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Itália vai proibir uso de número de camisa por remeter ao nazismo

Declaração de intenções assinada pelo Ministro do Interior é fruto da união entre política e esporte em medidas contra o antissemitismo

O governo italiano assinou uma declaração de intenções com a ideia de combater o antissemitimso no país e algumas das medidas envolvem diretamente o futebol. Mais do que isso: será uma medida dura para combater toda a simbologia que remete ao nazismo, algo que, infelizmente, acontece com frequência no futebol italiano. Entre as medidas, está a proibição do uso de um número de camisa: o 88, associado a movimentos neonazistas.

A declaração de intenções foi assinada pelo Ministro do Interior Italiano, Matteo Piantedosi, o Ministro do Esporte e Juventude, Andrea Abodi, e o coordenador nacional da luta antissemita, Giuseppe Pecoraro. No documento, há diversos compromissos assinados pelas partes e um deles é proibir o uso do número 88. A luta contra o antissemitismo é um tópico muito forte no momento na política italiana.

A medida já tinha sido anunciada no verão europeu de 2022, ou seja, há um ano, mas acabou não sendo implementada. Com isso, os jogadores puderam continuar vestindo a camisa 88 na temporada 2022/23. Desta vez, porém, será pedido para que nenhum jogador vista o número a partir da temporada 2023/24.

“Obrigado por nos envolver nesta jornada desde o início”, afirmou Brunelli, CEO da Serie A. “O compromisso que estamos assumindo é em nome de todo o mundo do futebol. Um compromisso solene que queremos respeitar, feito de muitas coisas concretas. O nosso mundo é feito de clubes e membros que chegam a todas as partes do território: poder envolvê-los, responsabilizá-los é um desafio ambicioso, mas ao nosso alcance”. 

Por que o número 88 é associado ao nazismo?

O número é usado por grupos neonazistas como uma simbologia que representa o “Heil Hitler”, saudação que significa “salve Hitler”, em tradução livre. A associação é porque o 88 remete a HH por ser a oitava letra do alfabeto. Essa numeração é usada por torcedores fascistas, alguns até com o nome “Hitlerson” (algo como “filho de Hitler”).

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Outras medidas contra o nazismo na Serie A

Além da proibição do uso do número, outras medidas serão tomadas e uma delas é que qualquer uso de símbolos nazistas por torcedores estará passível de punição. Será incorporada a definição internacional de referências antissemitas no código de ética dos clubes. Com isso, as medidas serão:

  • Proibição dos torcedores usarem símbolos que remetam ao nazismo;
  • Responsabilidade de manter uma linguagem não-discriminatória em todas as manifestações públicas;
  • A definição dos procedimentos por interromper as partidas em casos de episódios de discriminação.

Segundo Matteo Piantedosi, a atitude proativa dos clubes no campo será avaliada positivamente. Esperamos que essas medidas todas valham não só para casos de antissemitismo, que é fundamental, mas também para casos de racismo, muito frequentes no futebol como um todo e na Itália, especificamente.

Jogadores que usaram a camisa 88 na Itália

Dois jogadores vestiram o número 88 na temporada passada. O meio-campista Mario Pasalic, da Atalanta, que veste esse número desde que chegou ao clube de Bergamo. Ele nunca tinha vestido o número antes. Jogou com a 32 e com a 8 no Hadjuk Split, na sua nativa Croácia, a 24 no Elche, 20, 15, 14 e 7 no Monaco, 80 no Milan e 50 no Spartak Moscou, último clube antes de chegar à Atalanta.

Quem também vestiu a camisa 88 antes foi Toma Basic, da Lazio. Ele veste a camisa 88 desde que chegou à Lazio, em 2021. O meia vestiu diversas camisas no seu clube de formação, NK Rudes, na Croácia (18, 17, 15, 14, 10, 9, 8, 7 e 4). Nas quatro temporadas que passou no Hadjuk Split, vestiu a camisa 26, mesmo número que vestiu no Bordeuax, onde também vestiu a 8, a 13 e a 11. Antes de chegar à Lazio, vestia a 26 novamente no Bordeaux.

Outros jogadores já vestiram esse número no passado. Um deles foi Seydou Doumbia, marfinense que defendeu a Roma e vestiu esse número na temporada 2014/15, a única que jogou pelo clube italiano. Foi um número muito frequente a sua carreira, tendo vestido também no Spartak Moscou, Basel, Sporting, Sion e Hamrun Spartans, de Malta, seu último clube na carreira.

Outro jogador a vestir o número foi Mateusz Praszelik, polonês, na temporada 2021/22, quando defendeu o Verona. Na temporada seguinte, ele mudou para o número 28. Atualmente no Cosenza, ele veste a camisa 17. Marco Borriello, ex-atacante, foi outro a vestir o número quando defendeu a Roma, em 2013/14. O jogador está aposentado.

Um brasileiro também vestiu o número: Hernanes, quando deixou a Lazio para defender a Inter de Milão, nas temporadas desde janeiro de 2014, ainda na temporada 2013/14, 2014/15 e 2015/16. Isso porque o meia vestia a camisa 8, seu número preferido, na Lazio. Na Inter o número estava ocupado, então ele escolheu usar o 88.

Outro jogador a usar a 88 foi o goleiro Gianluigi Buffon, quando jogou pelo Parma. O uso do número foi breve e teve muita polêmica, como contamos a seguir.

Buffon usou o 88, foi acusado de nazismo e teve que se explicar

Alguns jogadores já utilizaram o número, como o lendário goleiro Gianluigi Buffon, em sua primeira passagem pelo Parma. Isso fez com que houvesse preocupações e até acusações que o goleiro tivesse inclinações fascistas.

Isso ainda piorou mais porque Buffon foi visto usando uma camiseta vestindo o slogan “Boia chi molla”, ou “morte aos covardes”, que um dia foi usada por Benito Mussolini, líder fascista italiano do começo do século 20. A comunidade judaica cobrou o goleiro, o que fez o goleiro até mesmo ter que ir a público falar sobre o assunto.

No dia 8 de setembro de 2000, quando ainda defendia o Parma, Buffon, então com 22 anos, deu uma coletiva de imprensa para falar sobre o assunto. “Eu escolhi o 88 porque me lembra de quatro bolas e na Itália todos sabemos o que significa ter bolas: força e determinação. E nesta temporada, eu tenho que ter a bolas para voltar a ter o meu lugar na seleção italiana”, afirmou o goleiro.

“No começo, eu não escolhi o 88. Eu queria o 00, mas a liga me disse que era impossível. Também considerei colocar 01, mas não era considerado um número efetivamente. Eu gostava do 01 porque era o número que o carro de General Lee usava na série de TV Dukes of Hazzard (no Brasil, ‘Os Gatões’)”.

Buffon disse que o holocausto “o deixava com nojo” e que esse rumor sobre a sua associação ao nazismo o magoou muito. Mais do que isso, ele se mostrou disposto a mudar. “Estou pronto para mudar de número se isso ajudar. Eu não sabia do significado escondido do 88”.

O goleiro ainda precisou explicar o uso da camiseta com os dizeres “Boia chi molla” e justificou que foi um erro inocente. “Quando vesti aquela camisa, eu fui estúpido porque eu não sabia que era uma frase usada pelo regime fascista”.

Naquela mesma temporada, o goleiro recebeu autorização para trocar o número 88 para 77, que foi o efetivamente utilizado até o fim da temporada 2000/01. Ele ainda trocaria para a camisa 1 no Parma e sempre vestiu esse mesmo número, 1, na Juventus, onde passou a maior parte da carreira (de 2001 até 2017, e depois de 2019 a 2021). No retorno à Juventus, aliás, ele voltou a vestir o 77, já que o goleiro Wojciech Szczesny estava com a camisa 1.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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