dunga em Maracaibo.

A Argentina desperdiçou alguns dos melhores anos de Messi ao inventar Maradona como técnico da seleção. Não foi muito melhor com Sergio Batista na Copa América que o país sediou em 2011 e apenas com Alejandro Sabella houve uma conjunção dos cosmos: um Messi em seu prolongado auge e uma equipe organizada. Não era bela, não era vistosa, não era empolgante, mas deu uma plataforma para Messi fazer o seu trampo.

Vieram três finais consecutivas que, sob a lupa da história no futuro, serão o período mais aberto à contestação na sua carreira pela seleção argentina. Porque, apesar de ter dado uma contribuição decisiva para chegar àquelas partidas, nelas não foi capaz de ter a exibição transcendental que se espera de um jogador de calibre tão alto em ocasiões históricas. O jogo tão acima do que meros mortais conseguem apresentar que elimina qualquer dúvida sobre o resultado da partida. Aquele senso de predestinação nos olhos que indicava que ele faria a Argentina ser campeã de qualquer jeito.

Ele teve momentos melhores e piores naquelas finais, criou chances para si e para os companheiros, perdeu gols na cara, perdeu pênalti, mas não teve essa capacidade para tomar de assalto a oportunidade que se apresentava. E é, sim, justo cobrar que tivesse. Porque se a discussão é se estamos falando ou não do maior jogador da história, é com essa régua que ele tem que ser medido. E em três momentos em que esteve na prática a um gol (porque foram duas disputas de pênaltis e uma prorrogação) de conquistar o título pela Argentina, não apareceu essa determinação de assumir com mãos firmes as rédeas do destino que jogadores citados no mesmo patamar que ele muitas vezes exibiram – e ele próprio, tantas vezes quanto, com a camisa do Barcelona.

E aí a história chega ao fim do segundo ato: o herói derrotado desiste da jornada. Anunciou aposentadoria temporária da Argentina. A idade ainda era boa para mais algumas tentativas, mas também era compreensível que estivesse irritado com a desorganização generalizada da AFA que raras vezes conseguiu cercá-lo com um bom time. Aquele dos três dolorosos vices era o melhor que teve (ainda hoje) e não foi capaz de cruzar a fronteira final. Estava claramente cansado de tudo que envolvia a seleção.

Durou apenas 45 dias, nem chegou a perder um jogo, mas fez um barulho danado. O novo ciclo começou com Edgardo Bauza e foi cercado de empolgação após a contratação de Jorge Sampaoli, algoz da Argentina em uma daquelas finais no comando do Chile. O diagnóstico (que na época, juro, fazia sentido) era que finalmente Messi teria um técnico na seleção que conseguiria armar um time para potencializar não apenas o seu futebol, como também o do qualificado elenco de coadjuvantes coadjuvantes.

Foi um desastre gigantesco. Messi teve que marcar três vezes contra o Equador apenas para garantir a Argentina na Copa do Mundo da Rússia e foi um novo parto para passar às oitavas de final após empatar com a Islândia e perder para a Croácia nas duas primeiras rodadas. Messi marcou contra a Nigéria, deu umas assistências diante da França, mas a bagunçada Argentina de Sampaoli simplesmente não estava à altura do time que algumas semanas depois seria campeão mundial em Moscou.

O próximo ciclo parecia um recuo. A busca por nomes renomados para comandar a Argentina secou. Leonel Scaloni, auxiliar de Sampaoli no Sevilla e na seleção, foi promovido ao cargo principal com toda a carinha de que estava apenas tapando buraco. A Copa América de 2019 foi ok. A sensação é que não dava mesmo para ir muito além das semifinais, quando perdeu para o anfitrião Brasil em Belo Horizonte. O elenco contava com nomes que brilharam na competição deste ano e que não são tão valorizados quanto deveriam, mas não dava mais para falar que era cheio de estrelas. Além de Messi, havia Agüero (já começando o ocaso da sua passagem pelo City), Ángel Di María, Paulo Dybala (que nunca fez nada na seleção) e um Lautaro Martínez ainda muito cru. E o técnico era inexperiente. Gabriel Jesus, Roberto Firmino, 2 a 0 e tchau, Argentina.

Dois anos, porém, fizeram muito bem à albiceleste. Rodrigo de Paul deu um salto, foi o melhor em campo na final da Copa América e fez uma boa dupla com Leandro Paredes, firme como um jogador importante e muitas vezes invisível. Surgiu um grande zagueiro de muito potencial em Cristián Romero e – eu estou quase colocando um palavrão aqui – apareceu até um goleiro não apenas confiável, mas também capaz de fazer defesas cruciais e decisivas como Emiliano Martínez.

Papu Gómez ganhou seu espaço pelas ótimas campanhas da Atalanta, Lautaro Martínez desabrochou como um dos melhores centroavantes do mundo, e de repente a Argentina parecia ter muito mais opções do que se imaginava. Ainda não é um dos melhores elencos do futebol internacional, ainda há alguns buracos difíceis de serem preenchidos, Nicolás Otamendi ainda joga bastante (e, sendo justo, fez uma grande decisão), mas Messi pelo menos consegue sustentar uma conversa por mais de cinco minutos com alguns deles.

E a grande ironia da histórica conquista da Argentina e de Messi é que, no maior jogo da Copa América, o título saiu muito mais pelo coletivo que durante 15 anos todos disseram que lhe faltava do que pela sua própria exibição. Ele foi fabuloso durante a campanha. Fez quatro gols e deu cinco assistências em seis partidas. Decidiu as quartas de final contra o Equador, ajudou a decidir a semifinal contra a Colômbia, mas, contra o Brasil, até pela maneira como a Argentina se portou, seu papel foi muito diferente.

Foi o jogo em que menos tocou na bola, ao lado das quartas de final contra o Equador, quando foi muito mais eficiente, e chegou a até a ser visto marcando a saída de bola do Brasil. Uma visão tão rara hoje em dia quanto a de um panda verde-oliva. Não participou do gol da Argentina – apenas a terceira vez em toda a Copa América – e foi protagonista de uma cena que, se o Brasil empatasse o jogo e levasse o título, seria uma chaga em sua carreira pela seleção: recebeu na cara de Ederson, na entrada da pequena área e, em vez de bater de primeira, dominou a bola e deixou escapar na hora de puxar para a finalização, provavelmente por cima, como fez algumas milhares de vezes pelo Barcelona. Mas estava na hora também de ganhar uma folga do destino, né?

Ao fim da partida, chegou a cena que parecia menos provável a cada ano em que Messi lutava contra a desorganização da AFA, a desorganização do time, contra as críticas de que não era realmente argentino porque se mudou jovem para a Espanha e não cantava o hino, contra seus próprios demônios internos e falhas em momentos decisivos.

Foi chatíssima a discussão sobre poder ou não torcer para a Argentina se o seu passaporte fosse brasileiro, como se sentimento tivesse o hábito de obedecer regras, mas todos que têm apreço pelo jogo de bola precisam admitir que, ok, poderia ser em outra ocasião, mas a História não poderia terminar sem a imagem de Messi com a camisa da Argentina, um sorriso no rosto e uma taça na mão.

Pena que Diego Armando Maradona não está vivo para se orgulhar com ela.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
Botão Voltar ao topo