Maurício Noriega: já imaginou seu time treinado por IA?
A ideia de técnicos virtuais ainda está longe, mas a leitura de dados e padrões táticos do jogo por IA é uma realidade no futebol

Acordos firmados recentemente entre clubes de futebol tradicionais e empresas de tecnologia prometem revolucionar a área de análise de desempenho e, inclusive, de planejamento tático de times de futebol. A expectativa de especialistas da área é de que num prazo de cinco anos as tomadas de decisões e escolha de sistemas de jogo no futebol estejam fortemente influenciadas pela atuação de inteligência artificial (IA).
Desde 2021 o Liverpool tem um acordo com a Google Deep Mind, empresa especializada no desenvolvimento de inteligência artificial. Em 2020, o Midtjylland atribuiu ao uso de IA a conquista do título dinamarquês. Clubes como o Brighton e o Brentford, da Inglaterra, analisam o desempenho de jogadores usando dados fornecidos por IA.
A ideia da análise de dados para tomar decisões técnicas e táticas no futebol não é nova. Vem dos anos 1950 do século passado, quando um contador da Real Força Aérea Britânica chamado Thorold Charles Reep começou a anotar dados e padrões em um jogo obscuro da terceira divisão. Ele é considerado o pai da análise estatística no futebol, além de inspiração para o estilo de jogo de bolas longas praticado durante décadas pelos ingleses. Em estudo publicado pelo jornal “News Chronicle” e pela revista “Match Magazine”, em 1968, Reep afirmava que a troca de passes entre jogadores aumentava o percentual de erro e que o jogo para ser eficiente não poderia produzir uma sequência maior do que três passes. Reep morreu em 2002 e não testemunhou o triunfo do estilo de jogo vigente, defendido por treinadores como Guardiola e consagrado nas Copas de 2010 e 2014 por Espanha e Alemanha.
Mas a análise de dados não foi abandonada após as observações de Reep. O futebol foi adotando cada vez mais as informações e números para tomadas de decisão por parte de jogadores e treinadores.
O acordo entre Liverpool e Google Deep Mind fez com que o clube inglês abastecesse as máquinas da gigante de tecnologia com toneladas de dados colhidos em anos anteriores. Dados captados por GPS, análise computadorizada de jogadas com o uso de algoritmos e informações sobre movimentação e desempenho físico dos jogadores. O desafio dos pesquisadores é oferecer cenários de previsão que possam se aproximar o máximo possível da realidade. Principalmente em relação ao comportamento dos atletas. Situações como para que lado um defensor corre em determinado tipo de jogada, e para qual região do campo costumam ser feitos lançamentos de certos jogadores.
Segundo reportagem da revista especializada em tecnologia “Wired”, de 2021, as pesquisas feitas pelo Google Deep Mind analisaram mais de dez mil cobranças de penalidades máximas no futebol europeu, dividindo os cobradores em categorias por estilo de cobrança, numa tentativa de prever como seriam os chutes. Esses dados trouxeram informações como a eficiência dos chutes direcionados para o lado mais forte dos batedores. Exemplo: destros batem no lado esquerdo dos goleiros, direito deles, batedores.
Cientistas que trabalham com números, os pesquisadores buscam uma aproximação menos enviesada do futebol. Segundo eles, a rapidez na análise dos dados produzidos pode indicar padrões diferentes daqueles que são adotados por treinadores por causa de preferências pessoais ou de estilo de jogo ou mesmo por experiência acumulada e, vá lá, oura teimosia ou superstição. Não se trata, de acordo com os cientistas ouvidos pela “Wired”, de robotizar o jogo, mas de otimizar o desempenho humano no futebol.
Um artigo publicado pelo portal “Medium”, assinado por Darren Taylor, alerta para a mudança que está por vir nos próximos cinco anos na área da contratação de jogadores. Por mais que empresários tenham poder hoje e através de suas influências determinem o rumo de transações milionárias, com a evolução da tecnologia isso tende a mudar dramaticamente. Graças à precisão e rapidez na análise dos dados, os pesquisadores acreditam que as indicações de atletas serão menos tendenciosas e será possível prever a capacidade de evolução de jovens talentos. Isso pode alterar a ordem de forças do futebol mundial. Em vez de acordos com grandes empresários, pode ser mais negócio investir em máquinas capazes de indicar contratações com base em dados quânticos.
A IA pode vir a ser, inclusive, uma versão em bytes do famoso Vizinho do Abel Ferreira (referência a uma brincadeira do treinador do Palmeiras em relação a críticas de torcedores e jornalistas). Com base em análise de dados por IA será possível oferecer aos treinadores um painel de possibilidades estratégicas que vão desde o sistema de jogo ideal para cada partida ou o esquema tático indicado para determinadas situações.
Resta saber se a Inteligência Artificial adotará o péssimo padrão humano de pedir a cabeça de treinadores a cada sequência de maus resultados. Terão os números e os dados capacidade de bancar trabalhos promissores que tardem em oferecer resultados concretos? Ou sairá mais em conta contratar uma máquina que apresenta a melhor tomada de decisão para um assistente humano? Ah, pode chamar máquina de burra se a orientação der errado?