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Van Gaal abre o jogo: problemas no United, fake news, os jovens e sua filosofia

A personalidade forte de Louis van Gaal faz com que ele não seja uma unanimidade, apesar de todo o sucesso que conquistou em três décadas como treinador profissional. Mas também faz com que ele seja um ótimo entrevistado, sem meias palavras. “A imprensa gosta de mim porque eu dou respostas honestas. Quantas pessoas no futebol dão respostas honestas? Eu não minto. Sempre a verdade. Ok, a minha verdade. Mas a verdade”, afirmou o veterano, Manchester United, três anos atrás, em uma situação que o desagradou.

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Van Gaal chegou ao United com a missão de colocar a casa em ordem, depois da errada escolha de apostar em David Moyes para ser o sucessor de Alex Ferguson. O clube queria um nome forte, com sucesso comprovado, e encontrou tudo isso no holandês. Van Gaal queria apenas dois anos de contrato. A cúpula vermelha convenceu-o a aceitar três. E o demitiu ao fim de dois. “Os Glazers (donos do clube) e Ed Woodward (executivo) me pediram. É por isso que eu ainda estou bravo com a maneira como procederam. Ed Woodward sabia que o Manchester United seria meu último clube”, afirmou.

Mas não foi apenas esse o problema. Na metade da última temporada de Van Gaal em Old Trafford, o time teve uma queda brusca de rendimento, que, junto com as críticas cada vez maiores da torcida ao futebol considerado chato que aparecia em campo, fez com que a diretoria procurasse José Mourinho. E durante os seis meses seguintes, Van Gaal teve que aguentar o bombardeio de perguntas sobre o seu futuro.

“Eu posso imaginar Woodward escolhendo Mourinho. Ele é um treinador de primeira, venceu muitos títulos, mais do que eu. O que não gostei foi Woodward entrando em contato com meu sucessor, sabendo que me substituiria e ficando de boca fechada por seis meses. Toda sexta-feira eu dava entrevista coletiva e era questionado sobre os rumores. O que isso faz com a autoridade do treinador? Vencer a Copa da Inglaterra quando, por seis meses, a imprensa estava agarrada no meu pescoço, foi meu maior feito”, afirmou o técnico campeão holandês, espanhol, alemão e europeu.

Segundo Van Gaal, o argumento de Woodward era que ele ficaria apenas mais uma temporada à frente do clube, e Mourinho “ficaria por três, quatro ou cinco” – no fim, foram duas e meia. Apesar do pouco tempo, o holandês comemora seus feitos. Colocou o time de volta à Champions League e conquistou o primeiro título depois da aposentadoria de Ferguson, pegando um time envelhecido. “Eles tinham sete jogadores com mais de 30 anos”, explicou. E discorda que o futebol praticado era chato.

“Não é verdade. Você diz que era chato. Por que era chato? Talvez fosse chato no ataque, mas porque o adversário estacionava o ônibus. Então você tem que jogar com mais intensidade, o que é difícil. E tem que ver quais jogadores você tem. Wayne Rooney deveria ser o número 10, mas Robin Van Persie não estava em forma para a Premier League, o que significa que Rooney era o melhor atacante que tínhamos. Mas o Manchester United precisa do melhor atacante do mundo”, afirmou.

Assunto recorrente no Manchester United nos últimos anos é o acréscimo de um diretor de futebol, alguém do ramo, para trabalhar junto com o executivo Ed Woodward e Matt Judge, com passado no mercado financeiro, responsável por negociar salários e taxas de transferência. “No momento, há uma estrutura, com a divisão de olheiros e análise e acima disso alguém como braço direito de Woodward. A estrutura não é muito ruim, mas o braço direito tem que ser um diretor técnico, com uma visão de futebol, não alguém com um papel de banqueiro. Infelizmente, estamos falando de um clube comercial e não de um clube de futebol. Conversei com Ferguson sobre isso e, nos seus últimos anos, ele também teve problemas com isso”, contou. 

Fake News

 “A imprensa não analisa o jogo. Analisa o resultado”, afirmou Van Gaal. “As pessoas acham que as fake news surgiram quando Donald Trump virou presidente. No futebol, nós a temos há 50 anos”. Porque, segundo o holandês, o Manchester United não atua diferente com Ole Gunnar Solskjaer do que fazia com José Mourinho. O que mudou foram os resultados.

“O treinador que veio depois de mim mudou para táticas de estacionar o ônibus e jogar no contra-ataque. Agora, há outro treinador que estaciona o ônibus e joga no contra-ataque. Eu não estou lá, mas parece ter havido uma mudança e o ambiente parece melhor. Também é verdade que Solskjaer mudou a posição de Paul Pogba, colocando-o na área onde ele é muito mais importante”, começou.

“Mas o jeito como o Manchester United está jogando agora não é o jeito que Ferguson jogava. É defensivo, futebol de contra-ataque. Se você gosta, você gosta. Se você acha que é mais empolgante do que o meu ataque entediante, ok. Mas não é minha verdade. É muito importante que o Manchester United se classifique à Champions League, como era quando eu fui treinador. Mas eles também podem vencer a Champions League porque jogam com um sistema defensivo e é muito difícil vencê-los o que, queira ou não, é resultado do trabalho de Mourinho”, explicou.

Mas para Van Gaal, os favoritos são outros dois ingleses. “As pessoas acham que o Barcelona é o melhor, mas não é. O Manchester City e o Liverpool são mais um time que o Barcelona, e o Liverpool é mais um time do que o City. Na minha filosofia, o melhor time tem que vencer, mas espero que o City ganhe porque ele joga o melhor futebol”, disse.

Contratações

Van Gaal com Di María (Foto: AP)

Van Gaal trouxe alguns nomes interessantes para o Manchester United, como Ander Herrera e Anthony Martial, mas três jogadores de renome não deram certo: Angel Di María, Falcao García e Bastian Schweinsteiger. O fracasso mais retumbante foi Di María, que ficou apenas uma temporada, após ser contratado por uma nota do Real Madrid, e saiu culpando Van Gaal.

“Di María disse que o problema fui eu. Eu o coloquei em todas as posições de ataque. Pode checar. Ele nunca me convenceu em nenhuma dessas posições. Ele não conseguia lidar com a pressão contínua à bola na Premier League. Esse foi o problema dele”, disse Van Gaal.

No caso dos outros dois, Van Gaal disse que queria Schweinsteiger para ser um líder dentro de campo e Falcão para ter um atacante de primeira linha. Mas os dois não estavam fisicamente bons o bastante para isso.

“Eu trouxe Schweinsteiger porque precisávamos de um capitão. Ele não conseguiu ser. Estava machucado. Ele tinha uma desculpa”, disse. “Eu queria um atacante de primeira. Não quero listar os nomes, mas, quando você não consegue sua primeira ou segunda escolha, tem que se contentar com a quarta ou a quinta, então surgiu o nome de Falcao, mas sabíamos que ele estava machucado. Foi por isso que o trouxemos por empréstimo”, disse.

Molecada

Patrick Kluivert: o letal atacante, que também seria treinado por Van Gaal no Barcelona, ganhou sua primeira chance do técnico holandês em 21 de agosto de 1994, na Supercopa da Holanda, contra o Feyenoord. Precisou de apenas 25 minutos para retribuir a confiança e marcar o terceiro gol da vitória do Ajax por 3 a 0. (Foto: Getty)

Em 2015, um levantamento da ESPN britânica apontou que Van Gaal promoveu, em média, 2,75 estreias de jogadores por temporada. O segundo treinador entre os principais nomes a dar chance a jovens promessas, atrás de Pep Guardiola (3). Além dos títulos, revelar jogadores como Xavi e Iniesta, Edgar Davids, Patrick Kluivert e Clarence Seedorf, Thomas Müller e David Alaba, foi um dos marcos da sua carreira.

“Eu li algo que Mourinho disse, que eu fiz só fiz isso por necessidade. Não é verdade. Eu criei a necessidade. O Manchester United tinha mais de 30 jogadores. Eu reduzi para 23. Então, fiz uma seleção aberta das categorias de base. Eu fiz isso em todos os clubes. É por isso que muitos jovens jogadores estrearam comigo. Muitos treinadores, como Mourinho, nunca dão chance aos jovens. Sim, cinco minutos. Solskjaer, 10 minutos. Isso não é uma chance. Uma chance é um jogo”, disse.

“Muita experiência não é bom. Você entra em piloto automático. Você sempre precisa de imaginação e não pode esquecer como jovens jogadores são inspiradores. Se você não estiver disposto a confiar em jovens jogadores, você não é adequado a ser o treinador de um clube com uma educação de jovens”, completou.

Filosofia 

Louis van Gaal (Foto: Getty Images)

Depois do Manchester United, Van Gaal recebeu propostas de vários lugares. Segundo ele, muitas de Alemanha, Espanha, Estados Unidos, México e Argentina. “Tive duas grandes dúvidas. Perguntei para minha mulher e ela disse não. A última foi do Feyenoord. Ela queria que eu aceitasse porque torce para o Feyenoord, mas eu sou um homem consistente”, disse.

Consistente a ponto de nunca negociar sua filosofia ao longo da carreira. E, embora seja conhecido por brigar com jogadores ou ser irascível, Van Gaal acha que as pessoas têm a impressão errada sobre ele. “Eu tenho uma filosofia. Eu me convenci dela e, ao vencer títulos em quatro países, eu provei que minha filosofia funcionava. Mas meu legado é maior do que os resultados. Eu também sou um treinador de relacionamentos, não apenas com meus jogadores, mas com todos no clube”, disse.

“Não é a minha imagem, mas eu sou muito humano dessa maneira. No Manchester United, havia mais de 40 pessoas no departamento de desempenho. O departamento médico, os torcedores. Eles são o coração do clube. Eu fui trabalhar como analista em um jogo contra o Liverpool, e os torcedores do United ainda gritavam meu nome. Eu fico orgulhoso que as pessoas ainda gostem de mim. É isso o mais importante na vida”, encerrou.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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