Perth Glory: O sol nasce na Austrália

Expressões como ´Projeto Tóquio´ sempre deram à Copa Intercontinental, desde 1980 disputada no Japão, um cunho messiânico. A capital japonesa soa como paraíso mítico aos ouvidos do torcedor (notadamente o sul-americano), que passa a vida sonhando com o dia no qual seu time purgará as dores dos sofridos anos com a ´conquista do mundo´. Alguns emblemas centenários e tradicionais nunca estiveram sequer perto disso, fato que só amplia a atenção despertada pelo Perth Glory, jovem bicampeão australiano com reais possibilidades de atuar em solo nipônico.

Trata-se do Mundial da FIFA, cuja segunda edição, após sucessivos adiamentos, está agendada para dezembro de 2005, no Japão. Para estar lá, o Perth Glory teria de alcançar o tricampeonato na temporada 2004/5 e, em junho, superar os frágeis adversários do continente na competição a ser realizada no Taiti.

Esta última tarefa é teoricamente simples; no entanto, sobre a primeira parte do percurso pairam mistérios, já que a nova Australian Premier League teve seu início postergado para agosto de 2005, a fim de que os clubes operem a transição da antiga National Soccer League (NSL) para um modelo mais profissional, capaz de alavancar o futebol da terra dos cangurus. O secretário da Confederação de Futebol da Oceania (OFC), Tai Nicholas, chegou a sugerir que o Perth Glory representasse a Austrália no Mundial, devido a seu desempenho recente.

Identidade

Mas a definição do clube australiano que irá ao Taiti só deverá ocorrer, segundo a Australian Soccer Association (ASA), em abril, com um curto torneio. Nick Tana, presidente do Perth Glory desde sua fundação, obviamente gostou da proposta de Tai Nicholas, porém acata o parecer da ASA, à qual seu clube vem fornecendo apoio. Na verdade, o Perth Glory é, indiretamente, a grande mola motriz dessa tentativa de modernizar o futebol australiano, visto que nasceu sob uma perspectiva ambiciosa, calcada na atração de patrocinadores e no marketing.

O Glory polarizou a afeição de todo o oeste australiano, antes dividida entre clubes modestos e de contornos acentuadamente étnicos, como o Stirling Macedonia e o Perth Italia. Tais agremiações desapareciam ou trocavam de nome com freqüência, indícios de uma estrutura futebolística ainda não consolidada. Começando pelo escudo de cores pouco usuais (roxo e laranja) e passando pelo próprio nome, que despreza a influência britânica enraizada em ´United´ e ´City´, o Glory inovou e trouxe à isolada Perth a inédita oportunidade de figurar no certame nacional.

Antepassados e antenados

Apesar das pressões, jamais uma agremiação da Austrália Ocidental conseguira tomar parte na NSL, disputada entre 1977 e 2004. O melhor desempenho de um time dessa região no cenário nacional se dera na copa nacional de 1980, quando o Dalmatinac atingiu as quartas-de-final.

A grande distância de Perth em relação às outras metrópoles australianas (Sydney, por exemplo, fica a 4.400 quilômetros) durante décadas fez o futebol da cidade se atrelar ao do sul da Ásia. O Perth Kangaroos participou da liga de Cingapura em 1994, tendo se sagrado campeão invicto. No fim da década de 60, combinados da Austrália Ocidental já haviam travado batalhas na Copa Merdeka, da Malásia.

O Glory alterou substancialmente esse quadro. Hoje conta com a torcida mais assídua da Austrália, que costuma encher o Members Equity Stadium, antigo Perth Oval, remodelado e inaugurado em fevereiro de 2004. Incentiva programas como o Glory Zone, destinado à formação de craques mirins, e o Glory Shed, espécie de torcida organizada responsável por animadas caravanas e eventos sociais dos mais variados. Já exportou bons valores, como os meias ofensivos Ivan Ergic, que se destacou na Liga dos Campeões 2002/3 jogando pelo Basel, e Anthony Danze, que defendeu os ´Olyroos´ em Atenas e rumou para o Crystal Palace.

Saltos de canguru

Em sua estréia, o Glory obteve um sétimo lugar na NSL. Seguiram-se um oitavo posto em 1997/8 e um terceiro em 1998/9, que permitiu o acesso à fase final, protagonizada pelos seis primeiros da tabela. No ano seguinte, o time de Bernd Stange, ex-treinador da Alemanha Oriental e que posteriormente treinou o Iraque, terminou os turnos na liderança, à frente inclusive do South Melbourne, que acabara de visitar o Brasil no Mundial da FIFA. Porém, persistia o esdrúxulo sistema segundo o qual os dois primeiros lutavam por um avanço direto à final e os outros quatro se digladiavam por uma vaga no jogo contra o time derrotado na semifinal principal. Isso proporcionou ao Wollongong Wolves, duplamente vencido pelo Glory na semifinal, a esquisita chance de encará-lo na decisão.

O 3 a 0 do primeiro tempo deu aos 43.242 aficionados que compareceram ao Subiaco Oval – palco das decisões do Perth – a certeza do triunfo. Todavia, os gols de Chipperfield (hoje no Basel), Horsley e Reid, este aos 44 minutos da segunda etapa, emudeceram a platéia e exigiram os pênaltis. Quando o placar já apontava um 6 a 6, Horsley bateu mal e o brasileiro Edgar conduziria o Glory à glória se convertesse sua cobrança. Pagliacomi, goleiro do Wollongong, ceifou momentaneamente a esperança roxa, renovada pela defesa de Petkovic no chute de Mennillo. Tal qual um tenista diante de consecutivos ´match points´, Edwards correu em direção à bola com a incumbência de cessar a angústia. O fardo o atrapalhou. Reid, então, fez 7 a 6 para os Wolves, e Afkos desperdiçou a possibilidade de empatar. Injustiça? Destino? O fato é que o novato Glory teria de esperar.

Houve ainda o dissabor de 2001/2, já com o atual técnico, Mich d´Avray. O time, que finalizara o primeiro estágio da competição 13 pontos à frente do segundo colocado, perdeu a decisão por 1 a 0 para o Olympic Sharks, gol de Milicic. Em 2002/3, na final contra o mesmo Sharks, o mesmo Milicic quase empatou a peleja aos 70 minutos, quando estava 1 a 0. Aos 87, Damian Mori, segundo maior goleador dos nove anos do Glory (com 77 gols), pulverizou os traumas do Subiaco Oval com o gol do título.

A fome de fama é roxa

Na derradeira edição da NSL, o Glory ficou em segundo lugar no estágio inicial, mas superou na final o Parramatta Power, por 1 a 0. Agora, resta aguardar o longínquo início da nova competição nacional, da qual devem participar apenas oito times. A mídia televisiva se comprometeu a, enfim, cobrir o evento, que pretende captar investimentos e atenções do país e do mundo. Na época da NSL, até ver os gols da rodada era difícil, tamanho o desinteresse da TV, mais preocupada com o rugby e com os australianos nas ligas britânicas, como Kewell (Liverpool) e Moore (Rangers).

Se for ao Japão, o sol estampado no brasão do Glory, que simboliza o renascimento do outrora tão marginalizado futebol da costa do Oceano Índico, ganhará visibilidade internacional. Na Austrália, o astro-rei emana raios arroxeados, aquecendo muitos corações e iluminando os passos do futebol num país que só esteve em uma Copa, a de 1974. Enquanto isso, no MES vazio, sentem-se as vibrações do canto ´´come on, Glory, come on, Glory´´, cuja melodia é também muito comum em igrejas e estádios brasileiros.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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