Sakhnin: Um símbolo de paz
Poucos conflitos no mundo são tão profundos, antigos e violentos quanto a disputa entre árabes e judeus em Israel (e na Palestina). O país da Estrela de Davi é uma nação judaica, mas abriga mais de 1 milhão de muçulmanos. Trata-se de uma minoria sofrida, que freqüentemente se reúne para protestar contra a situação que vive.
Mas em 2004, talvez pela primeira vez nos últimos 60 anos, milhares de árabes de Israel se juntaram não para protestar, mas sim para celebrar. E no centro da comemoração estava um pequeno clube de futebol, o Hapoel Bnei Sakhnin. O feito da equipe realmente foi algo fora do normal: foi o primeiro clube árabe a sagrar-se campeão da Copa de Israel.
O feito ganhou repercussão mundial, por suas óbvias implicações simbólicas. E mais: graças ao título, o Sakhnin tornou-se a primeira equipe árabe a representar Israel em uma competição internacional, a Copa UEFA. O time estreou na fase preliminar, vencendo o Partizani, da Albânia (coincidentemente, um país de maioria islâmica) e na primeira fase ´oficial´ joga contra o gigante Newcastle. Os israelenses perderam em St. James´ Park por 2 a 0 e só um milagre os salvará da eliminação. Mas não há problema – o time já entrou para a história.
Jogando contra a pobreza e a violência
Sakhnin é uma cidade muito pequena, com apenas 22 mil habitantes. Os moradores acusam o governo israelense de não repassar fundos suficientes para a cidade, que não tem condições de manter hospitais, escolas ou serviços públicos de boa qualidade. Antes do feito do time local, a cidade era conhecida apenas por um incidente ocorrido em 1976, quando a polícia matou seis manifestantes desarmados em um protesto contra uma desapropriação de terras de árabes da região promovida pelo governo israelense.
Sendo assim, é impossível pensar em fornecer boas acomodações para um clube de futebol. O estádio da cidade, onde o Bnei Sakhnin jogaria, está caindo aos pedaços e sem a menor condição de uso. Isso faz com que o time tenha que mandar seus jogos em Nazaré ou Haifa. Os treinos, em geral, são realizados em um simples descampado.
O time é o que tem o menor orçamento na Premier League israelense e não conta com patrocínio. Isso acontece porque as companhias controladas pelos judeus ainda se mostram reticentes em investir em um time árabe. Enquanto isso os árabes do exterior não querem se ver associados a pessoas que estariam cooperando com o ´inimigo´ (os judeus). Há uma certa esperança de que isso mude com o sucesso recente do Sakhnin, mas ninguém está contando com isso.
Todas essas provações só aumentam o mérito da equipe, que tem uma história sofrida. Desde sua fundação, o Bnei Sakhnin não passava de um clube obscuro, assim como todos os outros clubes das regiões árabes de Israel. Sua sorte começou a mudar há poucos anos. A grande virada aconteceu na temporada 2002/3, quando conseguiu subir pela primeira vez para a Premier League. Até então, a liga de elite de Israel nunca tinha recebido um time das regiões árabes. Num mesmo ano, chegaram dois: além do Sakhnin, o rival Ali Nazareth também subiu.
A torcida esperava que a temporada 2003/4 fosse um ano de duras provações. Afinal, seria difícil competir sem dinheiro contra gigantes como Maccabi Haifa ou Hapoel Tel Aviv. E foi duro mesmo, mas com muita garra e organização o time conseguiu se manter na primeira divisão. Isso por si só já seria um feito espetacular (como comparação, é bom dizer que o Ali Nazareth entrou em colapso e foi rebaixado), mas acabou ofuscado por outro muito maior: o título da Copa de Israel.
A copa da união?
A reação ao título do Bnei Sakhnin em Israel não foi uniforme. A maioria dos políticos exibiu o triunfo como uma prova de que árabes e judeus podem conviver pacificamente. O primeiro-ministro Ariel Sharon inclusive ligou para o presidente do clube para cumprimentá-lo pelo feito. A opinião pública em geral também aplaudiu os corajosos árabes.
Por outro lado, houve quem reclamasse. Torcedores do Beitar Jerusalem, time conhecido por ter a torcida mais nacionalista de Israel, chegaram a colocar um anúncio na Internet proclamando a ´´morte do futebol israelense´´ por causa do triunfo do Sakhnin. Na maioria dos jogos que a equipe faz fora de casa, é freqüente ouvir gritos racistas dirigidos aos jogadores árabes.
Internacionalmente, a imprensa foi rápida em apontar a diversidade étnica do time como um exemplo de convivência pacífica. De fato, o Bnei Sakhnin tem no elenco jogadores árabes (a maioria), judeus e estrangeiros, vindos de países diversos como Zimbábue, Camarões, Nigéria e, como não poderia deixar de ser, do Brasil (trata-se de Cléber, que antes jogava no futebol belga). O técnico do time, Eyal Lachman, também é judeu.
Realmente, é um exemplo muito positivo, mas o que poucos mencionaram foi o fato de que isso está longe de ser inédito. Hoje, boa parte dos times da Premier League israelense mistura no elenco jogadores árabes, judeus e estrangeiros – a única diferença é que os judeus costumam ser maioria, não os árabes.
Embora o futebol possa ser uma bandeira para a paz, ninguém em Israel tem a ilusão de que o feito do Bnei Sakhnin contribuirá significativamente para melhorar a relação entre as etnias da região. Mesmo assim, só o fato de Israel ser representado no exterior por um grupo de árabes já é uma visão animadora. Quem sabe, um dia, fatos como esse sejam tão comuns que nem mereçam uma coluna como esta…