Por que o novo Mundial também pode ser nocivo para jogadores e torcedores
No Brasil se fala bastante sobre altitude -- e talvez não se fala suficiente sobre calor e as suas consequências

Copa América, ano passado. Peru jogando contra Canadá, em Kansas, um dos poucas partidas num horário mais cedo. Sol brilhando. E, logo antes do intervalo, um bandeirinha despenca. Tiveram que levar o cidadão para o hospital. Não estava aguentando o calor. E a nacionalidade de coitado? O Polo Norte? Sibéria? Nada disso. O sujeito era da Guatemala. Mesmo assim, estava quente demais para ele.
Sempre lembro disso quando olho para o calendário do futebol internacional. No sábado, se inicia outro torneio disputado nos Estados Unidos durante o alto verão. Ano que vem tem mais um.
Tem jogador sul-americano que vai ter que enfrentar essas condições em três anos consecutivos — e olhe que tem jogos agora e em 2026 acontecendo em horários bem mais cedo (e daí mais quentes) do que a Copa América de doze meses atrás que derrubou o nosso amigo guatemalteco.
Tem motivos reais para se preocupar.
Mundial exige muito dos jogadores e prejudica o espetáculo
Vejo o Mundial de Clubes simultaneamente como uma coisa muito boa e uma coisa muito ruim. Por um lado, é bacana trazer equipes dos quatro cantos do mundo. Mas a gente está colocando muitas exigências em cima dos jogadores, de um modo capaz de prejudicar a sua saúde, e quase garantido de prejudicar a qualidade do espetáculo.
No Brasil se fala bastante sobre altitude — e talvez não se fala suficiente sobre calor e as suas consequências. Claro, um jogo em La Paz é outra coisa, impondo grandes sacrifícios em cima de visitantes que não estão acostumados. Mas os especialistas parecem concordar que o calor extremo oferece um perigo bem maior.
Como o Thiago Silva frisou ultimamente, não se pode esperar a intensidade do futebol europeu no clima do Brasil. Simplesmente não dá. E no alto verão em algumas partes dos Estados Unidos, a temperatura pode ser ainda mais quente.

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Copa do Mundo de 1994 já mostrou problemas do calor
Lembro bem a primeira Copa do Mundo nos Estados Unidos, 31 anos atrás. O calor era protagonista. A grande final, Brasil contra a Itália, foi uma baita decepção. Segundo o técnico italiano, Arrigo Sacchi, o seu meio campista Roberto Donadoni falou o seguinte no intervalo: “Se a gente for para frente, a gente não vai conseguir voltar.” No calor extremo, um jogo cauteloso fica bem mais provável.
A expectativa em 1994 era que o Romário ia decidir o jogo, especialmente porque o zagueiro italiano, Franco Baresi, voltou às pressas depois de fazer uma cirurgia no joelho durante o torneio. Aconteceu que o Baresi colocou Romário no bolso. A conclusão dos dois técnicos, Sacchi e Carlos Alberto Parreira, foi que em essas condições de calor desumano, era melhor estar machucado do que estar cansado.
Isso, então, é o meu medo para as próximas semanas. Temo que as condições da Copa do Mundo dos clubes (e a Copa do ano que vem) possam ser nocivas tanto para a saúde dos jogadores, quanto para a paciência dos torcedores.
E um torneio sem graça é mais difícil emplacar. O objetivo deveria ser que depois da primeira Copa do Mundo de Clubes, o público já ficasse com água na boca esperando a segunda versão. Vai ser possível? Ou as esperanças de um novo evento forte vão cair que nem um bandeirinha guatemalteco?