Africa

A “Superliga Africana” começou, mas por enquanto é só um arremedo das promessas feitas

A African Football League prometia 24 times e calendário cheio, mas terá um mata-mata simplório com oito clubes em sua primeira edição - e até abandonou oficialmente o nome de superliga

A primeira “superliga” de futebol entre clubes de diferentes países teve seu pontapé inicial nesta sexta-feira. Contudo, o começo da história da African Football League nem é tão “super” assim – tanto é que o nome de Superliga sequer foi adotado oficialmente, embora a competição tenha sido lançada assim. Existiam planos grandiosos de uma liga transnacional, com investimentos massivos, que abrangesse potências do continente. O resultado é um mata-mata experimental e simples, que envolve apenas oito equipes e não tem o dinheiro prometido meses atrás. A primeira partida aconteceu na Tanzânia, com o empate por 2 a 2 entre Simba e Al Ahly. A princípio, o torneio soa mesmo como supérfluo, já que ocorre paralelamente à Champions League Africana.

Os planos não concretizados

Diferentemente do que ocorreu na pretensa Superliga Europeia, a African Football League tem apoio das principais entidades do futebol. Gianni Infantino anunciou a ideia pela primeira vez em 2019, sob a promessa de que o torneio geraria receitas na casa de US$100 milhões. Parecia um projeto eleitoral, para conquistar o apoio das federações locais. Já em 2022, quem respaldou a empreitada foi Patrice Motsepe, presidente da Confederação Africana de Futebol, eleito sob apoio de Infantino em 2021. Homem mais rico da África do Sul, o dirigente prometia não medir esforços para um projeto grandioso (e megalomaníaco) no futebol. O cartola dizia que alguns dos “investidores mais proeminentes do esporte” estariam envolvidos. Alguns estados pareciam interessados, até pela política de apoio crescente na África de países como China, Turquia e Arábia Saudita.

A Superliga Africana teve uma recepção relativamente positiva no continente. A ideia de unir grandes torcidas e potências nacionais num calendário cheio era vista como uma enorme oportunidade econômica, quem sabe para rivalizar com as ligas europeias em termos de dinheiro. Motsepe apresentou os planos iniciais da African Football League com 24 times, distribuídos por 16 países. O torneio teria uma fase de classificação regionalizada, antes de mata-matas e de uma final no “estilo Super Bowl”. Ocorreria de forma paralela à Champions Africana, que poderia se tornar um tanto quanto desnecessária, embora a CAF não admitisse isso. Era preocupante também a situação das ligas nacionais, com uma pretensa concentração de muito dinheiro em poucos clubes, já ricos nos padrões regionais. No fim das contas, nada disso foi para frente.

Motsepe dizia que a Superliga vinha para “transformar o futebol africano para sempre”. Contudo, foi a própria African Football League que encolheu de imediato. Os 24 clubes iniciais caíram para apenas oito. Os valores das premiações minguaram em relação às promessas e ficaram nos mesmos patamares atuais da Champions Africana. Sequer haveria uma fase de grupos, com mata-matas simples em ida e volta – inclusive a final, sem o “estilo Super Bowl”. Os sauditas, que a princípio injetariam o dinheiro para o impulso inicial, caíram fora cedo demais. Até o nome de Superliga foi abandonado – segundo o presidente da CAF, pela conotação negativa que ganhou na Europa.

O arremedo final

A oficialização do real modelo da African Football League, por fim, aconteceu em junho. A CAF preferiu lançar um torneio mambembe a adiar a ideia. A redução de times diminuía também os custos de uma competição que antes demandava tanto em viagens e logística. A previsão do pontapé inicial também foi atrasada, de agosto para outubro. A impressão é de que, sem os investidores prometidos, Motsepe e Infantino tentaram demonstrar que pelo menos uma semente está lançada. Entretanto, sob severas dúvidas de que vai realmente frutificar, diante de um modelo de disputa que não oferece nada diferente.

A African Football League poderá alimentar rivalidades transnacionais, é verdade. As quartas de final oferecem diferentes duelos entre os times do norte da África contra outros subsaarianos: Simba (Tanzânia) x Al Ahly (Egito), Mazembe (República Democrática do Congo) x Espérance (Tunísia), Enyimba (Nigéria) x Wydad Casablanca (Marrocos) e Petro Atlético (Angola) x Mamelodi Sundowns (África do Sul). Já as semifinais poderão garantir embates de velhos conhecidos nos torneios continentais, como Al Ahly x Mamelodi Sundowns ou Wydad x Espérance. Mesmo assim, soa como mais do mesmo em relação à Champions Africana. Esta, inclusive, oferece clássicos nacionais que proporcionaram momentos inesquecíveis nos últimos anos.

Um ponto positivo para a estreia da African Football League foram as arquibancadas cheias. Havia bom público em Dar es Salaam para ver a partida inaugural do torneio. As redes também auxiliaram, com o empate por 2 a 2. Reda Slim abriu o placar para o Al Ahly, Kibu Denis e Sadio Kanouté viraram para o Simba, enquanto Kahraba fechou o placar em 2 a 2. Entre as presenças ilustres na tribuna de honra, Infantino e Motsepe não perderam a chance de fazer uma média, apesar de tantas promessas não cumpridas desde o anúncio da Superliga.

Por que não a Champions Africana?

A pergunta é: não seria mais interessante, neste cenário, fortalecer a Champions Africana em vez de lançar uma Superliga meia boca? A CAF precisa reconhecer o produto bom que tem na LC e muitas vezes desconsiderado no próprio continente. Há muitas histórias ótimas que vieram da Champions em anos recentes. O problema é que nela não há o marketing do “novo projeto” e nem as falas pomposas de que “nada será como antes”. Isso atrai holofotes e apertos de mão, que renderão apoios políticos. Mesmo que, com todas as promessas, o dinheiro mesmo não tenha aparecido. Não tem problema. Enquanto a estrutura de poder se mantiver, os dirigentes estarão satisfeitos. Estão mais interessados em se perpetuar no topo a realmente desenvolver o futebol africano – porque, está claro, as margens são enormes.

Ainda há a promessa de que a verdadeira Superliga tomará forma em 2024/25. Motsepe quer tornar concreto o formato com 24 times e seu “Super Bowl” na final. Todavia, são palavras ao vento. As interrogações são sinceras, ainda mais depois de tudo o que foi falado e do nada que foi cumprido. Se quatro anos não foram suficientes desde o primeiro anúncio em 2019, um ano bastará para reorganizar o futebol continental? É improvável. Há tradições que o futebol africano já oferece e poderiam ser melhor impulsionadas. Só que desta maneira os cartolas não se venderiam como “pais da ideia”. Sequer parece haver uma discussão realmente séria quanto ao novo formato, diante da maneira como clubes e até mesmo ligas se sentem relegados a um segundo plano. Motsepe pode até renovar os ares na CAF, uma entidade atravancada por seus casos de corrupção, mas mantém o mesmo modelo de gestão fechado num clubinho e voltado à política, não ao esporte.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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