Alemanha

Se há o mínimo de senso crítico na Alemanha, a saída de Löw já estaria a todo vapor

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A Alemanha já tinha dado um grande vexame na última Liga das Nações, ao terminar rebaixada em sua chave. A Mannschaft se beneficiou da mudança de regulamento feita pela Uefa e permaneceu na primeira divisão. No entanto, o que aconteceu nesta terça-feira pode ser considerado uma humilhação ainda maior. Não é “somente” a derrota por 6 a 0 para a Espanha, na maior goleada sofrida pelos alemães em partidas oficiais. É a maneira como o time se portou, totalmente inoperante durante 90 minutos e sem qualquer atitude para mudar isso. Parecia muito mais a equipe de San Marino ou de qualquer seleção nanica com a camisa alemã, numa noite em que só Manuel Neuer parecia capaz de evitar o pior. Se há senso crítico na DFB, a federação local, Joachim Löw abriria mão do time antes da Eurocopa – e ele mesmo deveria ser o primeiro a pedir o boné, embora humildade nunca tenha sido seu forte.

O que aconteceu no Estádio Olímpico de La Cartuja nada mais foi que uma extensão do pesadelo ocorrido durante a Copa do Mundo de 2018 e repetido em algumas outras apresentações depois disso. Foi uma Alemanha sem liderança, entregue aos problemas dentro de campo e sem soluções para estancar a sangria. Contra México ou Coreia do Sul, o placar acabou sendo mais “econômico”, apesar da estratégia bem clara de como atacar o Nationalelf. Mais organizada e com melhores jogadores, a Espanha se deleitou graças à velocidade no meio-campo e da abertura às costas dos laterais. A Alemanha praticamente inexistiu, tomando um vareio pela maneira como os espanhóis avançavam rápido e exploravam os espaços. Foi diferente do que aconteceu nos famosos 5 a 1 da Inglaterra no Estádio Olímpico de Munique em 2001, com um resultado mais condizente à eficácia dos ingleses do que a um domínio massivo. Desta vez, a Roja trabalhou para até mais gols.

O time da Espanha tem bons jogadores, mas vive um momento parecido com o da própria Alemanha: por mais que exista uma boa quantidade de peças ao futuro, não se nota destaques à altura daqueles que conduziram o país aos títulos mundiais. Entre os espanhóis, ao menos, as lideranças são bem mais claras – puxadas por Sergio Ramos. Além disso, há também mais capacidade de variação do meio para frente, considerando os bons atletas aptos a aparecerem entre os titulares. Mas há, sobretudo, organização. Há um técnico que sabe como utilizar da melhor forma seus jogadores, como bem demonstrou Luis Enrique, aproveitando o bonde da história – mesmo sem fazer um trabalho tão perfeito com a Roja. Esse tipo de percepção não existe com Joachim Löw, vivendo de um passado cada vez mais distante.

A Alemanha não está no mesmo nível de 2014, isso é claro. A Mannschaft sente falta dos protagonistas do passado, e os jogadores que deveriam conduzir essa passagem de bastão não se mostram aptos ou não estão mais lá. Por isso mesmo, a Löw, engolir o orgulho neste momento seria útil – algo já defendido neste espaço, com as voltas de Jérôme Boateng, Mats Hummels e/ou Thomas Müller. Neuer parece ser o mais preparado a assumir a bronca e dar a cara a tapa, mesmo que venha de uma disputa interna com Marc-André ter Stegen pela titularidade. Porque, afinal, o outro medalhão do elenco hoje não corresponde em campo.

Toni Kroos tem talento e tem peso histórico na Alemanha, disso não há dúvidas. O meio-campista pode ser considerado o melhor em campo nos 7 a 1 contra o Brasil e evitou um desastre maior em 2018 com aquele golaço contra a Suécia. Mas o problema que já existia na faixa central, com uma excessiva lentidão que o maestro não vai resolver, se repetiu em Sevilha. A Espanha atropelou os alemães porque seu meio-campo pressionava muito mais e sabia se livrar da marcação com velocidade. Se Kroos foi nulo, também não salvou em nada ter Ilkay Gündogan como vértice mais recuado ou mesmo Leon Goretzka em boa fase por ali. Foi a chave na noite desastrosa ao Nationalelf e o grande ponto de inflexão sobre aquilo que aflige os germânicos nos momentos decisivos.

De fato, a Alemanha não tem nomes tão confiáveis na defesa atualmente e tenta encontrar os titulares ideais. Os testes nas laterais são constantes, enquanto a zaga carece de uma sequência. Mas o buraco no meio-campo não ajudou em nada a salvar a pele dos defensores em Sevilha. E cabe lembrar que, afinal, quase Joshua Kimmich foi queimado pelo mesmíssimo problema em 2018. Da mesma maneira, o ataque pouco fez para diminuir a conta nesta goleada pela Liga das Nações. Foram duas míseras finalizações em 90 minutos. Tudo bem, a trinca formada por Timo Werner, Leroy Sané e Serge Gnabry pode não ser tão temível quanto proclamava o atacante do Chelsea na véspera. Porém, não é tão frágil para sequer causar perigo contra os espanhóis. A questão está no sistema de um time sem ligação.

E aí o fardo recai mesmo sobre Löw, não sobre Kroos ou qualquer outro meio-campista. Se a falta de velocidade no meio-campo é mais do que sabida e a exposição dos laterais independe dos nomes utilizados ali, lá se vão anos sem ter uma solução para esses problemas. Não é um entrave meramente geracional, mas de ideias táticas e de voz de comando. Algo que o treinador não apresenta há um bom tempo. Não se vê mais uma Alemanha propositiva como a que se consagrou a partir do início do trabalho do comandante, até 2014. Mas também não há sombra daquele velho time competitivo dos mundiais anteriores, que não precisava necessariamente de grandes individualidades para acumular campanhas memoráveis. O que se nota é uma Mannschaft perdida no meio do caminho, sem respostas e sem identidade. Não há reinvenção. E sequer há crença da opinião pública: em pesquisa feita pela Kicker, 93,8% dos leitores acham que Löw deve sair.

A Liga das Nações foi ruim para Löw, mas importante à Alemanha. As Eliminatórias, da Euro ou da Copa, tantas vezes mascaravam os problemas do time ao pegar apenas adversários mais modestos. Diante de um nível competitivo um pouco maior, contra adversários de mesmo patamar, os alemães sofrem. A vitória sobre a desfalcada Ucrânia acabou criando uma ilusão, ao aproximar o time do Final Four. A goleada da Espanha é um duríssimo choque de realidade, que aumenta a urgência das mudanças. E é preciso se pensar que o placar poderia ser maior, não fosse Neuer e algumas chances não aproveitadas pelos espanhóis.

Há cerca de um mês, por mais que a campanha na Liga das Nações já fosse insatisfatória, parecia difícil imaginar uma mudança de técnico na Alemanha pouco antes da Eurocopa. Neste momento, a troca se sugere necessária para evitar uma nova frustração no torneio continental. A faísca não é o impacto do resultado contra a Espanha ou o orgulho de Löw, que afasta os medalhões e atravanca a recuperação. O entrave é manter um treinador que não indica ideia alguma para acertar o time e ainda empreende um processo de renovação capenga que se arrasta há tempos. Cada vez mais, o tetracampeão do mundo demonstra que não é esse cara.

Por conta de um senso de gratidão, é mais difícil de apostar que a própria DFB irá se descarnar de Löw e demitir o treinador. Há falta de pulso também nos corredores da federação, a começar pelo diretor Oliver Bierhoff. Seria de bom senso, então, o próprio Löw admitir suas debilidades e acelerar o processo – spoiler: ele não fará isso. Mesmo que este não seja o momento ideal para uma mudança, às vésperas da Eurocopa, uma troca agora soa como o mais sensato diante de tudo o que ocorreu em Sevilha e da sensação de incapacidade que impera. Ok, faltam lideranças no elenco e as opções não são tão boas quanto antes. Mas deveria ser inadmissível ver um time tão exposto e tão entregue no segundo tempo, depois do baile que já tinha sofrido na primeira etapa, com o técnico limitando-se a substituir seis por meia dúzia e não tentar nada diferente.

Hoje, a Alemanha possui alguns dos melhores treinadores do mundo. O trabalho na seleção, todavia, está distante de possuir o prestígio que se vê nos clubes. Não vai ser Jürgen Klopp, Hansi Flick ou Julian Nagelsmann a comandar essa transição. No máximo, Thomas Tuchel, que parece ter dias mais contados no PSG se não levar a Champions League. Para agora, seriam dois caminhos palpáveis neste próximo passo: ou buscar uma solução caseira, de alguém com histórico na própria seleção, para conduzir este novo momento; ou tentar um treinador mais rodado em clubes menores, que possa desenhar um projeto de médio prazo e tenha escopo para lidar com a pressão atual.

No primeiro caminho, fica difícil dar um tiro no escuro como aconteceu com Jürgen Klinsmann ou Rudi Völler há alguns anos. Ninguém da geração vitoriosa de 2014 parece apto a segurar a bomba neste momento – como Miroslav Klose, ainda dando seus primeiros passos na casamata, servindo de assistente técnico no Bayern. Um Lothar Matthäus, por outro lado, só atiçaria fogo no ambiente incendiário. O atual assistente da Mannschaft, Marcus Sorg, possui um histórico mais modesto que o próprio Löw ou que Flick para crescer de posto. Neste sentido, a melhor escolha talvez fosse a de Horst Hrubesch, que trabalhou em diferentes níveis nas seleções de base e atualmente é diretor no Hamburgo. Porém, aos 69 anos, seria mais um tampão.

Já olhando aos clubes, há treinadores disponíveis com histórico favorável na Bundesliga, como Thomas Schaaf ou Dieter Hecking – que fizeram trabalhos notáveis desde o início do século, mas não foram bem em seus últimos empregos. Dentre aqueles em atividade, Christian Streich é um nome interessante pela longevidade do que produz no Freiburg, com feitos acima das próprias condições encontradas na agremiação. Mas talvez a melhor opção seja a de Ralf Rangnick, um técnico sabidamente capaz de produzir renovações e que já conciliou cargos executivos, podendo trazer um olhar mais amplo à DFB.

Antes de pensar em um novo caminho, entretanto, a DFB e Löw precisarão de uma grande dose de autocrítica. Isso não acontece há um bom tempo na Alemanha, como se notou depois da Euro 2016 ou da Copa de 2018. As declarações das últimas horas endossam esta noção, sem indicar transformações e com o comandante se colocando acima das críticas. Que uma mudança de direção seja abrupta às vésperas da Eurocopa, contra o que normalmente ocorre na Mannschaft, no mínimo a federação deveria pensar em uma passagem de bastão gradual o quanto antes, já preparando um sucessor e o colocando dentro do sistema. Mas dificilmente vão bater de frente com Löw assim.

Enquanto Joachim Löw continua, também fica difícil imaginar um Nationalelf que progrida, apresentando ideias e caminhos para sair da estagnação em que se encontra. A falta de liderança e de atitude começa pelo comando. O técnico se mostra cansado e não há muita confiança para uma reviravolta que comece a partir dos jogadores, revolucionando a situação a partir das quatro linhas. Resta saber qual será a próxima vergonha dos alemães – o que já se deduz, num grupo da Euro 2020 no qual França e Portugal estarão pela frente.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.

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