Na Marca do Pênalti

Experimente, um dia, dizer a um personagem do meio acadêmico que sua dissertação de mestrado ou tese de doutorado versará sobre algo relacionado ao futebol. Ele não disfarçará o desprezo, certamente arriscará um risinho sarcástico ou mudará de assunto bruscamente, como que tomado pelo sobressalto. Você receberá a pecha de deslocado ou lunático e será motivo de comentários jocosos pelos corredores da universidade.

Essa aversão ao futebol, considerado matéria menor por aqueles que ignoram sua grandeza, se reflete na literatura. São poucos os escritores brasileiros que se debruçaram sobre o tema. Nesse rol enquadram-se Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Nelson Rodrigues e Luis Fernando Veríssimo, entre outros. Quando surge um novo autor ousando discorrer acerca do esporte bretão, o aplauso é a primeira reação. Pode ser, porém, apenas a primeira.

´´Na Marca do Pênalti´´, do gaúcho Cláudio Lovato Filho, tem a virtude da audácia, por todas as razões já expostas. Entretanto, incorre em equívocos que lhe subtraem qualidade. Um deles é o excesso de explicações para alguns detalhes inerentes às disputas futebolísticas. É compreensível que o autor deseje esclarecer os mistérios do jogo para um leitor eventualmente leigo, mas essa decodificação, quando demasiada, torna-se enfadonha tanto para o que nada sabe quanto para o especialista. Seria algo análogo a um filme de ficção científica repleto de didática quanto às leis da química, da física ou da biologia.

Outro problema é a abundante presença de estereótipos. O autor lança mão de figuras muito previsíveis e idealizadas, como a do treinador eloqüente (no conto ´´Palavras´´), a do beque galã (´´O Segredo do Zagueiro´´) e a do ex-jogador imerso em lembranças (´´O Ex-jogador´´). O roupeiro do conto ´´O Velho´´ também integra esse elenco que resvala no exagero, na mitificação. Seu conselho para que se escalasse um garoto magrinho de 18 anos no lugar de um consagrado atacante argentino, em plena semifinal de campeonato, resultou numa atuação magistral do franzino prodígio, que marcou dois gols e, não satisfeito, deu passe para outros dois!!!

Os pontos fracos apresentados não anulam por completo o valor de ´´Na Marca do Pênalti´´, que merece uma lida, pois trata de um tópico fantástico, serve-se da língua com elegância e consegue, em alguns momentos, desenvolver boas tramas, caso do conto ´´Chuteiras Mágicas´´. Mas uma visão geral das narrativas evidencia que o autor não explorou na medida exata a densidade do futebol, proeza de que pouquíssimos foram capazes, até porque os já citados Drummond, Cabral, Nelson e Veríssimo abordaram o tema em gêneros diferentes, como a crônica e a poesia.

´´Na Marca do Pênalti´´, embora não demonstre o viço das grandes obras, atreve-se a penetrar no meio literário como um centroavante brutamontes e rompedor. Não atinge, todavia, o gol. Para desmontar a defesa daqueles cuja única torcida destinada ao futebol é a do nariz, é necessário que haja maior quantidade de produções e estilo mais apurado. Quando esse dia chegar, muitos entenderão aquilo que o escritor Albert Camus, prêmio Nobel de literatura em 1957, disse certa vez: ´´Tudo o que sei sobre a moral e as obrigações do homem, aprendi-o com o futebol´´.

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Equipe Trivela

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