Premier League fingiu surpresa, mas não só sabia, como participou do projeto Big Picture
O projeto de reformulação da Premier League, chamado de “Project Big Picture”, tomou as manchetes no fim de semana do dia 11 de outubro. Na época, o que sabíamos era que o projeto tinha sido liderado por Manchester United e Liverpool, dois dos maiores clubes ingleses, e que concentrava poder no chamado “Big 6”, os seis clubes mais ricos da liga. Só que vai além disso.
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Envolve a Premier League, a Football Association e a elite dos dirigentes de futebol na Inglaterra, que participaram do desenvolvimento e chegaram até a enviar e-mail com aceno positivo ao projeto, se propondo a angariar apoio. Tudo isso completado com um teatro de se fazer de loucos, fingindo surpresa quando tudo veio à tona.
A Premier League sabia dos planos e, mais do que saber, era um participante ativo, na figura dos seus executivos. O presidente da liga, Gary Hoffman, e o CEO, Richard Masters, se reuniram com os representantes de Liverpool, Manchester United, Manchester City, Arsenal, Chelsea e Tottenham, no dia 13 de outubro, terça, dois dias depois da divulgação dos planos no jornal Telegraph, e um dia antes da reunião com todos os 20 clubes, no dia 14.
Segundo o Guardian, alguns dirigentes dos 14 clubes restantes na Premier League, fora do Big 6, ficaram furiosos que a reunião foi realizada sem a participação deles e nem foram avisados antes ou depois. Uma insatisfação grande entre os 14 clubes é não saber sobre os desenvolvimentos do projeto Big Picture, e que sequer tenham sido mantidos informados sobre o que acontecia por Hoffman e Masters.
Um dirigente de um dos 14 clubes chegou a dizer ao Guardian que na reunião com todos os clubes, no dia 14 de outubro, ele acreditava que Hoffman estava tão chocado quanto todos eles quando os planos do Project Big Picture foram revelados. Por isso, a insatisfação é que a liga, que deveria representar todos os clubes, parecia estar trabalhando em segredo para os grandes clubes.
Segundo o dirigente, nenhum dos 14 clubes sabia que Masters foi convidado a participar das conversas sobre o projeto no começo (e recusou) e nem que ele era informado esporadicamente sobre as atualizações das reuniões nos meses seguintes. Também não sabiam que Hoffman recebeu uma cópia do projeto de Bruce Buck, presidente do Chelsea, que esteve envolvido no projeto Big Picture desde o começo.
A Premier League confirmou que Hoffman não informou os 14 clubes que ele tinha uma cópia e nem que ele tinha enviado e-mail no dia 8 de outubro ao Big 6 em acenando positivamente sobre o que viu, antes do projeto vazar na imprensa no dia 11. Hoffman disse ao Big 6 que ele queria estar envolvido nas discussões e angariar apoio para a mudança dizendo que o time executivo, liderado por Masters, tinha suas próprias ideias e planos, “muitos dos quais se alinham com o ‘Big Picture’”.
Mesmo depois da divulgação do projeto Big Picture, a Premier League não esclareceu que sabia do processo, nem que Hoffmann tinha uma cópia e muito menos que respondeu de forma positiva ao Big Six sobre as propostas. Pelo contrário, inclusive. A liga se mostrou cínica ao publicar um comunicado, depois da matéria do Telegraph, dizendo que “viu as matérias na imprensa” sobre os planos e “os condenava” ao dizer que “um grande número de propostas individuais poderia ter um impacto negativo em todo o jogo”. Basicamente, o contrário do que disse ao Big 6 no desenvolvimento do projeto.
A coisa ainda fica mais feia. Muitos dos 14 clubes também disseram que não sabiam nem antes, nem durante e nem depois da reunião do dia 14 de outubro que Greg Clarke, presidente da Football Association, iniciou as conversas em janeiro com Buck, presidente do Chelsea, nem que ele convidou Manchester United, Liverpool Rick Parry, presidente da English Football League, entidade que cuida da segunda, terceira e quarta divisões, e o CEO da Premier League, Richard Masters, para participarem. Ou seja: é pior ainda do que saberem antes: eles ajudaram a articular tudo isso que veio depois.
Segundo porta-voz da Premier League, na reunião do dia 13 de outubro, Hoffman disse aos clubes que o Projeto Big Picture era prejudicial e tinha que parar e pediu a eles para concordarem com uma revisão estratégica. Na reunião com todos os clubes, no dia seguinte, quando alguns dos representantes dos 14 clubes expressaram sua insatisfação com os planos e como ele foi desenvolvido praticamente de forma clandestina, houve um acordo com todos os integrantes para uma revisão estratégica. Para alguns dos 14 clubes, isso foi visto como uma grande concessão ao Big 6 para que eles pudessem pressionar para fazer grandes mudanças.
“Alguns dos clubes estão furiosos. Quando saiu no Telegraph, Gary Hoffman deveria ter dito que estava ciente dos planos e que tinha uma cópia deles, mas nós não fomos avisados disso. Eu certamente não fui avisado quando eles se reuniram com o Big 6, e só com eles, para pedir um acordo e uma revisão estratégica”, disse um dirigente ao Guardian.
O porta-voz da Premier League confirmou ao Guardian que os clubes não foram avisados sobre as discussões e o desenvolvimento dos planos relativos ao projeto Big Picture, depois que Masters foi convidado em fevereiro. O porta-voz da Premier League, porém, enfatizou que o dirigente não sabia do conteúdo que seria conversado.
O fato é que Hoffman, que trabalha como executivo da Premier League, escondeu de 14 dos 20 clubes que tratava de uma reformulação profunda e que daria muita força para o Big 6. O executivo não disse que sabia dos planos, nem que mandou e-mail com comentários positivos sobre as ideias, se propondo a participar e tentar conseguir vender a ideia.
O porta-voz da Premier League até disse que alguns dos 14 clubes foram, sim, avisados que o executivo da liga tinha se encontrado com o Big 6 no dia anterior à reunião geral. Como ficou claro, nem todo mundo sabia e esse é justamente um problema grande de todo o caso: faltou transparência desde o começo.
Saber que não só os grandes clubes ajudaram a desenvolver o projeto, mas também os executivos da Premier League e até com participação da Football Association é algo que pesa muito negativamente aos dirigentes. O grupo fora do Big 6, os 14 clubes, e todos os outros das divisões inferiores ganharam bons motivos para desconfiarem do cinismo e das omissões que os dirigentes do futebol inglês tiveram nesse caso – e acabaram expostos, de maneira ridícula.
Muitas vezes a Premier League é elogiada, até com justiça, por seus feitos de gestão e organização, que tornaram a liga inglesa a mais badalada do mundo. Um episódio como esse mostra que nem tudo são flores e que há uma tendência a beneficiar os clubes mais ricos nos mais altos postos do comando do futebol inglês. Pode não ser surpreendente, porque isso acontece no mundo todo, mas não deixa de ser lamentável.
Envolve a Premier League, a Football Association e a elite dos dirigentes de futebol na Inglaterra, que participaram do desenvolvimento e chegaram até a enviar e-mail com aceno positivo ao projeto, se propondo a angariar apoio. Tudo isso completado com um teatro de se fazer de loucos, fingindo surpresa quando tudo veio à tona.