A Fifa vai mudar, e você precisa saber quem está nessa briga pelo poder

A Fifa está cada vez mais próxima de passar por reformas importantes na sua gestão e devem impedir que vejamos presidentes que fiquem tanto tempo no cargo, como tem sido frequente na história da entidade. Entre as federações, há um consenso que é preciso ter limitação de mandatos e esse é um dos pontos da reforma proposta pela instituição independente contratada pela Fifa para trazer mais transparência à entidade.
Muito criticada, a Fifa passa por um momento de transição. Com as constantes acusações de corrupção que atordoaram a entidade nos últimos anos, foram criados diversas comissões com o objetivo de dar mais transparência e trazer mais credibilidade à entidade que comanda o futebol mundial. Ainda não se sabe se são apenas medidas para parecer mais limpa ou se são de fatos medidas que irão reformar o futebol, mas há indicativos que algumas mudanças irão de fato acontecer.
O presidente Joseph Blatter sabe que seu período de mandatário da Fifa está acabando. Ele ainda não desistiu completamente de concorrer a um novo mandato – como mostramos com mais detalhes abaixo -, mas sabe que algumas mudanças terão que ser feitas, por pressão do mundo do futebol, dos clubes e dos dirigentes que começam a ganhar força, como Theo Zwanziger, que comanda a força-tarefa que irá mudar o estatuto da Fifa nos próximos meses. Essas mudanças deverão ser decididas em maio, no Congresso da Fifa na Mauritânia, nos dias 30 e 31 de maio.
As principais mudanças
Rigor para escolha de dirigentes da Fifa
Um dos principais pontos da mudança é a forma de admissão de novos dirigentes na Fifa. Zwanziger, responsável pela força-tarefa, quer que haja um rigor maior, de forma a ter mais transparência e que o dirigente tenha boa reputação.
Na prática, isso significa que os dirigentes que quiserem ter cargos na Fifa terão que passar por uma avaliação pública no Congresso da Fifa, de modo que sejam avaliadas suas carreiras e tenham uma reputação sólida e comprovadamente capaz de integrar a entidade. Como isso tudo é muito subjetivo, é possível desconfiar do que isso quer dizer na prática, mas a ideia de uma avaliação pública dos dirigentes parece ser uma boa ideia.
Mudança na escolha das sedes de Copas do Mundo
Outra é a descentralização do processo de escolha das sedes das próximas Copas do Mundo: Comitê Executivo não terá mais autonomia para isso. Passará apenas a indicar os melhores candidatos, usando aspectos técnicos para essa escolha, e o Congresso da Fifa irá tomar a decisão final, já com a avaliação técnica do Comitê Executivo em mãos. Na prática: muito mais gente irá votar, não apenas os membros do Comitê Executivo. Com isso, qualquer tentativa de suborno será minimizada, já que serão centenas de votos, e não mais os 26 atuais.
Limitação de tempo de mandato
Um dos principais pontos das mudanças que a Fifa irá promover é a limitação de mandato de presidentes e membros do Comitê Executivo. Segundo Zwanziger, há um consenso que é preciso ter um limite. Em princípio, se pensou em um limite de idade, algo em torno de 72 anos, o que foi descartado pela maioria por ser considerado uma discriminação.
Chegou-se então ao consenso que o limite deve ser 12 anos de mandato, mas há ainda dúvidas sobre como esses 12 anos serão divididos. Alguns defendem que sejam 12 anos consecutivos, outros que seja permitido apenas uma reeleição e que o candidato possa concorrer novamente depois e ter mais quatro anos de mandato se for vencedor.
Alguns dirigentes, por exemplo, defendem que o presidente só deve ter direito a uma reeleição e poderá continuar na Fifa por mais quatro anos como membro do Comitê Executivo, mas essa é uma medida que ainda não está definida e terá que ser discutida pelos membros da força-tarefa com as confederações.
Esse é o principal mudança, já que irá acabar com o mandato de diversos nomes conhecidos do Comitê Executivo da entidade, no poder há muitos anos – como o camaronês Issa Hayatou, no cargo desde 1990, ou Michel D’Hooghe, belga que está no cargo desde 1988. Historicamente, a Fifa tem em seus quadros presidentes que ficam por muito tempo no cargo. Basta ver que o atual, Joseph Blatter, é apenas o oitavo presidente da entidade, que existe desde 1904, e está no poder há 14 anos. Antes dele, o brasileiro João Havelange ficou 24 anos no cargo, entre 1974 e 1998.
Histórico de presidentes
A Fifa só teve oito presidentes desde a sua fundação, em 1904. Robert Guérin, francês, ficou dois anos, entre 1904 e 1906. O inglês Daniel Burley Woolfall assumiu em 1906 e ficou até 1918, ficando 12 anos no poder. Veio então o presidente que mais tempo ocupou o cargo: Jules Rimet presidiu a Fifa por 33 anos, entre 1921 e 1954.

Seu sucessor, o belga Rodolphe Seeldrayers, ficou só um ano, de 1954 a 1955, quando morreu. Assumiu o inglês Arthur Drewry, que ficou seis anos, até 1961. Depois, outro inglês fez um mandato importante, Stanley Rous, entre 1961 a 1974 e só deixou o poder depois de 13 anos porque perdeu a eleição para o brasileiro João Havelange. Foram longos 24 anos no poder até 1998, quando o suíço Joseph Blatter assumiu o cargo que ocupa até hoje.
Quem deixaria o poder com as mudanças?
Se a limitação de reeleições for levada a sério e impedir que quem está lá há mais tempo do que o estipulado tenha que deixar o cargo, serão muitas mudanças no Comitê Executivo da entidade. Alguns dirigentes ocupam as cadeiras há décadas. A limitação de 12 anos, mesmo que aplicada consecutivamente, irá impedir esses dirigentes de continuar.
É importante lembrar que cada Confederação tem direito a ter um determinado número de representantes no Comitê Executivo. A divisão funciona assim:
Conmebol: tem direito a um vice-presidente e dois membros;
AFC: um vice-presidente e três membros;
Uefa: dois vice-presidentes e cinco membros;
CAF: um vice-presidente e três membros;
Concacaf: um vice-presidente e três membros;
OFC: um vice-presidente;
A FA (Inglaterra), SFA (Escócia), IFA (Irlanda do Norte): tem direito a um vice-presidente por serem parte da IFAB (International Football Association Board)
Além do presidente Joseph Blatter, outros como Julio Grondona, presidente da AFA, e Nicolás Leoz, presidente da Conmebol, devem perder seus postos. Veja desde quando os dirigentes mais antigos do Comitê estão no poder (em parênteses, o ano que o dirigente passou a integrar o Comitê Executivo):
Julio Grondona (ARG)
Conmebol (1988)
Presidente da AFA (federação argentina)

Michel D’Hooghe (BEL)
Uefa (1988)
Presidente honorário da Federação Belga de Futebol e do Brugges. Representa a Uefa.
Issa Hayatou (CAM)
CAF (1990)
Foi secretário-geral e presidente da Federação Camaronesa de Futebol e foi presidente da CAF (Confederação Africana de Futebol).
Senes Erzik (TUR)
Uefa (1996)
Vice-presidente da Uefa, presidente honorário da Federação Turca de Futebol.
Worawi Makudi (TAI)
AFC (1997)
Foi secretário-geral da Federação de Futebol da Tailândia.
Chuck Blazer (EUA)
Concacaf (1997)
Secretário-geral da Concacaf, foi comissionário da ASL (American Soccer League, liga menor dos Estados Unidos), vice-presidente executivo da Federação Americana de Futebol.
Joseph Blatter (SUI)
Presidente da Fifa (1998)
Presidente da Fifa, ex-secretário-geral da entidade e cheio de problemas consigo.
Ángel Maria Villar (ESP)
Uefa (1998)
Presidente da Federação Espanhola de Futebol, ex-jogador, e que ganhou força com o fortalecimento da seleção espanhola em todos os níveis de competições. As mudanças poderão obrigá-lo a sair – ou a tentar um cargo maior, como presidente, o que parece improvável.

Nicolás Leoz (PAR)
Conmebol (1998)
Presidente da Conmebol e que faz da Confederação Sul-Americana a sua casa, ainda muito bagunçada e cheia de acusações de corrupção. Em uma suposta negociação por votos na última eleição na Fifa, teria pleiteado um título de “Sir” na Inglaterra.

Quem deve ganhar poder
Theo Zwanziger (ALE)
Uefa (2011)

Ex-presidente da Federação Alemã de Futebol (DFB), é o responsável pela força-tarefa que estuda as mudanças no estatuto da Fifa. Suas ideias vão contra a situação atual da Fifa e da Uefa – o que desperta rivalidade com Michel Platini. Até por isso, é quem lidera a reforma da entidade e é um dos que defende, por exemplo, que o presidente da Fifa deve ter direito a apenas dois mandatos consecutivos e uma maior responsabilidade financeira dos clubes, com regras mais rígidas. Vem se tornando cada vez mais forte e pode pleitear cargos maiores no futuro, como a presidência da Fifa.
Jeffrey Webb (CAY)
Concacaf (2012)

Presidente da Concacaf e da Associação de Futebol das Ilhas Cayman, substituto de Jack Warner, que foi afastado da Concacaf e da Fifa por envolvimento em corrupção. Até por isso, Webb trabalha para tentar tornar seu trabalho mais transparente e se afastar da imagem corrupta do antecessor. Foi escolhido para liderar a força-tarefa contra o racismo no futebol – ele é negro. Recebeu apoio da Football Association, a federação inglesa de futebol, que o convidou para ir à Inglaterra se encontrar com o presidente David Bernstein para discutir ações possíveis contra esse tipo de problema. Tem respaldo na Concacaf e tem ganhado força na Fifa.
Candidatos a presidente em 2015?
Michel Platini (FRA)
Uefa

Presidente da Uefa desde 2006 e membro do Comitê Executivo da Fifa desde 2002, o francês é hoje o principal nome para suceder Blatter no comando da Fifa. Foi o presidente da Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 1998, na sua terra natal, a França.
Já mostrou habilidade política ao espalhar a Eurocopa de 2020 em 13 países diferentes e promover mudanças na Liga dos Campeões que beneficiaram países menores, como a introdução do chamado “caminho dos campeões” e “caminho dos não campeões”, que separa os times que ganharam o título nacional daqueles que ganharam vagas por ter sido segundos, terceiros ou quartos colocados nas suas ligas.
É sabido que Platini tem a pretensão de se tornar presidente da Fifa e já trabalha para ter o apoio necessário para isso em 2015, quando a eleição chegar. A pergunta é: de que lado estará Blatter?
Jérôme Champagne (FRA)

Candidato a concorrer à presidente desde a eleição de 2011, Champagne tem feito uma campanha para que a Fifa promova mudanças no futebol, incluindo a introdução de tecnologia, como o uso de replays para ajudar na tomada de decisões dos árbitros. O francês tem uma carreira como diplomata e morou em diversos países diferentes como Omã, Cuba, Estados Unidos e Brasil.
Champagne foi membro do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 1998 e trabalhou na Fifa por 11 anos em diversos cargos. O último deles foi de relações internacionais. Foi perseguido por dirigentes dentro da Fifa, como Mohamed Bin Hammam e Jack Warner – ambos banidos da Fifa por corrupção comprovada. Foi elogiado por Andre Jennings em 2010, quando foi demitido da Fifa, como um dos “poucos executivos da Fifa que são limpos”. Tem planos de voltar à entidade e ser presidente.
Joseph Blatter (SUI)

Apesar das negativas iniciais que seria candidato à reeleição, Blatter tem mudado o seu discurso nas últimas declarações a respeito da próxima eleição. Suas declarações dizendo “ninguém sabe o que enfrentaremos no futuro” mostra que ele ainda não desistiu completamente da ideia de concorrer mais uma vez. Só que o problema pode ser a mudança estatutária, que o impediria de concorrer à reeleição.
Outros membros do Comitê Executivo
Marios Lefkaritis (CHP)
Uefa (2007)
Foi presidente da Federação Cipriota de Futebol e é presidente honorário da entidade. É vice-presidente e tesoureiro da Uefa.
Jacques Anouma (CMA)
CAF (2007)
Marfinense, representa a CAF e é presidente da Federação Marfinense de Futebol desde 2002 e presidente da Associação de Membros do Oeste Africano.
Rafael Salguero Sandoval (GUA)
Concacaf (2007)
Ex-jogador, foi tesoureiro, secretário-geral e presidente da Federação Guatemalteca de Futebol. É membro e vice-presidente da Concacaf desde 1986 e faz parte do Comitê de Apelação da Fifa. Representa, claro, a Concacaf.
Hany Abo Rida (EGI)
CAF (2009)
Egípcio, membro do comitê executivo da CAF e vice-presidente da Federação Egípcia de Futebol. Foi jogador de futebol e é membro do comitê executivo da Federação Egípcia desde 1989. Representa a África no Comitê Executivo.
Vitaly Mutko (RUS)
Uefa (2009)
Ex-presidente da Federação Russa de Futebol, é representante da Uefa. Foi membro da Comissão de Desenvolvimento Técnico da FIFA e é membro da Força-Tarefa “Pelo Bem do Jogo”.
Mohamed Raouraoua (AGL)
CAF (2011)
É presidente da Federação Argelina de Futebol e foi presidente do USMA, clube da Argélia. Teve diversos cargos no governo Argelino.
Jim Boyce (IRN)
Uefa (2011)
Norte irlandês, presidente honorário da Federação Norte-Irlandesa de Futebol, da qual já foi presidente. Também presidiu o Cliftonville, clube do país. Representa a Uefa.
Manilal Fernando (SLA)
AFC (2011) – provisoriamente suspenso
Presidente do Comitê de Futebol de Sri Lanka. Foi suspenso por pedido de Michael Garcia, que lidera o processo de auditoria independente da Fifa. É aliado de Mohamed Bin Hammam, que foi afastado da entidade por corrupção.
Ali Bin Al Hussein (JOR)
AFC (2011)
Jordaniano, é representante da AFC no Comitê Executivo. O mais curioso é que ele é príncipe da Jordânia, segundo filho da rainha Alia. É presidente da Federação Jordaniana de Futebol e fundados da Federação do Oeste Asiático, que já possui 13 membros. Foi o responsável mudar a regra da Fifa que impedia que as mulheres jogassem usando véu.
David Chung (PNG)
OFC (2011)
Dirigente da Papua Nova Guiné, no Comitê Executivo da Fifa. É presidente da Confederação da Oceania de Futebol (OFC). Foi jogador, técnico e até árbitro antes de se tornar dirigente. Foi também presidente da Federação de Futebol da Papua Nova Guiné. Leva o crédito por ter profissionalizado o futebol da Papua Nova Guiné com a criação da Papua Guiné National Soccer League e apoiou o futebol feminino.
Jilong Zhang (CHN)
AFC (2011)
Presidente da Associação Asiática de Futebol. Substituiu Bin Hammam, acusado de corrupção e que foi afastado do cargo. Era vice-presidente e por isso assumiu o cargo quando o catariano foi afastado. Chinês de 61 anos, foi presidente da Federação Chinesa de Futebol.
Marco Polo Del Nero (BRA)
Conmebol (2012)
Único brasileiro no Comite Executivo atualmente, é vice-presidente da CBF e substituiu Ricardo Teixeira, que deixou o cargo na CBF e na Fifa após as ameaças de revelação pública das acusações de recebimento de propina. É o presidente da Federação Paulista de Futebol e membro do comitê executivo da Conmebol.
Lydia Nsekera (BDI)
CAF (2012)
Representante da CAF, Lydia é do Burundi e é a única mulher no Comitê Executivo da Fifa. Aos 45 anos, é presidente da Federação de Futebol do Burundi desde 2004 e foi nomeada para o Comitê Olímpico Internacional desde 2009.
Jérôme Valcke (FRA)
Secretário-geral (2007)
Participa do Comitê Executivo por ser secretário-geral da Fifa, cargo que passou a ocupar em 2007. Foi acusado de um envolvimento na negociação com a Visa para ser patrocinadora da Copa do Mundo, apesar do contrato vigente com a MasterCard. A Fifa perdeu o processo e teve que pagar US$ 60 milhões. Em 2011, Jack Warner revelou um e-mail onde Valcke teria dito que o Catar “comprou” a Copa do Mundo de 2022, o que foi desmentido depois pela Fifa e pelo próprio Valcke, dizendo que foi um mal entendido.