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Depois de 31 anos, chega ao fim a era Berlusconi: o Milan agora é dos chineses

Foram mais de dois anos de uma trama que parecia que não teria nunca um desfecho. Desde 2015 a venda do Milan está sendo negociada. Dos negócios arruinados com o bilionário tailandês Bee Taechaubol, as tratativas passaram a envolver chineses misteriosos e consórcios de nomes mutantes. E meses foram passando enquanto a data para a conclusão da venda era sempre adiada por motivos suspeitos. E mil e uma teorias conspiratórias começaram a ser levantadas, além das expectativas dos rossoneri e da imprensa italiana terem começado a expirar. Desta vez, porém, a negociação enfim aconteceu. Depois de 31 anos no comando de um dos maiores clubes da Europa, Silvio Berlusconi assinou os contratos que autorizam que 99,93% do Milan seja, agora, de propriedade dos chineses.

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Foi na tarde desta quinta-feira, de acordo com o horário de Milão, que aconteceu a reunião onde ficou decidido que os 99,93% que a Fininvest, a agora ex-principal acionista do clube e holding encabeçada pela família Berlusconi, tinha direito sobre o Milan, passam a ser do consórcio chinês denominado Rossoneri Sport Investment Lux, capitaneado por Li Yonghong e David Han Li. Assim, o Diavolo se junta à sua arquirrival, a Internazionale, no hall de grandes clubes que tiveram que se abrir ao capital estrangeiro. Ou, mais especificamente, ao asiático. Porque assim como a Inter, ou até em um nível um pouco mais agravante, a situação dos rossoneri estava praticamente sustentável considerando o porte do clube. Era isso ou ver o barco afundando cada vez mais, até que chegasse o momento em que ele estivesse completamente imerso.

A verdade é que a vida política de Berlusconi e todos os escândalos e polêmicas nos quais se envolveu impactaram negativamente em seu gerenciamento do clube. Silvio foi primeiro-ministro da Itália entre 1994 e 1995, de 2001 a 2005, entre 2005 e 2006 e de 2008 a 2011. De 2013 para cá, o então presidente rossonero foi condenado a cumprir prisão por tentar “comprar” um senador nas eleições de 2006, além de ter sido acusado de prostituição de menores e abuso de poder em um episódio que ficou conhecido como “caso Ruby”. Tudo isso, sem dúvidas, abalou sua gestão, porque embora tudo tenha acontecido durante a o período de triunfos constantes da história do Milan, os julgamentos só foram feitos anos depois.

Segundo o comunicado oficial publicado pela Fininvest, “o encerramento é a última etapa do contrato de compra assinado em 5 de agosto de 2016 e renovado em 24 de março pelo diretor-presidente da Fininvest, Danilo Pellegrino, e David Han Li, como representante da Rossoneri Sport Investment Lux. Os termos do acordo são os mesmos divulgados em agosto e refletem uma avaliação agregada do AC Milan igual a € 740 milhões, valor que inclui o endividamento do clube, que era de € 220 milhões em 30 de junho de 2016. Um reembolso de € 90 milhões para custos de funcionamento do AC Milan antecipado pela Fininvest a partir de 1 de Julho de 2016, até à data, somam-se à avaliação”.

O anúncio também fala que acontecerá nesta sexta-feira uma assembléia entre os novos acionistas do Milan, na qual serão nomeados o presidente do clube e os membros da nova diretoria. E tudo indica que Yonghong Li ocupará o cargo de Silvio Berlusconi na nova administração do clube rossonero. É bem provável também que Marco Fassone, que fez um bom trabalho na Inter, assuma como seu CEO, função ocupada por Adriano Galliani desde que o Diavolo deixou de ser propriedade de Rosario Lo Verde. E se a nova gestão seguir com estes nomes mesmo, Massimiliano Mirabelli, outro ex-membro da diretoria interista, ascenderá ao cargo de diretor esportivo, o qual estava sendo preenchido por Galliani desde que Ariedo Braida foi para o Barcelona, em janeiro de 2015.

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Isto é, são dois conhecidos em Milão e outro totalmente desconhecido na Itália assumindo responsabilidades gigantescas. Além do mais, Berlusconi não deve se tornar presidente de honra do Milan, conforme os boatos dizem. Seria simbólico e uma forma de não quebrar uma história de mais de três décadas da noite para a dia. É, no entanto, improvável que depois de tantos anos no poder, uma figura ambiciosa e tão apegada ao clube aceite um cargo sem nenhuma autonomia.

Com a promessa verbal e escrita de que a Rossoneri Sport Investment Lux desembolsará toda a grana necessária para recolocar o Milan nos mais elevados patamares, Silvio deixa o Diavolo. Mas não só com isto. Isto não tem mais relevância do que tudo o que os rossoneri conquistaram e foram durante a era Berlusconi. Das sete vezes que o Milan chegou ao cume da Europa, cinco foram sob o comando de Silvio. Quase metade dos Scudetti foi faturada ao longo dos últimos 31 anos. São, ao todo, 30 títulos alcançados graças à gestão de excelência que Berlusconi manejou por tanto tempo. Foram inúmeras contratações de sucesso impulsionadas por Galliani, inúmeros técnicos que fizeram a diferença, inúmeros jogadores que decidiram vestir a camisa do Milan por conta do poder de negociação do careca, e, no clube, chegaram ao seu mais alto nível, ao auge de suas carreiras.

Foram anos dourados, de muitas glórias e resultados brilhantes, mas o saldo negativo começou a aparecer nos últimos tempos, e a única forma de espantá-lo era com essa venda. Esta quinta-feira marca um momento memorável na história rossonera. O Milan agora está em mãos que nunca esteve antes, depois de 31 anos sendo gerido por alguém que defendia o clube com unhas e dentes e é claramente apaixonado pelas cores vermelha e preta. São essas mãos que têm o compromisso de restabelecer um time que perdeu suas forças na Itália e na Europa. Para isso, essa nova administração precisa olhar para o lado e ver tudo o que se passou com a Internazionale na primeira vez que os nerazzurri foram vendidos, para que os mesmos erros não sejam cometidos no lado vermelho de Milão.

“Hoje, depois de mais de 30 anos, eu deixo a posição de presidente do AC Milan. Faço isso com dor e emoção, mas com a consciência de que no futebol moderno, competir com os grandes clubes europeus e a nível mundial requer investimentos e recursos que uma única família não consegue sustentar”, disse Silvio Berlusconi em mensagem de adeus postada em sua página no Facebook. “Nunca esquecerei as emoções que o Milan nos deu. Nunca esquecerei todas as pessoas que estão agradecendo por eu ter sido capaz de presidir este clube que ganhou tanto”.

Berlusconi prosseguiu agradecendo aos “grandes treinadores e grandes campeões que possibilitaram esses feitos que permanecerão para sempre na história do futebol”, e deixando um abraço para “todos aqueles, em cargos diretivos, técnicos, administrativos e intermediários, que fizeram o Milan ser não apenas um time, mas um exemplo de clube no mundo do futebol”. “Entre todas essas pessoas, a primeira a ser mencionada é Adriano Galliani, que foi incansável construtor e motor do nosso Milan. Aos nossos milhões de torcedores que lotaram os estádios ao redor do mundo para gritar ‘Forza Milan', aos tantos que ainda que estejam fisicamente distantes, sempre estiveram perto perto de nós em simpatia e entusiasmo. Sem eles, nosso Milan vencedor nunca teria existido. Com eles, ganhamos tudo que poderíamos ter ganhado”, falou ainda Silvio.

“Quero dizer que, se vou deixar todas as funções operacionais e representativas, serei, antes de tudo, um torcedor do Milan, o time que meu pai me ensinou a amar quando criança, o sonho que conseguimos juntos. Para os novos dirigentes, dirijo os mais cordiais e bons desejos, e espero que eles possam alcançar objetivos ainda mais extraordinários do que nós. Àqueles que permanecem, desde os jogadores, o treinador e os funcionários do clube e até os nossos fãs, expresso os mais afetuosos desejos de grande sucesso, e espero que cada um deles possa alcançar cada um dos sonhos que eles têm no esporte e em vida. Mais uma vez, obrigado a todos”.

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Foto de Nathalia Perez

Nathalia Perez

Jornalista em formação trabalhando a favor de um meio esportivo mais humano. Meus heróis sempre foram jogadores de futebol, mas hoje em dia são muito mais heroínas.
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