Mesmo diante da incrível barreira marroquina, Portugal apresentou pouco para os recursos que tem
A chave para Portugal era descobrir se Fernando Santos conseguiria destravar um dos melhores elencos do futebol de seleções - spoiler: não conseguiu

Poucos técnicos do futebol de seleções têm tantos recursos à disposição do que Fernando Santos. Meias de primeira linha como Bruno Fernandes e Bernardo Silva. Laterais ofensivos que jogam por dentro ou por fora. Um atacante agudo, como Rafael Leão. Um meia-atacante completo, como João Félix. Um dos melhores finalizadores da história em Cristiano Ronaldo. E mesmo com tanto à disposição, Portugal conseguiu oferecer muito pouco para furar o excelente sistema defensivo de Marrocos e está merecidamente eliminado da Copa do Mundo nas quartas de final.
É preciso dar méritos à aplicação defensiva de Marrocos, que não foi vazado por nenhum time em toda a Copa do Mundo – o único gol que sofreu foi contra, do Canadá, marcado por Nayef Aguerd. Mas esses são os desafios que se espera em uma Copa do Mundo e, por mais que tenha tentado, Fernando Santos não conseguiu encontrar um jeito de ir muito além de bolas cruzadas na área. Bono fez duas grandes defesas, apenas nos minutos finais. Até a linda batida da entrada da área de João Félix, aos 37 minutos do segundo tempo, Portugal havia acertado apenas uma finalização no alvo.
Fernando Santos ganhou muita moral pelo título da Eurocopa de 2016, quando tinha um elenco menos talentoso à disposição – tanto que o gol da vitória contra a França na final foi marcado por Éder, que fez apenas seis jogos nos dois anos seguintes antes de ser esquecido. Merecidamente elogiado por ter tirado mais de um time que contava com Cristiano Ronaldo, mas não havia entrado na competição com expectativa de ser campeão. Depois de ser eliminado por Uruguai nas oitavas de final na Rússia, levantou mais um troféu, na Liga das Nações. Talvez de menor importância, mas um país que tão pouco havia comemorado no futebol de seleções não estava em posição de desdenhar do novo torneio.
O problema para Santos é que o talento português cresceu exponencialmente desde então, com as ascensões de nomes como João Cancelo, Raphaël Guerreiro, Nuno Mendes, Rúben Dias, Rúben Neves, Bernardo Silva, Bruno Fernandes, João Félix e Rafael Leão, entre os principais jogadores de suas posições no futebol europeu, além de outros nomes de muita qualidade, como Diogo Dalot, Vitinha, Matheus Nunes e Otávio. Cristiano Ronaldo não era mais uma ilha, mas agora estava cercado de uma companhia que era até difícil de imaginar que teria desde as aposentadorias de Luis Figo e Deco. Sem falar que a escola portuguesa de treinadores é uma das mais prolíficas do momento, com profissionais competentes que fizeram alguns trabalhos marcantes nos últimos anos.
Tudo isso naturalmente aumentou a pressão para que Santos fosse além do básico, não apenas em termos de resultado, mas também de rendimento, e durante todo o último ciclo isso raras vezes aconteceu. A campanha na Euro 2020 foi fraca, com queda para uma velha Bélgica nas oitavas de final. Portugal nem conseguiu ficar à frente da Sérvia no seu grupo nas Eliminatórias Europeias e estava na direção de um duelo feroz com a Itália pela vaga na repescagem – mas a Macedônia do Norte não deixou. No fim, classificou-se vencendo Turquia e os macedônios, jogando em casa.
Colecionando cada vez mais declarações atravessadas no trato com a imprensa, Fernando Santos entrou na Copa do Mundo passando toda a sensação de que seu ciclo estava chegando ao fim e agiu mais ou menos dessa forma, tomando as decisões que achava que tinha que tomar, doe a quem doer. Teve uma estreia fraca contra Gana, com uma escalação estranha que deixou Bruno Fernandes preso, Bernardo Silva muito recuado e não conseguiu transformar posse de bola em chances de gol. Um pênalti “leve” em Cristiano Ronaldo gerou o primeiro gol, Gana empatou, e o talento de Bruno Fernandes resolveu para Portugal quando o jogo ficou aberto.
Portugal não melhorou na fase de grupos. Teve problemas contra um Uruguai que, mesmo inofensivo, teve chances de empatar, antes de Bruno Fernandes matar o jogo na prorrogação cobrando pênalti. Fernando Santos rodou o seu elenco para a terceira rodada contra a Coreia do Sul – e sofreu uma virada nos acréscimos que acabou eliminando os sul-americanos. Portugal chegava às oitavas de final sem ter passado uma boa impressão e em um duelo que parecia equilibrado com a Suíça.
Mas Santos foi iluminado no mata-mata e acertou a principal decisão que tomou: barrar Cristiano Ronaldo e escalar Gonçalo Ramos desde o início. Não apenas pelos três gols do jovem atacante do Benfica, mas porque a sua equipe funcionou muito melhor coletivamente. Ele repetiu a formação, com Neves no lugar de William Carvalho, para enfrentar Marrocos. Não estava voando no primeiro tempo, mas João Félix tinha bastante liberdade para se movimentar e estava começando a gostar do jogo, quando uma pane defensiva permitiu que Youssef En-Nesyri abrisse o placar a minutos do intervalo.
O problema começou quando Portugal ficou atrás no placar e precisou correr atrás do prejuízo. Logo aos seis minutos do segundo tempo, Santos lançou Cristiano Ronaldo no lugar de Ramos e tentou entrar com João Cancelo na lateral esquerda, onde ele mais atua no Manchester City, como um lateral construtor que tenta reforçar o meio-campo. Rafael Leão – talvez seu principal pecado nesta Copa do Mundo pela baixa utilização – entrou apenas aos 24 minutos, ao lado de Vitinha, que substituiu Otávio, uma troca também pouco criativa. No desespero, a 11 minutos do fim, o ponta Ricardo Horta foi introduzido no lugar do lateral Diogo Dalot.
As trocas em si nem foram péssimas para um técnico tantas vezes criticado por ser cauteloso e conservador, mas simplesmente não funcionaram. Não mudaram o panorama para Portugal, que conseguiu ser perigoso de verdade apenas durante o abafa dos minutos finais e cruzou 35 bolas na área, mais que o dobro da média das suas outras quatro partidas no Catar (15). A troca que mais deu resultado foi mesmo a entrada de Ronaldo, que fez o pivô para um chute maravilhoso de Félix, que exigiu um milagre de Bono, e que teve a chance do empate em projeção, mas cuja finalização rasteira também parou no goleiro do Sevilla.
No fim das contas, Fernando Santos não conseguiu mostrar, durante a maior parte da Copa do Mundo, com exceção das oitavas de final, que havia aprendido a tirar o melhor de um dos elencos mais talentosos do futebol de seleções, e era esse o seu principal trabalho. Que a defesa de Marrocos prevalecesse no fim, ela deveria ter sido mais testada por um time que é eliminado com a sensação de que poderia ter feito mais, no último Mundial em que contará com um craque da estirpe de Cristiano Ronaldo. Mesmo que ele não seja mais o mesmo.