Mbappé vive problema criado pelos superclubes que inflacionaram o mercado
Em um mercado com superclubes e supersalários, os super jogadores ficam com poucas opções para se transferir, ao menos se não forem flexíveis
Poucas coisas são tão brasileiras quanto novela. Nós amamos acompanhar o desenrolar de tramas bem pensadas, com personagens que nos cativam. Algumas são tão boas que vale a pena ver de novo. Só que a grande novela desta janela de transferências é em francês. Kylian Mbappé é o nome da vez e a sensação é que já estamos no vale a pena ver de novo, porque não tem nada de novo. Só que tem um problema: Mbappé não tem muitas opções para deixar o Paris Saint-Germain, justamente por ele ser fruto do seu meio: os superclubes.
Quando Lionel Messi se viu obrigado, por assim dizer, a deixar o Barcelona em 2021, todo mundo sabia que não havia muito para onde ele ir. Não porque ninguém o quisesse, mas porque não havia quem pudesse pagar por ele. E nem estamos falando de valor de transferência, porque ele estava sem contrato. A questão era salário.
Naquele momento, em agosto de 2021, só o PSG tinha condições de bancar Messi. Nem mesmo o poderoso Manchester City poderia, até porque tinha investido mais de 100 milhões de libras em Jack Grealish e, mesmo para o padrão do time, o salário de Messi seria o maior de todos com larga sobra. Como isso aconteceu?
Os superclubes criaram uma bolha
É um processo que vem acontecendo há tempos. No começo dos anos 2000, o Chelsea inflacionou o mercado ao ganhar os investimentos de Roman Abramovich e passou a pagar salários altos para diversos jogadores para os seduzir a vestir a camisa do clube em Londres. Quando esses mesmos jogadores deixavam o clube, o patamar salarial deles era outro e, para quem quisesse contratá-los, era preciso pagar um nível salarial bem alto.
Isso sempre aconteceu com clubes grandes e ricos, mas o Chelsea elevou o patamar fazendo isso de uma forma muito maior. Depois, veio a era dos gigantes espanhóis: Barcelona e Real Madrid se beneficiaram de acordos de TV gigantescos, além de acordos comerciais muito bons, para formarem elencos recheados de astros. Os jogadores que saíram desses dois clubes tinham salários tão altos que poucos podiam pagar. Ou eles abriam mão de parte dele, ou então os clubes que queriam contratá-los aumentavam muito a proposta de salário. Em geral, era esta segunda opção que acontecia.
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E aí vem a era dos clubes-estado. Manchester City e PSG fizeram o mesmo, mas assim como o Chelsea no início dos anos 2000, aumentou a escala em uma progressão geométrica. A ponto de criarem uma nova escala. Se antes havia um clube de gigantes ricos que pagavam talvez um pouco demais aos seus jogadores, como Barcelona, Real Madrid, Manchester United e Chelsea, Manchester City e especialmente o PSG quebraram a banca. Passaram a pagar salários que criaram um degrau até mesmo desses clubes.
O PSG, especialmente, virou uma ilha. O Manchester City tem um patamar alto de salários e vimos isso acontecer em todo o processo, com jogadores trocando o Arsenal pelo City para ganhar salários altos, que depois precisavam manter mais ou menos no mesmo nível no clube seguinte.
Só que o PSG criou uma casta onde basicamente ele está sozinho. O Manchester City tem em Kevin De Bruyne o seu salário mais alto, €24 milhões anuais (£20,8 milhões). No PSG, três jogadores ganhavam salários que os tornavam os mais bem pagos do mundo na temporada 2022/23: Lionel Messi (€35 milhões por ano), Neymar (€40,8 milhões por ano) e Kylian Mbappé (€70 milhões por ano).
Com patamares tão altos, o PSG criou um degrau onde está sozinho no mundo do futebol. Qualquer jogador que saia de lá, ainda mais algum desses três, não conseguirá manter seus salários. Não na Europa, ao menos.
Cristiano Ronaldo viveu o mesmo problema
Quando Cristiano Ronaldo decidiu que deixaria a Juventus e passou a buscar um destino no mercado, também em 2021, o problema foi o mesmo. Com salários, na época, de cerca de €31 milhões anuais, ele não encontrava quem pudesse pagar por isso.
Os dois clubes de Manchester se apresentaram e, com a iminência do português acertar com o City, o United se mexeu para levar o jogador de volta, um salário que estava na casa de €24 milhões por ano. Quando o Manchester United não se classificou para a Champions League, o valor caiu em 25%, o que deixou o português ainda mais insatisfeito.
O problema é que ele não conseguiu achar onde jogar naquela janela de julho e agosto de 2022. Foi a novela da temporada passada, que, no fim, teve como fim ele continuando no clube até o fim trágico quando o português já estava no Catar para a Copa do Mundo. Os dois lados romperam e Cristiano Ronaldo só conseguiu achar um lugar para esse supersalário que tinha: a Arábia Saudita. Ninguém mais pagaria um salário como o que ele tinha no United na Europa.
Quem fica com Mbappé? Só tem mesmo o Real Madrid…
Com o maior salário do futebol europeu, Kylian Mbappé é um jogador que pouquíssimos clubes podem bancar. Basicamente, só há um destino possível: o Real Madrid. E mesmo assim, só porque o jogador está disposto a ter um salário menor do que o que tem no clube francês.
Mbappé estaria disposto a receber menos, mais próximo do que ganhava Karim Benzema (€24 milhões na temporada 2022/23), justamente porque os merengues conseguiram reduzir significativamente a sua folha salarial com diversas saídas, não só de Benzema, mas de Hazard (que ganhava €31 milhões por temporada no Real Madrid), além de outros salários menores, como Marco Asensio (que curiosamente foi para o PSG).
Quando surgem rumores de times como a Inter de Milão interessados no jogador, soa como piada. Os maiores salários dos nerazzurri na temporada 2022/23 eram de Lautaro Martínez e Marcelo Brozovic, com €11,1 milhões por temporada, com Romelu Lukaku em seguida, com €10,9 milhões. Mbappé teria que reduzir muito mais, o que parece improvável.
Outro clube que surgiu como destino possível em meio às especulações foi o Barcelona, o clube que não conseguiu fazer uma proposta de salário que agradasse Messi (que foi para a MLS ganhar US$ 50 milhões por temporada). Lewandowski, por exemplo, ganha €20,8 milhões por temporada, enquanto Sergio Busquets ganhava €24 milhões e Frenkie De Jong recebe €37,5 milhões. Ainda que o clube tenha tirado da sua folha o salário de Busquets e de Jordi Alba (€10,5 milhões), o clube ainda teria dificuldades em fechar uma proposta para Mbappé.
Quem teria condições de oferecer algo a Mbappé talvez fosse o Manchester City, mas ainda assim seria complicado, porque o time já tem salários bem altos e seria preciso fazer adequações. Manchester United é outro clube que, embora tenha receitas altas, não parece ter capacidade para fazer de Mbappé o seu jogador mais bem pago.
O Bayern nunca entrou nessa loucura dos salários, mesmo nos seus melhores anos. Os salários no campeão alemão são altos, mas não chegam aos patamares que normalmente vemos no Real Madrid ou PSG. Sadio Mané, o maior salário (€22 milhões) pode deixar o clube. O segundo e terceiro maiores são de duas lendas do clube, Manuel Neuer (€21 milhões) e Thomas Müller (€20,5 milhões). Ir além disso criaria um problema dentro da própria hierarquia do clube.
Portanto, não sobram opções. O único destino possível para Mbappé é mesmo o Real Madrid, e só porque, neste caso em particular, o jogador está disposto a abrir mão de parte do seu altíssimo salário para realizar o sonho de jogar no Real Madrid. Poderia ser a mesma coisa em outros clubes, claro, mas em nenhum deles houve esse interesse por parte do jogador.
Neymar vive o mesmo problema e, possivelmente por isso, não sairá do PSG, a não ser que o clube francês tope pagar parte dos seus salários caso ele vá para outro clube, o que, neste momento, não parece provável. Neymar e PSG estão presos um ao outro se nenhum deles quiser abrir mão de uma parte de dinheiro significativa.
Essa bolha dos superclubes é algo que só tem prejudicado o futebol como um todo, embora seja uma máquina maravilhosa de marketing para esses próprios clubes e ótimo para os jogadores que atuam neles, que ganham salários como nunca mais ganharão, possivelmente, em suas vidas. Claro, isso se não vier algum clube saudita querer pagar com seu dinheiro infinito do petróleo.
Quando os clubes que já fizeram parte dessa engrenagem viram que ficaram para trás (alô, Barcelona, Real Madrid e Juventus), eles decidiram que o melhor não era controlar gastos ou mesmo tentar pensar em um teto salarial. A solução desses gênios da gestão foi: vamos criar uma Superliga e ganhar ainda mais, para gastar ainda mais e inflacionar ainda mais o mercado! Certamente o tipo de lição que deve ser ensinada em algum MBA por aí com o selo desses superclubes, provavelmente com algum slide em inglês com os dizeres “fake until you make it”.