
Londres possui um clube a cada bairro, praticamente. Madri e Lisboa têm seus representantes de camisas pesadas no continente. Roma conta com uma das rivalidades mais ferrenhas do mundo. Já Berlim, mesmo dividida por tantas décadas, foi representada por equipes de respeito dos dois lados da Alemanha. Dentre as principais capitais da Europa Ocidental, Paris é a que possui o futebol mais incipiente para seu tamanho e história. A região metropolitana tem quase 12 milhões de habitantes, mas poucos clubes de peso para atender a essa paixão.
O Paris Saint-Germain, inflado pelo dinheiro vindo dos xeiques nos últimos anos, é o principal representante da capital, e o único na primeira divisão. A última vez que a cidade contou com dois clubes na elite francesa foi em 1990/91, quando o Racing acabou rebaixado, com dificuldades para lidar com o fim dos investimentos do grupo Matra – atualmente, os pinguins militam na quinta divisão. Já o solitário time da região metropolitana na Ligue 2 é o Créteil-Lusitanos, que nunca chegou à elite e tornou-se profissional apenas no final da década de 1980. O futebol parisiense só começa a se tornar um pouco mais vívido na terceira divisão. Que, neste final de semana, teve seu dérbi da capital, com o duelo entre Red Star e Paris FC.
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Os dois possuem tradições bastante enraizadas. O Red Star foi fundado em 1897, pelo lendário Jules Rimet. Uma das primeiras potências do futebol francês, foi cinco vezes campeão da Copa da França, um dos primeiros a adotar o profissionalismo no país e também integrante da Ligue 1 em sua primeira temporada, em 1932/33. Entretanto, os problemas financeiros tiraram o Red Star da elite a partir de 1975, transitando entre amadorismo e profissionalismo desde então. O Paris FC, por sua vez, surgiu em 1969 durante um dos muitos períodos de baixa do futebol parisiense, para ser o grande clube da capital. O novo time deu origem ao PSG em 1971, mas uma cisão interna retomou a autonomia do Paris FC a partir do ano seguinte. Apesar de disputarem a primeira divisão nos anos 1970, logo os parisienses começaram a vagar pelos níveis menores da liga nacional.
Os anos fugazes na primeira divisão do Campeonato Francês, ao menos, ajudaram a criar uma rivalidade entre Red Star e Paris FC. O dérbi parisiense aconteceu apenas uma vez na Ligue 1, na temporada de 1972/73, com duas vitórias do Paris FC. Já nas décadas seguintes, o sobe e desce das duas equipes fizeram com que se cruzassem diversas vezes nas divisões menores. A partir de 2011/12, o clássico passou a acontecer todos os anos na terceirona. Na temporada passada, com direito até mesmo a duelo pela Copa da França.
Apesar do peso da camisa, Red Star e Paris FC ficaram apenas em posições intermediárias na última temporada da terceira divisão. Bom para o Paris FC, fortemente ameaçado pelo rebaixamento nos dois anos anteriores, e que neste começo da campanha é o líder do Championnat National. São três vitórias e dois empates em cinco rodadas, uma sequência que ganhou impulso no final de semana, justamente contra o Red Star – que, até então, era o segundo colocado na competição.
O Estádio Charléty, com capacidade para 20 mil espectadores, estava cheio para o clássico desta sexta-feira – embora longe de estar lotado, como nos jogos de rúgbi que costuma receber. O espetáculo teve início antes mesmo de a bola rolar, com a torcida do Paris FC recebendo seus jogadores com bandeirões e a trilha sonora de Piratas do Caribe. Em um jogo quente, o time da casa conseguiu assegurar a vitória por 1 a 0, para deixá-lo na liderança da terceirona. Já do lado de fora do estádio, mesmo com policiamento reforçado, houve confrontos entre as duas torcidas (veja o vídeo acima), e 36 pessoas acabaram detidas.
O sonho do acesso é renovado a cada dérbi. Afinal, aquele é o esboço de grandeza que os dois times parisienses podem desfrutar na atual situação. Abaixo da dupla da terceirona, são outros 29 clubes da região metropolitana divididos entre a quarta e a sexta divisão. Todos sonhando com um clássico futuro contra o Paris Saint-Germain, por mais que isso não passe de um sonho. Um conto de fadas que, para se tornar realidade, talvez mesmo só com uma história de Cinderela, como a que o próprio PSG vive.