“Fundador” da Champions e da Bundesliga, Saarbrücken é o clube tradicional que ressurge na Copa da Alemanha
A Copa da Alemanha possui um grande candidato a surpresa nas quartas de final, que começam nesta terça-feira. O Saarbrücken é o representante da quarta divisão entre os oito melhores times do torneio de mata-matas, desafiando o Fortuna Düsseldorf. E, ao contrário do que pode sugerir sua condição atual, o clube da região fronteiriça com a França possui muita tradição. O “FC” disputou a primeira edição da Bundesliga e até mesmo da Champions. Na época de sua participação continental, a agremiação representava o Sarre, um protetorado francês que terminou reincorporado à Alemanha Ocidental durante a segunda metade dos anos 1950.
O Saarbrücken foi fundado em 1903, iniciando suas participações nas divisões regionais do Campeonato Alemão ao final da década seguinte. Já o ápice aconteceu sob o Terceiro Reich, sobretudo na virada entre as décadas de 1930 e 1940. O FC chegou a ser campeão regional e disputou a fase nacional da liga, que reunia os melhores representantes dos diferentes estados. Foi vice-campeão alemão em 1943. Contudo, assim como outros clubes, foi afetado durante os últimos anos de conflito e sobreviveu graças a uma fusão temporária.
Já ao término da Segunda Guerra Mundial, o Saarbrücken fez parte da disputa geopolítica na região. Rica em carvão e outros minerais, Sarre foi alvo de brigas entre franceses e alemães desde o Século XIX, sendo um dos principais focos da Guerra Franco-Prussiana. Após a Primeira Guerra, o antigo território alemão se tornou formalmente uma divisão política, ocupada por franceses e britânicos – por mais que o sentimento germânico permanecesse, com a própria participação do FC no Campeonato Alemão. Já em 1935, um referendo popular reintegrou a região ao Terceiro Reich. A derrota na Segunda Gerra fez com que o Sarre voltasse a ser ocupado pelos franceses, como um protetorado. Assim, tinha relativa independência.
Esportivamente, Sarre aproveitou-se desta autonomia, mas não necessariamente o Saarbrücken. Refundado ao fim da guerra, o clube não pôde mais participar das divisões no Campeonato Alemão e não quis integrar a recém-formada Ehrenliga de Sarre. Renomeado como Sarrebruck, chegou a disputar a segunda divisão do Campeonato Francês e até conquistou o acesso à Division 1, mas a resistência de outros clubes franceses forçados a disputar o Campeonato Alemão durante a Segunda Guerra impediu a promoção. Assim, na virada dos anos 1940 para os 1950, o Saarbrücken organizava amistosos internacionais para se manter em atividade, ao lado do Neunkirchen, outra força do Sarre.
A iniciativa durou até 1952, quando Saarbrücken, Neunkirchen e Saar 05 foram readmitidos pela federação alemã-ocidental, mesmo sem fazer parte do território oficial. O trio passou a integrar as competições regionais e o sucesso do Saarbrücken foi imediato. Em 1951/52, o clube venceu sua chave regional no Campeonato Alemão e disputou as finais. Eliminou Nuremberg, Hamburgo e Schalke 04, antes de perder a taça na decisão contra o Stuttgart.
Paralelamente, Sarre formou seu próprio comitê olímpico e também sua federação de futebol filiada à Fifa. Assim, o protetorado francês disputou as Eliminatórias da Copa de 1954 com uma equipe independente, composta basicamente por jogadores do Saarbrücken. Ficou com a terceira colocação em sua chave, atrás da própria Alemanha Ocidental, e não conquistou a vaga ao Mundial. Em compensação, venceu a Noruega em Oslo e a superou na tabela.
Além disso, o status de Sarre permitiu que o Saarbrücken se inscrevesse na edição inaugural da Copa dos Campeões em 1955/56, por ser o melhor colocado da região no Campeonato Alemão. Enfrentou o Milan, campeão italiano, estrelado por Schiaffino, Liedholm e Cesare Maldini. No jogo de ida, os sarlandeses surpreenderam em pleno San Siro, vencendo por 4 a 3. Os milanistas chegaram a abrir dois gols de vantagem no fim do primeiro tempo, mas os visitantes buscaram a virada. Porém, na volta, os rossoneri golearam impiedosamente por 4 a 1 em Sarre e avançaram.
As participações de Sarre não durariam tanto. Apesar do tratado assinado por franceses e alemães em 1954, que confirmava a independência da região, um referendo popular anexou o território de volta à Alemanha Ocidental como um estado federativo. O Saarbrücken continuou com sua representatividade no Campeonato Alemão e voltou a conquistar a liga regional em 1961, mas sem grande desempenho no nacional desta vez. Já em 1963, o FC acabaria selecionado para figurar na edição inaugural da Bundesliga. Seria uma escolha controversa, já que outros clubes do Sarre vinham em melhor momento. Pesou a influência nos bastidores.
O Saarbrücken foi rebaixado logo na primeira edição da Bundesliga. A partir de então, se tornou um clube vagando entre as três primeiras divisões. Retornaria à elite em 1976, para cair dois anos depois. Também faria aparições esporádicas na Bundesliga em 1986 e 1993, sem resistir ao rebaixamento imediato. Seria a última vez que um representante do Sarre apareceu na primeira divisão. Anteriormente, Neunkirchen e Homburg haviam acumulado três temporadas na elite cada. Já o FC sofreu com problemas financeiros. Apesar de se manter em parte da década passada na segundona, chegou ao fundo do poço com a quinta divisão em 2007, antes de faturar dois acessos seguidos. Nos últimos anos, varia entre o terceiro e o quarto nível.
A Copa da Alemanha serve de escape ao Saarbrücken. Como o torneio garante vagas aos campeões regionais, a importância em Sarre oferece ao FC participações no torneio nacional. E a atual campanha empolga os torcedores, com três classificações sobre adversários de divisões superiores – Jahn Regensburg, Colônia e Karlsruher. Mesmo com seu estádio passando por reformas e inapto para receber a competição, o clube tradicional superou os obstáculos. Nesta terça, terá a chance de desafiar o Fortuna Düsseldorf por uma vaga na semifinal. E não parece um duelo tão inacessível assim, considerando a instabilidade dos oponentes da elite.
Caso o Saarbrücken passe de fase, será a sua quarta semifinal na história da Copa da Alemanha. Também chegou nesta fase do torneio em 1957, 1958 e 1985, tempos de uma realidade bastante distinta no Sarre. Voltar a este estágio após 35 anos seria uma verdadeira façanha ao FC. De qualquer maneira, esta já se iguala à melhor participação de um time da quarta divisão desde 2012 na Pokal, quando o Holstein Kiel também foi quadrifinalista. A história permanece ao alcance do “clube fundador” da Bundesliga e da Champions. Quem sabe, para motivar o Saarbrücken a retornar à terceirona, atual líder na Regionalliga Südwest.