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Controverso, brilhante e um enorme campeão: Ibrahimovic surpreende e se aposenta aos 41 anos

Na sua despedida do Milan, Ibrahimovic pegou todos de surpresa e anunciou que está dando adeus ao futebol

O Milan preparou uma cerimônia ao fim da sua última rodada do Campeonato Italiano para se despedir de Zlatan Ibrahimovic. Havia confirmado a jornalistas que o sueco de 41 anos não renovaria contrato, mas ainda na sexta-feira ele havia dito à Gazzetta dello Sport que pretendia continuar jogando para disputar a Eurocopa de 2024. E acabou pegando todo mundo de surpresa. Em vez de dizer adeus ao clube rossonero, deu adeus ao futebol. O fim da carreira de um dos melhores atacantes dos últimos 20 anos, extremamente técnico, capaz de lances incríveis e com uma prateleira gigante de troféus, mesmo que nunca tenha tido sucesso na Champions League.

Em uma entrevista coletiva depois da cerimônia, Ibrahimovic afirmou que não contou nem para o Milan quais eram seus planos. “Não falei para ninguém que deixaria o futebol. Disse apenas ao clube para fazer algo para o último jogo, mas eles não sabiam que era aposentadoria”, afirmou Ibrahimovic que nesses últimos anos adotou um personagem extremamente arrogante que divide opiniões. “Eu vi que estava chovendo e disse: até Deus está triste. Agradeço os jornalistas pela paciência, agora vocês terão menos trabalho sem mim. Eu sou um homem livre do mundo do futebol. Foi uma longa carreira, muito longa. Agradeço todos que me deram força, adrenalina e emoção para continuar. Apenas três meses atrás, eu sentia pânico pela ideia de me aposentar, mas hoje aceito e me sinto preparado. Um pouco triste, claro”.

A carreira de Ibrahimovic começou no Malmö e foi um dos 800 jogadores que quase foram contratados por Arsène Wenger pelo Arsenal quando ainda eram muito jovens. A sua transferência acabou sendo para o Ajax, em 2001. Passou três anos em Amsterdã. Começou a encantar o público, como com aquele golaço contra o NAC Breda, costurando toda a defesa adversária, em agosto de 2004, quando estava prestes a ir embora. Conquistou duas vezes a Eredivisie. O segundo título deu início a uma sequência que sempre o orgulhou, com motivo: entre 2003 e 2011, Ibrahimovic foi campeão da liga nacional em todas as temporadas, também levantando troféus por Juventus, Internazionale, Barcelona e Milan (parênteses: os scudettos pela Juventus foram revogados, após o escândalo do Calciopoli, mas, em campo, Ibrahimovic ficou com eles).

Os dois anos na Juventus o colocaram nos holofotes, fazendo duplas poderosas com Alessandro Del Piero e David Trezeguet, embora o segundo não tenha sido tão bom assim. Também começou a colecionar decepções na Champions League, com duas eliminações nas quartas de final contra Liverpool e Arsenal. Quando explodiu o escândalo do Calciopoli, talvez o jogador com menos perfil para encarar a segunda divisão fosse Ibrahimovic, agenciado pelo complicado e poderoso Mino Raiola, que ameaçou entrar com um processo legal caso a Velha Senhora não chegasse um acordo para negociá-lo. Ibra acabou vendido para a Internazionale por um valor relativamente baixo de cerca de € 25 milhões.

Ibrahimovic expandiu sua história no futebol italiano como um dos principais jogadores de um momento de domínio da Inter. Sem a ameaça da Juventus, os nerazzurri conquistaram cinco edições consecutivas da Serie A – contando o segundo scudetto revogado pela Justiça, que acabou sendo creditado a eles. O atacante participou de três deles, dois com Roberto Mancini e um com José Mourinho. Foi pela primeira vez artilheiro da competição, com 25 gols em 2008/09. Mas, novamente, não deu para chegar longe na Champions League: nos três anos, parou nas oitavas de final contra o Valencia, Liverpool e Manchester United. Talvez querendo tirar logo isso da frente, transferiu-se para o Barcelona, que havia sido campeão europeu na temporada anterior e começava a construir uma hegemonia sob o comando de Pep Guardiola.

Mas a vida às vezes é engraçada. A contratação de Ibrahimovic é quase um marco de um Barcelona que começou a fazer mais contratações midiáticas para rivalizar com o Real Madrid nas manchetes e também um dos grandes desastres do mercado nos últimos anos. Nem tanto pelos números porque ele entregou 22 gols em 46 jogos. Principalmente, porque significou abrir mão de Samuel Eto’o, trocado à Inter, que eliminaria o Barcelona em uma famosa semifinal e completaria a Tríplice Coroa com Mourinho. Ibrahimovic não apenas deixou San Siro na hora errada, como a sua transferência deu ao seu antigo clube uma outra arma poderosa para despachá-lo da competição.

Ele nunca se encaixou no estilo de Pep Guardiola, nem em campo e nem nos vestiários. Quase imediatamente ele culpou o técnico catalão pelo fracasso da sua passagem pelo Camp Nou – “o meu problema foi um homem, o filósofo” – e o rancor seguiu até os dias de hoje. Ainda em 2022, disse que não sabe se Guardiola seria capaz de melhorar Erling Haaland. “Depende do ego de Guardiola, se irá permitir que Haaland seja maior que ele ou não. Não permitiu que eu e os demais fôssemos tão grandes”, afirmou, em novembro do ano passado.

Contratado por cerca de € 50 milhões, Ibrahimovic representou um prejuízo financeiro alto para o Barcelona quando foi negociado após um único ano com o Milan, primeiro por empréstimo, depois por módicos € 24 milhões. Determinado a provar que o problema era mesmo Guardiola, contribuiu com 14 gols para a conquista do seu primeiro scudetto pelo clube rossonero. Depois, já contratado em definitivo, fez uma das melhores temporadas da sua carreira, com 35 gols em 44 jogos por todas as competições e foi artilheiro da Serie A pela segunda vez. Sabe o que não deu para fazer? Chegar longe na Champions League, com mais uma eliminação nas oitavas de final e outra nas quartas.

Em 2012, ao lado do colega Thiago Silva, Ibrahimovic foi a primeira grande estrela contratada pelo projeto petrolífero do Paris Saint-Germain. Os € 21 milhões pagos pelo seus serviços transformaram-no no jogador que mais movimentou dinheiro na história naquele momento, com um total de aproximadamente € 170 milhões – o que hoje em dia às vezes troca de conta por um único atleta. Ibrahimovic precisou de apenas quatro temporadas para colocar o seu nome entre os maiores jogadores do PSG, com 156 gols em 180 partidas. Recuperou a sua sequência de conquistas de ligas nacionais, que havia sido quebrada pelo título italiano da Juventus em 2011/12 com um tetracampeonato. Foi artilheiro da Ligue 1 três vezes e durante dois anos teve a honra de ser o maior goleador da história do PSG, superado por Cavani e depois Kylian Mbappé. Na Champions… bom, deixa para lá (não passou das quartas).

Ibrahimovic começou a entrar na fase veterana da sua carreira e nunca mais teria uma oportunidade real de conquistar a Champions League – ou pelo menos disputar uma final. Ao fim do seu contrato, decidiu se reunir com José Mourinho no Manchester United. A última vez em que foi de fato um dos melhores jogadores do mundo. Marcou 28 gols em 46 partidas por todas as competições, 17 na Premier League. Conquistou a Copa da Liga Inglesa e seu único título europeu, embora uma lesão no ligamento cruzado do joelho no final de abril de 2017 o tenha impedido de disputar as últimas fases daquela Liga Europa. O infortúnio também foi um marco em sua carreira. Retornou em novembro e fez apenas mais sete partidas pelos Red Devils antes de se transferir ao Los Angeles Galaxy da Major League Soccer, geralmente o que grandes jogadores fazem para arrecadar mais uma graninha antes da aposentadoria.

Embora não tenha sido campeão nos Estados Unidos, o contraste era absurdo. Ibrahimovic marcou 53 gols em 58 jogos pelo Los Angeles Galaxy e às vezes parecia que era uma adulto enfrentando crianças, pela facilidade com que conseguia se impor fisicamente, mesmo com quase 40 anos, e pela naturalidade com que fazia jogadas incríveis. Ele foi especialmente cruel no clássico local contra o Los Angeles FC. Disputou seis, marcou nove gols e perdeu apenas um, o mais importante, em sua única aparição nos playoffs da MLS, em 2019. O Galaxy foi derrotado por 5 a 3 e foi eliminado na semifinal da Conferência Oeste. E quem achava que a aventura americana era o fim da linha para Ibrahimovic estava errado. Ele teria uma prorrogação relevante.

Nem tudo que coincide tem uma relação de causalidade. Por exemplo, a chegada de Ibrahimovic ao Milan, em janeiro de 2020, aconteceu pouco antes de uma guinada quase brusca que levou o clube de volta à Champions League e ao seu primeiro título do Campeonato Italiano desde aquele que ele havia conquistado em 2010/11. Pode ser que não tenha sido necessariamente por causa da liderança do veterano sueco, mas é inegável que ele ajudou a fortalecer a mentalidade de um elenco jovem, mesmo que as muitas lesões tenham limitado seu tempo em campo. Quando retornou, o momento não era bom. A última partida do Milan, no ano anterior, havia sido uma goleada por 5 a 0 para a Atalanta. O meio da tabela era a realidade. Mas, se não deu para chegar à Champions League naquela temporada, a sequência invicta depois da paralisação pela pandemia foi promissora. Ibra fez 10 gols em 18 jogos naqueles primeiros seis meses.

O Milan conseguiu carregar o embalo para o ano seguinte e finalmente retornou à Champions League, com 17 tentos do sueco, maior artilheiro do time em todas as competições. As lesões começaram a ter um peso maior no segundo ano completo de Ibrahimovic. Ele ainda conseguiu contribuir com oito gols para a conquista do scudetto, mas seus minutos em campo despencaram. Foi quando o papel de liderança começou a ganhar mais destaque. Foi comum ver Ibrahimovic com roupas de civil orientando a equipe na linha lateral, como se fosse um segundo treinador. Em certo momento, não conseguia mais ajudar de outra maneira. Depois do título, passou por cirurgia para tratar uma lesão no joelho esquerdo. Fã de hipérboles, disse que durante seis meses jogou sem um ligamento cruzado anterior no joelho esquerdo. Apesar da idade e do longo tempo de recuperação, renovou contrato por mais uma temporada, justamente porque o Milan não queria abrir mão da sua forte presença nos vestiários. Conseguiu fazer apenas quatro jogos, com um gol.

Ibrahimovic inicialmente queria ficar mais um ano em atividade com a ideia de chegar à próxima Eurocopa. Talvez com a esperança de finalmente emplacar uma grande campanha pela seleção sueca. Ele tem seus números, maior artilheiro da história do país com 62 gols (em apenas 122 partidas), e um dos lances mais sensacionais da sua carreira foi uma bicicleta de fora da área em amistoso contra a Inglaterra, quando foi responsável pelos quatro tentos da vitória por 4 a 2. No entanto, para a sua qualidade, o retrospecto nas principais competições é fraco. Disputou apenas duas Copas do Mundo, a primeira na posição de novato, e nunca passou das oitavas de final. Ficou fora da África do Sul e do Brasil. Estava afastado da seleção quando a Suécia chegou às quartas em 2018 na Rússia.

Pelo menos sempre conseguiu vaga para a Eurocopa, mas, depois das quartas de final em 2004, parou sempre na fase de grupos. Depois da última decepção, em 2016, aposentou-se do time nacional. Retornaria cinco anos depois, pensando em disputar a Euro 2020 – realizada em 2021 por causa da pandemia. Os problemas físicos não permitiram. Acabou fazendo apenas seis partidas nesse segundo período e não sentiu o gostinho de disputar outro torneio importante com a Suécia, que não se classificou para o Catar.

É difícil dizer com qual clube um cara tão rodado quanto Ibrahimovic mais se identifica. Ele está no panteão do Paris Saint-Germain, foi extremamente bem sucedido pela Internazionale e, se os títulos pela Juventus se foram na Justiça, as memórias ficam. Como nunca foi campeão europeu, talvez não tenha aquela conquista super marcante, apesar de ser um dos jogadores que mais levantaram troféus na história. No fim, também será muito associado ao Milan por tê-lo ajudado a conquistar dois scudettos em momentos diferentes, e ambos muito queridos, quebrando longos jejuns. Na Itália, sua torcida é clara.

“Tantas memórias e emoções dentro deste estádio”, disse Ibrahimovic, no campo de San Siro, para a torcida. “A primeira vez que cheguei, vocês me deram felicidade. Na segunda vez, vocês me deram amor. Eu quero agradecer minha família e as pessoas próximas a mim pela paciência. Eu quero agradecer minha segunda família. Os jogadores, o técnico e sua comissão técnica pela responsabilidade que me deram. Eu quero agradecer os diretores pela oportunidade que me deram. Por último, do meu coração, quero agradecer os torcedores. Vocês me receberam de braços abertos e eu serei milanista para o resto da vida. É hora de dizer adeus ao futebol, mas não a vocês. Eu os vejo por aí, se vocês tiverem sorte. Forza Milan e adeus”.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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