EuropaInglaterra

QPR não faz lição de casa e pode se dar mal rapidinho

Depois do Chelsea, todo mundo quer dar uma de Roman Abramovich. Compra um clube de futebol, gasta zilhões de euros em reforços e, pimba!, ele vira uma potência mundial. Mas, bem, não é todo dia que isso acontece. E o Queens Park Rangers e Tony Fernandes, seu dono/mecenas, está se dando (bem) mal por não ter percebido isso a tempo.

O objetivo do QPR é bem definido, embora mal executado: figurar no cenário europeu dentro de  cinco anos, e para isso vem investindo pilhas de dinheiro e principalmente altos salários em atletas que possam impulsionar este sucesso. Rios de dinheiro correm pelos cofres, graças ao dono milionário Tony Fernandes, que por sua vez também tem uma certa quantia na equipe Caterham, na Fórmula 1.

O crescimento dessas equipes não é algo que só o dinheiro traz. Um bom planejamento permeia essa evolução, afinal, os objetivos precisam ser graduais. Não se ergue um grande time ou uma marca do dia para a noite. O caso dos Hoops, no entanto, não deve ser comparado a Chelsea e Manchester City, que já tinham uma torcida considerável dentro da Inglaterra nas décadas passadas e são equipes tradicionais.

Mas o QPR não precisava passar por este perrengue. Outros casos dentro da Europa e da própria Inglaterra serviriam de exemplo para a direção do time londrino de como é possível transformar o sonho futebolístico em uma tragédia administrativa.

Portsmouth: donos retiram seu dinheiro e afundam clube 

Os donos do Portsmouth gastaram tubos com contratações e salários estelares na década de 2000, mas não fortaleceram a infra estrutura, melhoraram as condições do estádio ou apresentaram algum plano de marketing para trabalhar a marca.

Em 2009, o dono Sascha Gaydamak ameaçou vender o clube e por consequência, o investimento foi diminuindo, em contraste com os gastos internos, que continuavam aumentando. Mesmo com a conquista da Copa da Inglaterra em 2008, o elenco que tinha jogadores como Sol Campbell, Niko Kranjcar, Jermaine Defoe, Peter Crouch e Glen Johnson foi aos poucos se complicando, até que em 2010 foi rebaixado e quase encarou um processo de falência.

Os salários já não eram pagos e o plantel ficou insatisfeito até chegar ao ponto máximo de disputar a segunda divisão, pouco tempo depois de uma das suas maiores glórias. Até mesmo problemas com impostos os rapazes do Fratton Park atravessaram, gerando o congelamento da conta bancária.

Tentando se reerguer e retomar sua história, o Pompey poderá no futuro ser administrado por um grupo de suporte formado por torcedores, o Portsmouth Supporters Trust. Dentro do Reino Unido, outros quatro clubes contam com este tipo de apoio, como o Swansea, Wimbledon, Exeter City e Wycombe Wanderers.

Leeds e o perigo do gasto impulsivo

O Leeds foi um dos principais times ingleses na década de 1970 sob o comando de Don Revie. Campeões nacionais e com louváveis campanhas internacionais, os Whites vivem destas douradas lembranças enquanto remam na segunda divisão. O panorama já foi bem pior, incluindo passagem pela Terceirona e um período de concordata em 2007, pouco tempo depois de ter vendido o seu estádio e o centro de treinamento para tentar sanar as dívidas e o rombo financeiro causado pela antiga administração.

Foi aí que Ken Bates, polêmico cartola, assumiu o comando da agremiação, para desgosto dos fãs que alegavam baixo investimento dele no clube. A resposta não poderia ser menos categórica: Bates respondeu às críticas chamando os torcedores de babacas.

Todo esse turbilhão começou na década de 2000, quando o Leeds estava nas mãos de Peter Ridsdale. Ele viabilizou um alto número de empréstimos para montar o elenco que disputaria a Liga dos Campeões. Entretanto, os Whites não ficaram nem com a vaga e os gastos não puderam ser repostos, gerando um efeito devastador nas finanças.

Nem mesmo a venda de Rio Ferdinand para o Manchester United em 2002, por € 30 milhões amenizou a queda, que a esse ponto já era inevitável. Um passo em falso com um futuro não garantido foi o que ocasionou a derrocada do time que foi muito promissor quando contou com Jonathan Woodgate, Lucas Radebe, Ian Harte, Robbie Keane, Mark Viduka, Harry Kewell, Lee Bowyer, Alan Smith e Olivier Dacourt.

Quase morte e ressurreição do Borussia Dortmund

Após entrar no mercado alemão na virada do milênio, o Dortmund se tornou a primeira equipe germânica a negociar suas ações. Pouquíssimo tempo depois, em 2002, o título da Bundesliga veio sob o comando de Matthias Sammer, ídolo aurinegro.

Perdendo a final da Copa Uefa para o Feyenoord no mesmo ano, o Borussia já estava com algumas dificuldades financeiras quando no início de 2003, precisou vender o seu estádio, assim como o Leeds. Sem uma solução eficiente o bastante, os rapazes do Vale do Ruhr foram se afundando e até receberam ajuda do Bayern Munique para pagar sua folha salarial. Enquanto isso, a queda na fase classificatória da Liga dos Campeões diante do Club Brugge, nos pênaltis representava o reflexo dos tempos duros na Vestfália.

Em 2005, as ações despencaram na bolsa de Frankfurt e o Dortmund foi obrigado a reduzir  em 20% os seus ordenados como medida emergencial de contenção de gastos. Vender os naming rights do antigo estádio Westfalen para Signal-Iduna Park foi uma das respostas que caíram bem e ajudaram a estabilizar a agremiação.

Evitando o rebaixamento por uma margem estreita em 2007, o clube precisava apresentar uma reação, que teve seu primeiro capítulo na chegada de Jürgen Klopp ao comando técnico, em 2009. Com a ajuda da torcida, que sempre lota o estádio e é uma das mais fervorosas, os aurinegros conseguiram atravessar a nebulosa sem precisar experimentar do descenso ou de uma concordata.

Bicampeão alemão e bem ranqueado na Europa, o Dortmund mostra que não é preciso um grande baque para que seja feita uma reformulação e um novo planejamento que impliquem no sucesso. Basta usar as peças certas à disposição.

QPR precisa equilibrar suas finanças para não quebrar

O alerta está aceso em Loftus Road, mas isso não significa que o mundo vá acabar. Dá para sobreviver, ainda que o processo seja duro. Por exemplo, sobreviver aos próximos anos, os Hoops devem fazer uma redução drástica nos gastos e encontrar uma forma de arrecadar mais com patrocínios e ações de marketing. Se elas não vem por meio de atuações louváveis em território nacional, então o problema está quase que essencialmente na forma como os dirigentes montam o elenco.

Não é natural que algum clube consiga se estabelecer ou ficar em evidência estando em crise ou lutando contra o rebaixamento. E que isso também não seja um motivo para que Tony Fernandes e seus investidores saiam do comando, deixando o QPR beirando um grande desastre.

Em entrevista ao Daily Telegraph, Fernandes afirma que tudo está dentro do planejado e que o seu objetivo ainda será alcançado dentro de cinco anos: “Não temos dívidas como outros clubes. Injetamos muito dinheiro e isso não é tão diferente de modificar um carro ou uma companhia de aviação. No entanto, precisamos de tempo. O QPR sempre foi uma equipe sem muito investimento, é simples de constatar. Não estou pensando só no próximo ano, e sim nos cinco que virão. Estou considerando iniciar obras para um novo estádio, uma academia apropriada para treinamentos e aí sim ter um retorno maior. É evidente que quando se compra um clube pequeno, você tem de levar em conta certos prejuízos no início. Caso isso não tenha um bom efeito, não seria a primeira vez que equipes não tiveram o êxito esperado”, diz o indiano.

Em caso de descenso, Tony afirma que não irá abandonar o barco pois sabe de suas responsabilidades. “Preciso aceitar essa responsabilidade. Deixar o clube após um possível rebaixamento não significaria retirar meu investimento, e sim que encontraríamos outra pessoa mais capacitada para assumir as rédeas. Não é só por dinheiro. O clube é de pouca expressão e sabemos que exemplos assim atraem poucos atletas já consolidados. A única saída é usar o dinheiro como diferencial, mas não creio que seja uma boa atitude”, avalia Fernandes.

Em sua primeira temporada na Premier League, o QPR gastou cerca de 183% de sua receita em salários e contratações, uma aposta arriscada que não teve nem  de longe o retorno esperado. E não dá para dizer que não se trate de uma liga rentável.  De acordo com estudo do Instituto Deloitte realizado em 2012, a Premier League movimenta €2,5 bilhões, incluindo cotas de patrocínio e direitos de transmissão.

Todos esses exemplos de agremiações que precisaram passar por tempos difíceis, beirando a tragédia, deviam ser bem observados pelos mandatários do QPR, que ainda não está nem perto de desfrutar do status que seus cartolas tanto almejam.  Ignorar essas informações é um grande passo para entrar para as estatísticas de instituições mal administradas e que pagaram o preço da incompetência.

Foto de Felipe Portes

Felipe Portes

Felipe Portes é zagueiro ocasional, cruyffista irremediável e desenhista em Instagram.com/draw.portes
Botão Voltar ao topo