Holanda

Gullit: “Eu tive a sorte e o privilégio de contar com Cruyff em minha vida”

Em 1983/84, o futebol holandês viveu uma de suas maiores reviravoltas. Naquele ano, Johan Cruyff encerrou a sua segunda passagem pelo Ajax. O gênio genioso queria renovar seu contrato por mais uma temporada, mas viu o desejo negado pelos dirigentes e entrou em rota de colisão. Foi obrigado a procurar um novo clube. E encontrou acolhida justamente no maior rival, o Feyenoord. Aos 36 anos, havia sido bicampeão nacional com o clube de Amsterdã, mas sua carreira parecia entrar em rota descendente. Não antes sem o último pico em Roterdã. O veterano marcou 11 gols e liderou a conquista do Feyenoord, que encerrava o jejum de uma década na Eredivisie. Ao seu lado, um dos principais parceiros era outra lenda da Oranje: Ruud Gullit, então com 20 anos, e eleito o melhor jogador holandês de 1984.

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Nesta semana, Gullit deu ótima entrevista ao Guardian e falou sobre o ex-companheiro. Cheio de humildade, o holandês ressaltou a importância do veterano em sua evolução: “Eu era curioso, mais do que tudo. Nos treinos, eu chegava a pensar: ‘Ok, agora vou tomar a bola dele'. Mas eu não conseguia. Se ele jogava tudo aquilo com 36, imagine o que fazia com 24? Enquanto nós jogávamos, ele indicava aos companheiros onde ficar, para onde correr, guiava todo mundo”, conta. “Ao final da temporada, ele me disse: ‘Ruud, você precisa estar preparado. No próximo clube, as pessoas podem não gostar mais de você. Também, você precisa fazer os outros ao seu redor jogarem melhor'. Eu pensava na maneira como poderia fazer aquilo, ainda estava voltado para a minha própria carreira. Mas eu joguei no PSV e no Milan, o quebra-cabeças logo se encaixou. Eu lembrei de tudo o que Johan disse”.

Em 1983/84, o Feyenoord conquistou o Campeonato Holandês somando nove pontos de vantagem, mesmo competindo contra boas equipes de PSV e Ajax. Carregado nos braços de seus companheiros após a conquista, Cruyff se aposentou ao final daquela campanha. Já Gullit seguiria ao PSV em 1985, faturando o bicampeonato nacional. Em 1987, após se transferir ao Milan, conquistou a Bola de Ouro – o primeiro jogador holandês desde Cruyff.

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Gullit também lamentou a perda do amigo, falecido em março: “Eu não o vi em seus últimos seis meses de vida. A última vez foi em um torneio de golfe, quando já tinha câncer. Eu senti que ele sabia que aquele era o último campeonato, porque estava muito ansioso para jogar. Mas Johan era muito orgulhoso e não queria que sentissem pena dele. Eu tive a sorte e o privilégio de tê-lo em minha vida. Eu sou muito grato, porque ele se preocupou comigo. Nós discutíamos muito, porque ele reconhecia a minha opinião – mesmo querendo estar certo sempre. Johan parecia uma criança de 12 anos que precisou ir à universidade porque era mais inteligente que seus professores. Ele pensava muitos passos à frente, era muito difícil de acompanhar. Johan foi único”.

Em seu novo livro, “Como assistir a futebol”, Gullit discute algumas das ideias de Cruyff. O holandês oferece um contraponto às filosofias do gênio, rejeitando o 4-3-3 como ‘único caminho' e propondo diferentes alternativas de jogo.

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Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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