
Poucas vezes na história do futebol podemos conhecer as histórias e os bastidores de grandes times partindo da perspectiva dos técnicos. Quando isso acontece, é natural o fascínio com os detalhes e ideias que estão por trás de alguém que impulsiona uma equipe à glória. Melhor ainda quando falamos daquele esquadrão que povoou o imaginário dos apaixonados pelo futebol nos anos 1980: o grande Milan de Arrigo Sacchi.
Em seu livro recém-lançado, chamado “The Immortals”, Sacchi reconta como arquitetou aquele que foi o time mais revolucionário de seu período, varrendo a Europa e dominando a Itália com grandes jogadores e táticas que nortearam a evolução do futebol na década de 1990. Um dos excertos de maior destaque, republicado pelo site do Guardian, conta algumas passagens do treinador com o atacante Marco van Basten, estrela do ataque milanista e que teve sua carreira dramaticamente abreviada por lesões crônicas.
LEIA TAMBÉM:
Sacchi revelou detalhes de sua relação com Marco, que em primeiro momento lhe parecia bastante arrogante e esnobe, sobretudo por estar na Itália e preferir lidar apenas com pessoas holandesas de sua confiança, por achar que os italianos fossem cidadãos brutos e mal educados: “Se ele tivesse um calo no pé, ligava para um podólogo holandês. Se tivesse dor de dente, ia a um dentista holandês. Se precisasse cortar o cabelo, ia a um barbeiro holandês. Cansei daquilo, cheguei a ele e disse: ‘Escute, quando estávamos ganhando Copas do Mundo, vocês ainda estavam debaixo d'água'. No fim, o convencemos a parar com aquilo. E somente no Milan é que ele virou aquele Van Basten. Nunca venceu a Bola de Ouro jogando na Holanda, mas na Itália…”
Reaprendendo a jogar
Outro trecho bastante curioso, que mostra como Sacchi pensava o futebol de maneira peculiar, é quando ele conta como instigava Van Basten a superar defesas adversárias, o que colaborou para que o holandês tivesse um repertório mais diversificado de jogadas ofensivas.
Para motivar o jogador, Arrigo apostava caixas de champagne: “Marco, vou colocar quatro defensores em campo. Você escolhe dez para o seu time, sem goleiro. Vamos afastar a bola até o meio-campo e a sua missão é tentar marcar um gol na gente, em 15 minutos. Caso você consiga, seu time vence. Queria mostrar a ele como quatro jogadores organizados são mais fortes do que 10 improvisados. O time dele nos atacou, atacou, mas não marcou gols. E se eu fizesse Marco pagar cada uma das caixas que apostamos, estaria bebendo até hoje”, conta o italiano. Sob seu comando, van Basten aprendeu a pressionar os defensores na saída de bola, o que virou uma característica de estilo do Milan, que defendia muito bem e atacava a partir de sua primeira linha.
Apesar do que possa parecer, Sacchi virou grande admirador de van Basten quando o holandês se tornou treinador, embora Marco jamais tenha alcançado o potencial que se esperava dele enquanto comandante. O elogio também contextualizou como outros ex-atletas de Sacchi conduziram suas carreiras após pendurarem as chuteiras: “Você precisa de paixão e profissionalismo. Gullit, por exemplo, não tinha paixão. Naturalmente, gosto muito de Carlo Ancelotti, que começou treinando ao meu lado. Mas preciso dizer que foi nos times de van Basten que vi algo mais aproximado das minhas ideias. Era bem feito. Uma vez, quando ele estava à frente da Holanda, conversamos e ele me confessou que vendo as coisas pelo outro lado, que não o do atleta, entendeu o quanto havia me causado problemas no passado. Respondi que, se servisse de consolo, ele me resolveu inúmeros problemas também”.
- - ↓ Continua após o recado ↓ - -
Serviço
O livro de Sacchi está disponível na Amazon para o Brasil. “The Immortals” tem foco na temporada 1988-89, quando o Milan arrancou do título da Serie A ao topo da Europa, causando enorme impacto pelo futebol ofensivo praticado e pela organização defensiva apoiada no talento de Franco Baresi, Paolo Maldini, Alessandro Costacurta e Mauro Tassotti, entre outros. A publicação está disponível em formato e-book e impresso.