Serie A

Sem engrenar na Serie A, Mihajlovic é demitido e encerra uma passagem marcada pela superação com o Bologna

Mihajlovic precisou se afastar do trabalho em dois momentos distintos para tratar uma leucemia e passou quase quatro anos no clube

Sinisa Mihajlovic construiu uma bonita relação com o Bologna a partir de 2019. O treinador conseguiu bons resultados no clube, mas sua passagem acaba mais marcada pela maneira como teve apoio em sua luta contra a leucemia. Foram dois períodos em que o sérvio precisou se afastar para o tratamento e, mesmo assim, continuou dedicando-se ao trabalho – com bons resultados em campo. O início da nova Serie A, porém, vê os rossoblù estagnados na parte inferior da tabela. O veterano acaba demitido após cinco rodadas sem vitórias, depois de 130 partidas à frente da equipe.

“Essa decisão infelizmente se tornou inevitável, apesar do forte vínculo de afeto criado com o clube e a cidade inteira, nesses emocionantes e dramáticos três anos e meio. Infelizmente, mesmo aqueles períodos esportivos que trouxeram satisfação como esse podem perder o fôlego e o embalo inicial. Agradecemos a Sinisa e sua comissão técnica por realizarem seu trabalho em circunstâncias extraordinárias e delicadas, num nível puramente humano, com excepcional dedicação e profissionalismo”, declarou o clube, em nota oficial.

Mihajlovic tinha sua história no próprio Bologna como treinador. O antigo craque iniciou sua carreira como técnico no Estádio Renato Dall'Ara. Durou apenas 22 partidas, entre 2008 e 2009, até ser demitido. Sua trajetória como técnico se desenrolou por outros clubes da Serie A depois disso. Dirigiu Catania e Fiorentina, antes de assumir a seleção da Sérvia. Teve um bom momento pela Sampdoria, para ganhar uma chance no Milan, onde não agradou. Depois, também faria papel razoável no Torino. Isso até emplacar o trabalho mais longo da carreira em seu retorno a Bolonha.

A estreia de Mihajlovic aconteceu em fevereiro de 2019, no lugar de Pippo Inzaghi, quando o Bologna se via ameaçado pelo rebaixamento na Serie A. Estreou com uma vitória fora de casa sobre a Internazionale, clube representativo em sua carreira como jogador. Cumpriu sua missão com êxito, ao somar nove vitórias em 17 partidas pelo Italiano, que levaram os rossoblù ao 10° lugar em 2018/19. Chegou a bater adversários de peso como o Napoli e o Torino. Indicava um trabalho promissor para a temporada seguinte, inclusive pelos reforços garantidos pela diretoria.

Em julho de 2019, no entanto, Mihajlovic descobriu a leucemia em exames de rotina. Pôde fazer o tratamento ainda na fase inicial da doença, recebeu um transplante de medula óssea e virou um exemplo na luta, pela maneira como continuava na ativa. Não afastou-se do trabalho do Bologna e, mesmo nos períodos mais agressivos, continuava em contato constante com o elenco. Seu esforço à beira do campo emocionou muita gente e ele retomou a rotina regular à frente dos rossoblù no segundo turno de 2019/20. Seria um período de preocupação, com cuidados redobrados por ser do grupo de risco durante o início da pandemia.

O Bologna não foi tão bem em 2019/20, mas conseguiu terminar no 12° lugar do Campeonato Italiano. Totalmente recuperado, Mihajlovic não se ausentou em uma partida sequer de 2020/21 e levou os rossoblù outra vez ao 12° lugar. Já um bom momento da equipe em campo ocorreu em 2021/22, com uma embalada largada no primeiro turno, que colocava o Bologna na briga pelas competições europeias. O time caiu de rendimento na virada dos turnos e, em março, o treinador acabou diagnosticado novamente com leucemia.

De novo, Mihajlovic se afastou do trabalho e precisou acompanhar o Bologna de longe. Ao mesmo tempo, os jogadores deram uma resposta e a equipe atravessou ótima fase na Serie A. A sequência positiva rendeu inclusive o prêmio de “Técnico do Mês” em abril para o sérvio. Outra cena marcante aconteceu após a vitória sobre a Inter, quando o elenco fez uma serenata na janela do hospital onde o comandante estava internado. De volta às atividades semanas depois, o sérvio pôde encerrar a campanha do Italiano à beira do campo, com o 13° lugar.

Todavia, apesar da relação bonita e da história construída, o técnico é cobrado pelos resultados em campo. Mihajlovic não conseguiu entregar vitórias neste início de Serie A. A equipe somou três pontos em cinco partidas. Empatou contra Spezia, Salernitana e Verona, além de perder para Lazio e Milan. Não era da tabela mais simples, mas obviamente se esperava mais. E, com os desgastes naturais de uma relação de quase quatro anos, a mudança acaba anunciada nesta terça-feira.

O presidente Joey Saputo comentou a escolha: “É a decisão mais difícil que tomei como presidente do Bologna. Ao longo dos anos tivemos momentos maravilhosos e dolorosos com Sinisa, que cimentou um relacionamento que não era apenas profissional, mas acima de tudo humano. Mihajlovic enfrentou a doença com coragem e determinação desde o primeiro dia em que a tornou pública, com uma comovente entrevista coletiva. Desde então, apesar das internações e tratamento, ele esteve sempre próximo do time, dando o máximo esforço para estar em contato com os jogadores, pessoalmente ou por vídeo, graças também ao profissionalismo da equipe técnica”.

“O clube e a cidade inteira abraçaram Mihajlovic durante essa difícil experiência pessoal, por mais que ele pedisse sempre, e com razão, para ser avaliado apenas por seu trabalho. Agora, infelizmente, chegou o momento de uma mudança no comando, uma decisão difícil que tivemos que tomar para o bem do elenco e do clube. Mas, mesmo que Sinisa não seja mais o técnico, o clube e todas as pessoas nele estarão sempre ao seu lado, até a recuperação completa e no resto de sua carreira”, finalizou.

Entre os candidatos ao cargo, a imprensa italiana cita nomes como Claudio Ranieri e Thiago Motta. Mostram como o Bologna não pensa num modelo de jogo, mas sim numa figura de peso – entre um medalhão e um técnico promissor. Já Mihajlovic permanecerá como um personagem muito querido no Renato Dall'Ara, por sua energia e pela dedicação ao clube mesmo em momentos tão difíceis. Esse trabalho com os rossoblù segue o credenciando para outras passagens em clubes médios da Serie A – quem sabe, para superar as expectativas, como ocorreu em seu início pelo Bologna.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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