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Nigel Clough honra o sobrenome e também faz um clube ir além, semifinalista da Copa da Liga com o Burton

O sobrenome Clough inspira respeito em qualquer torcedor minimamente ávido pela história do futebol inglês. Afinal, o que Brian Clough protagonizou com suas equipes motiva qualquer ambição. Derby County e principalmente Nottingham Forest superaram barreiras para se transformarem em potências, eternizando ascensões raríssimas. Da segunda divisão ao topo da Inglaterra, e então da Europa, o veterano ganhou o direito de ser considerado um dos maiores treinadores de todos os tempos. Isso tudo ainda exalando carisma por seu jeito franco e ácido. O mestre faleceu em 2004, mas seu legado no futebol continua. Afinal, o filho Nigel Clough assumiu o mesmo ofício e, que não tenha atingido o mesmo sucesso, escreve uma história ímpar nas divisões de acesso. Revolucionário à frente do Burton Albion, ganhou o direito de desafiar o Manchester City na semifinal da Copa da Liga Inglesa.

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Como jogador, Nigel Clough construiu uma carreira sólida. O comando do pai poderia sugerir “nepotismo” ao redor do prodígio no Nottingham Forest, mas ele realmente tinha capacidade para brilhar. Não à toa, superou os 300 jogos e os 100 gols com a camisa do clube. Foi um dos símbolos da equipe na virada dos anos 1980 para os anos 1990, quando os alvirrubros ainda faziam campanhas louváveis, bicampeões na própria Copa da Liga. Seu auge com o clube atraiu propostas do futebol italiano, nos anos dourados da Serie A, e também o levou à seleção. Disputou 14 jogos pelos Three Lions, presente na Euro 1992. Já o rebaixamento do Forest em 1993, além de marcar a aposentadoria de Brian Clough, também encerrou a passagem de Nigel pelo City Ground. Logo depois ele seria contratado a peso de ouro pelo Liverpool, sem vingar em Anfield, antes de passar também por Manchester City e Sheffield Wednesday. Pois quando sua carreira parecia fadada ao ocaso é que a epopeia no Burton Albion começou.

Nigel Clough assinou com os nanicos em 1998, aos 32 anos. Atuaria não apenas jogador da equipe, mas também assumia o cargo de treinador. A muitos, parecia um retrocesso imenso, considerando que o atacante cinco anos antes estava defendendo a seleção. O Burton não passava de um clube desconhecido de East Midlands, que historicamente perambulou pelas divisões amadoras. Pois seria justamente o novo reforço quem ajudaria a transformar esta história. À frente dos Brewers, Clough iniciou sua trajetória na sexta divisão do Campeonato Inglês. Logo colocou a equipe na rota do acesso e, depois de dois vice-campeonatos, consumou a promoção em seu quarto ano com o time.

A escalada não parou mais. Os passos na Football Conference, então a quinta divisão, foram mais lentos. O Burton começou como um time que fugia do rebaixamento, passou a frequentar o meio da tabela e, gradualmente, virou candidato à Football League. Neste intervalo, em 2006, chegou a desafiar o Manchester United na Copa da Inglaterra. Contra um time reserva dos Red Devils, mas ainda assim com seus astros (Cristiano Ronaldo entre eles, saindo do banco), os Brewers seguraram o empate por 0 a 0 e forçaram o replay. Mostra suficiente do que Clough fazia na non-league. E o seu prêmio maior aconteceu em 2008/09, logo após pendurar as chuteiras, quando começou a se dedicar apenas à função de treinador. Os nanicos foram os campeões da Football Conference, atingindo a League Two. Naquela temporada, o veterano permaneceu na equipe apenas até janeiro. De qualquer maneira, foi um dos grandes responsáveis pelo feito: encaminhou o acesso com uma série de 11 vitórias, que deixou os aurinegros com uma vantagem de 13 pontos na liderança.

Neste momento, os destinos se separaram. A reputação de Nigel Clough ia muito além da quinta divisão e ele não pôde recusar uma proposta da segundona. Seu renome o levou justamente ao Derby County, seguindo os passos de Brian. Sua passagem pelos Rams teve alguns lampejos, incluindo uma semifinal de Copa da Liga contra o Manchester United. O problema eram as campanhas medianas na Championship, longe de alcançar o almejado acesso. Em 2013, ironicamente, uma derrota ao Nottingham Forest culminou em sua demissão após quatro anos na função. Depois disso, Nigel ainda treinou o Sheffield United. Em seu primeiro ano, não apenas evitou o rebaixamento com uma arrancada marcante, como também levou as Blades às semifinais da Copa da Inglaterra, eleito o melhor treinador da competição. Já na temporada seguinte, foi quinto colocado na League One, a terceira divisão, e mais uma vez semifinalista da Copa da Liga. Todavia, a diretoria preferiu demiti-lo em maio de 2015.

O Burton, enquanto isso, também causava o seu impacto. Sem Nigel, militou por seis temporadas na League Two, até ser campeão e conquistar o acesso em 2014/15. Naquele momento, os Brewers também eram dirigidos por um treinador promissor: Jimmy Floyd Hasselbaink, responsável por colocar os aurinegros na rota da promoção logo em seu primeiro ano no cargo. O início do trabalho do ex-centroavante na League One também impressionou. Embora muitos vissem o Burton como virtual candidato ao rebaixamento, os nanicos também começaram a pleitear a ascensão. A repercussão de Hasselbaink garantiu uma proposta do Queens Park Rangers e ele acabaria deixando a equipe, apesar da boa campanha no primeiro turno. Sua saída abriu espaço para Nigel Clough, reassumindo sua antiga equipe em dezembro de 2015. Pois ele cumpriu a missão, ao confirmar o clube na Championship, vice-campeão da terceira divisão.

Entrar na segundona era um desafio imenso ao Burton. Afinal, os dois acessos consecutivos criaram um abismo maior à equipe de finanças modestas, que precisava se estabelecer contra rivais bem mais endinheirados. Por isso mesmo, o processo seria paulatino e não havia outro objetivo senão fugir do rebaixamento, rodada após rodada. Apesar de tudo, os Brewers se saíram razoavelmente bem. Terminaram o primeiro ano no 20° lugar, evitando a queda apenas na reta final. Já na segunda temporada, a campanha não foi tão consistente assim e, com a vice-lanterna, os aurinegros retornaram à League One. O que não era exatamente um problema, considerando a folha salarial mínima da agremiação. Atualmente, o jogador mais bem pago ganha £3 mil, uma realidade bastante distinta mesmo para a terceira divisão do Campeonato Inglês.

Talvez demore um pouco para o Burton retornar à Championship. Nesta temporada, os aurinegros ocupam a nona colocação na League One – em uma edição de peso, que possui Portsmouth, Sunderland e Charlton entre os candidatos ao acesso. Ainda assim, há sempre uma copa nacional para impressionar. E pela terceira vez em dez anos, Nigel Clough lidera um time das divisões de acesso às semifinais da Copa da Liga. Depois de estrearem superando o Shrewsbury Town, também da terceirona, o Burton só eliminou oponentes de divisões acima. Começou pelo Aston Villa. Depois, apresentou seu verdadeiro potencial ao bater de virada o Burnley por 2 a 1. Daria um gosto especial ao treinador nas oitavas, com os 3 a 2 sobre o Nottingham Forest. E, no resultado mais importante até o momento, fizeram 1 a 0 sobre o Middlesbrough – clube também significativo, já que Brian fez sua carreira como jogador por lá.

O Manchester City representa um desafio descomunal ao Burton. Ainda assim, por tudo o que a equipe aprontou até agora, dá para sonhar com uma surpresa no Estádio Pirelli, a acanhada casa para 7 mil torcedores que receberá a partida de volta. É esta a realidade de um clube com jeito um tanto quanto amador (seja por seu escudo com um sujeito barrigudo ou pelo apelido que faz referência à tradição cervejeira da cidade), mas que resolveu se meter na Football League para reverter os prognósticos. E muito disso tem a ver com o jogador da seleção que aceitou o desafio na sexta divisão há 20 anos, carregando a aura de seu pai neste conto de fadas.

O embate com o Manchester City, além do mais, marca um reencontro ao próprio Nigel Clough. Afinal, em seus tempos de jogador, depois de seguidos empréstimos, ele deixou justamente os celestes para assinar com o Burton em 1998. Na época, o atacante dirigia uma Mercedes, possante pago como bônus por sua assinatura com os Citizens. Para se adaptar à realidade do novo clube na sexta divisão e não parecer tão diferente de seus colegas, Clough optou por vender o carro de luxo e comprar um mais modesto. A tal da humildade que explica também o seu sucesso à frente dos Brewers. Agora, com mais uma partida memorável ao lado dos nanicos.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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