Premier League

Problemas ofensivos do Liverpool são uma lição do quanto o futebol é coletivo

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Quando foi anunciado que Virgil Van Dijk perderia o restante da temporada, a primeira reação, justificadamente, era pensar que o Liverpool voltaria a ser aquele time que atacava com tudo e deixava a defesa desprotegida. E não é que rolou o oposto?. Contra o Manchester United, os Reds chegaram a três jogos consecutivos de Premier League sem marcar, primeira vez que isso acontece desde 2005, uma seca que serve como uma lição do quanto o futebol é coletivo, para o bem e para o mal.

Primeiro, para o bem: apesar de perder o seu melhor zagueiro (e também todos os outros) a defesa do Liverpool seguiu forte. Tirando a pane contra o Aston Villa, seria a segunda menos vazada do Campeonato Inglês. Mesmo na sequência ruim de resultados, sofreu apenas três gols em oito jogos desde o começo de dezembro.

Isso corrobora a tese de que Van Dijk foi mais a cereja no bolo de uma melhora defensiva coletiva do Liverpool do que a sua principal causa. O divisor de águas foi a goleada sofrida para o Tottenham em outubro de 2017, por 4 a 1, momento em que Klopp percebeu que deveria mudar a maneira como o time se protegia. Parou de levar gols imediatamente e, no mês de janeiro do ano seguinte, recebeu Van Dijk para cristalizar o que já vinha evoluindo.

Em seguida no calendário de desenvolvimento do trabalho de Klopp, Fabinho e Alisson trouxeram melhores atributos defensivos em outros setores do gramado, e o Liverpool aprendeu a ter um pouco mais de controle com a posse de bola, ficando menos vulnerável à constante troca de golpes à qual havia se acostumado. Logo, foi possível manter certa solidez defensiva, mesmo sem Van Dijk.

Agora, para o mal. Desde que fez sete gols de uma vez só contra o Crystal Palace, o Liverpool marcou apenas uma vez em quatro jogos, contra o West Brom. Em todos eles teve o seu famoso e já histórico trio de ataque, além dos dois laterais que são a principal fonte de criatividade e assistências do time. E conseguiu meras 11 finalizações no alvo em 360 minutos mais acréscimos de bola rolando.

Mas se todos os seus principais jogadores ofensivos estavam em campo, por que sofreu tanto no ataque? Entre a leva de lesões, está Diogo Jota, contratado nesta temporada e que vinha em ótima forma. Principalmente, por melhor jogadores que Salah, Mané, Firmino, Alexander-Arnold e Robertson sejam individualmente, eles estavam inseridos em um sistema que potencializava as suas qualidades, e os problemas físicos perturbaram esse sistema.

O nome do sistema é famoso: gegenpressing, ou contra-pressão. É uma maneira organizada, coletiva e direcionada de pressionar o portador da bola, recuperá-la o mais perto possível do gol adversário e atacar com verticalidade. O fato de o Liverpool ter aprendido a manter a posse de bola e cozinhar um pouco o jogo não significa que seus melhores momentos não sejam ainda quando consegue exercer uma pressão sustentada que impede o adversário de respirar.

Era um time de volume, mais do que de precisão. Empilhava ações ofensivas com tanta intensidade e quantidade que eventualmente a defesa adversária deixava alguém desmarcado ou cometia algum erro. Fazendo o primeiro gol, tinha um pouco mais de liberdade para contra-atacar, com a velocidade do trio de frente ou com os lançamentos que marcaram as últimas temporadas de Trent Alexander-Arnold.

O controle do meio-campo é sempre associado à manutenção da posse de bola, mas existem outras maneiras de fazê-lo. A do Liverpool era na base da imposição física: fechando os espaços, ganhando a segunda bola e pelo alto, desarmando e acionando o ataque para manter aquela pressão sustentada o máximo de tempo possível. O maestro desse meio-campo não era um jogador como Xavi que distribui os passes. Era Fabinho. Só que agora ele é zagueiro.

Além de todos os outros problemas, como perder a qualidade da bola longa de Van Dijk, de psicologicamente o time se sentir um pouco mais tímido para avançar a linha de pressão sem um zagueiro tão dominante segurando as pontas, o Liverpool perdeu – literalmente – força no meio-campo com o deslocamento necessário de Fabinho para a defesa. Foi ainda pior nos últimos dois jogos quando, sem Matip, Henderson também teve que recuar à zaga.

Isso é fruto da negligência do clube com o setor, e não apenas no último mercado. O último zagueiro adulto que o Liverpool contratou foi Van Dijk, três anos atrás. Nem a saída de Dejan Lovren motivou Klopp a buscar mais uma alternativa. Acreditava que em momentos emergenciais poderia usar os garotos ou improvisar Fabinho. O que não esperava – e sendo justo, não era tão fácil esperar – é que o remendo teria que ser permanente durante quase toda a temporada. Van Dijk não deve voltar antes de ela terminar, e talvez nem Joe Gomez.

Nos últimos dois jogos da Premier League, com Henderson na zaga, o meio-campo do Liverpool teve uma combinação entre Thiago, Wijnaldum, Alex Oxlade-Chamberlain e Shaqiri. As características são outras. São mais adequados a controlar o setor pela posse, mas esse não é o forte do Liverpool. Teve 70% de posse de bola nesses quatro jogos recentes, sendo que a sua média no campeonato é de 60%. Foi visível a dificuldade dos atacantes para dar sequência aos ataques porque estão recebendo a bola muito mais bem marcados.

Thiago está voltando agora de sua própria lesão, e impressionou contra o Manchester United. Com sequência, pode dar uma melhorada na criação, mas ainda não será o forte do Liverpool. Sem acessar o mercado, fica difícil pensar como Klopp conseguirá resolver essa equação. Terá que fazer ajustes. A sua sorte é que Klopp é bom o bastante para encontrar uma nova maneira de equilibrar o seu time, por mais que seja quase inédito um momento em sua carreira em que a falha esteja no ataque, e a oscilação pela qual todos passam ou passarão significa que provavelmente há tempo de correr atrás.

Mas dificilmente atingirá um nível de desempenho sequer próximo ao das últimas duas temporadas, não apenas por fadiga ou porque os desafios da pandemia afetam seus jogadores física e psicologicamente. Ironicamente, montou uma máquina tão azeitada que a retirada de uma peça gerou um problema maior do que se imaginava.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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