Heskey: O bode expiatório
Na última semana, a Inglaterra enfrentou a Macedônia. Jogando mal, o time de Sven Goran Eriksson sofreu para vencer a partida por 2 a 1. De quem foi a culpa pelo mau desempenho? De Emile Heskey. O Liverpool não começou bem a temporada, mostrando um futebol aquém do esperado. O culpado? Emile Heskey. Hoje amanheceu chovendo. Só pode ser mais uma do Emile Heskey. A economia japonesa enfrenta uma de suas piores crises. É claro que o culpado é Emile Heskey.
Brincadeiras à parte, não deixa de ser impressionante a maneira como a torcida inglesa persegue o atacante do Liverpool. Em toda derrota de seu time, ele é apontado entre os culpados. Cada erro, cada bola perdida é acompanhada por vaias e pedidos para que seja substituído. Mas será que ele é tão ruim assim? Certamente não.
Um jogador talentoso
Embora esteja longe de ser um jogador ´world class´ como Van Nistelrooy, Vieri ou Ronaldo, Heskey é um bom atacante. Ele é um dos raros jogadores que consegue combinar velocidade e habilidade com um porte físico avantajado (com 1,88 m, ele é um jogador muito forte). Com a bola dominada, sabe driblar bem e é capaz de arrancadas que abrem as defesas. Além disso, sabe fazer assistências, além de ser versátil, podendo também jogar como meia-esquerda.
Heskey começou a carreira jogando no time de sua cidade natal, o Leicester City. Em pouco tempo, tornou-se um dos destaques da equipe, ajudando-a a voltar à primeira divisão. Sob o comando do competente Martin O´Neill, foi o principal jogador nas conquistas da League Cup, dois dos raros títulos nas história do clube. Seu bom desempenho e sua habilidade chamaram a atenção de Gerard Houllier, que contratou-o por US$ 17,5 milhões, a transação mais cara na história do Liverpool. Sua saída foi muito lamentada pela torcida do Leicester.
Engana-se quem imagina que Heskey foi mal nos Reds. Em 179 jogos pela equipe, marcou 48 gols. Não é uma marca espetacular, mas também não é má, levando em conta o grande número de assistências que deu para Owen (jogador que ele conhece desde os tempos de seleção sub-18). Heskey também foi titular e peça-chave do bem-sucedido time de 2001, ano em que o Liverpool levantou cinco troféus – FA Cup, League Cup, Copa UEFA, Community Shield e Supercopa.
Seu bom futebol valeu-lhe a vaga de titular absoluto nos Reds e também na seleção inglesa, pela qual disputou a Euro-2000 (ainda como reserva) e a Copa do Mundo de 2002. Embora na última temporada sua produtividade tenha caído, tanto Sven Goran Eriksson quanto Gerard Houllier ainda consideram Emile Heskey um membro importante de seus elencos. Então por que tantas críticas?
No lugar errado, na hora errada
Embora as críticas a Heskey sejam um pouco exageradas, os argumentos usados contra o jogador são verdadeiros. O primeiro é que, para um atacante, sua média de gols (em torno de um a cada quatro ou cinco jogos) é baixa. Em segundo lugar, Heskey de fato sofre com falta de confiança, tornando seu jogo bastante irregular. De fato, não são raras as partidas em que o atacante ´se esconde´ e praticamente não toca na bola.
Mas a característica de Heskey que realmente enfurece os ingleses é a facilidade terrível com que ele é derrubado, seja para tentar cavar um pênalti, seja em uma disputa de bola normal. Diferentemente do que acontece no Brasil, jogadores malandros ou catimbeiros não são bem vistos na Inglaterra. Ora, se um homem alto e forte como Heskey é derrubado até por zagueiros muito menores que ele, acontece uma de duas: ou está querendo cavar uma falta ou está fugindo do jogo. De uma forma ou de outra, é uma conduta inaceitável para a torcida.
Porém, há outra maneira de justificar tamanha perseguição. No Leicester, Heskey era ídolo. Ele só começou a ser sistematicamente criticado quando chegou ao Liverpool e à seleção inglesa. E isso não se deve somente à visibilidade por jogar em um time maior. Quando foi para os Reds, Heskey desbancou ninguém menos que Robbie Fowler, um dos maiores ídolos locais. Desde o primeiro jogo, Houllier foi criticado por sacar Fowler do time. Querendo a volta do ídolo, a torcida acostumou-se a criticar cada tropeço de Heskey.
Na seleção, o jogador ocupa o espaço de atacantes como Darius Vassell (ídolo do Aston Villa), James Beattie (ídolo do Southampton), Alan Smith (ídolo do Leeds) ou Wayne Rooney (ídolo do Everton). Naturalmente, a torcida dos outros times quer ver seus ídolos em campo. Como a posição de Owen é inatacável, sobra para Heskey.
Na temporada 2002/3, os críticos de Heskey tiveram mais munição do que nunca. Inseguro, começou a jogar mal e teve seu lugar no Liverpool ameaçado por Milan Baros e na seleção por Rooney, situação que se agravou nos últimos meses. Heskey vai tentar lutar, mas, dada a personalidade do jogador, quem sabe afastar-se dos holofotes e ir para um clube menor não acabe sendo melhor para ele mesmo.