O Milagre de Berna

Seu negócio é cinema independente da Somália? Você vai á Mostra e acha ela comercial? Glauber Rocha é um ‘blockbuster’? Por favor, pare de ler essa resenha e saia deste site. Você deve ser um saco. E além disso, “O Milagre de Berna” será um martírio infinito para toda esta sua carga cultural.
No entanto, se você é ‘football-nuts’ e não se importa de assistir um filme escancaradamente melodramático, o programa é diversão garantida. Produzido na onda de eventos ligados à Copa do Mundo de 2006, o “Milagre” aborda a Copa de 1954 – a primeira vencida pela Alemanha – de um modo pouco comum. Ao invés de lamentar a derrota dos ‘Magiares Mágicos’ de Puskas, Boszik e Kocsis, fala de como a vitória do time de Sepp Herberger foi valiosa para um país que ainda estava juntando os cacos depois da Segunda Guerra.
Cinematograficamente, os clichês do enredo atrapalhariam. A estória do menino que torce para um time que não vence nunca, a tensão familiar melodramática, a trama paralela do jornalista esportivo que cobre a Copa com a esposa dondoca, são todos exemplos de recursos, na melhor das hipóteses, comum.
Só que a realidade quase sempre supera a ficção. E a trajetória da Alemanha de Herberger em 1954 certamente é apoteótica. O descrédito inicial da seleção, a derrota por 8 a 3 para Hungria na primeira fase da Copa, o futebol implacável dos húngaros, e até o primeiro gol da Hungria na final são elementos melodramáticos, sim, mas todos absolutamente verdadeiros.
Além da história, a ótica alemã do filme sobre como o país precisava daquela vitória, ainda devastado pela guerra e pelas sombras do nazismo, faz com que o espectador veja um lado dificilmente visto daquela Copa, que em 99% das vezes é citada como o desastre de uma das melhores seleções de todos os tempos.
O diretor ainda se preocupou em colocar detalhes pelo filme para enriquecer a narrativa. O modo como um sapateiro ajuda a seleção criando chuteiras mais eficientes (o personagem, Adi, é uma menção a Adi Dassler, criador da marca Adidas); a maneira como Sepp Herberger torceu pela chuva na final e como matou a Hungria marcando Hidekguti, são bons exemplos. A semelhança dos atores com os atletas também revela uma boa preocupação com a produção, também percebida na filmagem de cenas de jogo, normalmente um problema em filmes do gênero.
Não é um filme de Stanley Kubrick, nem o roteiro é de Quentin Tarantino. Mesmo assim, “O Milagre de Berna” deixa uma marca num gênero difícil de ser realizado e que raramente proporciona produções. Além da diversão garantida, fica a certeza que é possível sim filmar futebol sem ter de se restringir a bastidores ou à vida pessoal dos personagens.