Champions League

Desde a última vez que se enfrentaram, Manchester City apostou em Guardiola, e o PSG, em estrelas

City e PSG tomaram caminhos diferentes desde que se enfrentaram nas quartas de final da Champions League de 2016

Fernando, não Fernandinho, sem diminutivo mesmo, arrumou na entrada da área para Kevin de Bruyne. O domínio para tirar a marcação foi, para variar, perfeito. O míssil no canto também. Aos 31 minutos do segundo tempo, Manchester City sobre o Paris Saint-Germain. Eram as quartas de final da Champions League de 2015/16. O empate por 2 a 2 no Parque dos Príncipes estava classificando os ingleses, mas melhor garantir, certo? Foi a primeira vez que o City chegou às semifinais do principal torneio do continente.

Um resultado fantástico para Manuel Pellegrini, que havia assumido no lugar de Roberto Mancini, três anos antes, e, entre seus feitos, arrancara o título da Premier League das mãos de Steven Gerrard e do Liverpool. Nada que convencesse a diretoria a mudar os planos. Em fevereiro, dois meses antes, havia sido anunciado que o chileno sairia ao fim do seu contrato e o substituto seria Pep Guardiola. Negociações interrompidas em 2012 foram retomadas, e o catalão teria a missão de dar o passo além, não apenas em títulos, mas também em encantamento, que nem Mancini e nem Pellegrini haviam conseguido desde a chegada do dinheiro dos Emirados Árabes.

As mudanças seriam profundas. O City entrou em campo contra o Paris Saint-Germain com Joe Hart; Bacary Sagna, Mangala, Otamendi e Gael Clichy; Fernando e Fernandinho; Jesús Navas, Kevin de Bruyne e David Silva; Sergio Agüero. Fernandinho, De Bruyne, David Silva e Agüero seriam pilares dos sucessos dos anos seguintes, e Otamendi teve o seu papel. Mas a primeira temporada de Guardiola seria justamente a transição entre um time bombado por investimentos que de vez em quando ganhava um título para um time bombado por investimentos que domina a Inglaterra até hoje.

Enquanto isso, o Paris Saint-Germain preparava-se para demitir Laurent Blanc. Contrataria Unai Emery e Thomas Tuchel até chegar a Mauricio Pochettino. Aquele time era estrelado, com Ángel Di María, Edinson Cavani, Zlatan Ibrahimovic, Marquinhos e Thiago Silva. E, como o atual, também desequilibrado, precisando recorrer a Gregory Van der Wiel, Serge Aurier, Adrian Rabiot, um Maxwell de 35 anos e Kevin Trapp debaixo das traves. Javier Pastore e Lucas Moura saíram de um banco de reservas que tinha Salvatore Sirigu, Presnel Kimpembe, Layvin Kurzawa e também Benjamin Stambouli, rebaixado pelo Schalke 04, e Hervin Ongenda, atualmente na primeira divisão da Romênia.

Cinco anos depois, Manchester City e Paris Saint-Germain encontram-se novamente, após tomarem caminhos diferentes. Os ingleses embarcaram na experiência Guardiola e não se arrependeram. Enquanto isso, os franceses ainda não conseguiram acertar um técnico e aprofundaram a aposta em grandes estrelas. Não por acaso, um dos lados da semifinal desta quarta-feira chega com um projeto consolidado, e o outro ainda está nos primeiros meses de mais uma tentativa.

Bom deixar claro, antes de começar, que ninguém aqui é franciscano. O Manchester City sempre gastou dinheiro para caramba e é um dos responsáveis pela inflação do mercado de transferências. Mas dentro da Santíssima Trindade de clubes impulsionados à enésima potência por investimentos estrangeiros nos últimos 15 anos, da qual os dois fazem parte ao lado do Chelsea, sempre foi o mais estável.

Embora nunca tenha sido tímido para soltar € 30 milhões em quem passasse pela frente, quando € 30 milhões ainda eram dinheiro de verdade para contratar os grandes jogadores, o City montou cedo uma espinha dorsal. Yaya Touré, Vincent Kompany, Sergio Agüero e David Silva, Fernandinho um pouco depois, De Bruyne depois de mais um pouco, foram constantes ao longo de uma década em que apenas três homens treinaram o time. O PSG também teve as suas pedras de sustentação, como Marco Verratti, Thiago Silva, Marquinhos e Edinson Cavani, mas sofreu uma rotatividade maior, especialmente no banco de reservas – e o Chelsea também: apesar de ter tido Frank Lampard, John Terry, Petr Cech e Didier Drogba por muito tempo, poucos treinadores conseguiram completar duas semanas no cargo com Roman Abramovich.

Depois de não conseguir contratar Guardiola em 2012, o City preparou o terreno para a próxima tentativa com os reforços dos diretores Ferrán Sorriano e Txiki Begirstain. Roberto Mancini foi demitido ao fim daquela temporada, e os dois entraram em contato com Pellegrini. Já naquela ocasião avisaram que Guardiola, terminando seu ano sabático, era a primeira opção. O treinador catalão preferiu o Bayern de Munique, e Pellegrini foi contratado sabendo que tinha prazo de validade. “Eu sempre soube que o City queria Pep, mas não me senti enfraquecido”, afirmou, ao The Athletic.

O sonho se realizou em 2016, após três anos em que o Bayern de Munique de Guardiola dominou a Alemanha, e o City de Pellegrini teve relativo sucesso na Inglaterra. A primeira temporada foi de adaptação e observação. Contratou alguns jogadores mais talhados ao seu jogo, como Ilkay Gündogan, John Stones, Leroy Sané e Claudio Bravo, mas a revolução de verdade aconteceu no mercado seguinte, quando um monte de gente foi embora, como Kelechi Iheanacho, Wilfried Bony, Aleksandar Kolarov, Samir Nasri, Joe Hart, Willy Caballero, Gäel Clichy, Jesús Navas, Pablo Zabaleta e Bacary Sagna. Chegou à marca de € 500 milhões em reforços em pouco mais de um ano com as chegadas de Benjamin Mendy, Kyle Walker, Bernardo Silva, Ederson, e Aymeric Laporte.

Além das peças, Guardiola também teve que adaptar a sua filosofia às peculiaridades do futebol inglês. “Temos que diminuir nossos erros, mas o principal aqui é controlar a segunda bola. Sem isso, você não sobrevive. Em outros países, quando um cara tem a bola no pé, as pessoas sabem o que vai acontecer. Aqui o futebol é mais imprevisível porque a bola fica mais tempo no ar do que no chão”, afirmou, após uma derrota por 4 a 2 para o Leicester. Com um time ainda no meio do caminho, foi terceiro colocado na Premier League e saiu ainda nas oitavas de final da Champions contra o Monaco.

Mas, com os ajustes, as expectativas do clube que sempre quis contar com Guardiola se cumpriram. Ele bateu todos os recordes com a campanha de 100 pontos em 2017/18. Depois caiu de rendimento, com apenas 98, um a mais do que o Liverpool. O bicampeonato da Premier League foi acompanhado por uma Copa da Inglaterra e mais três da Copa da Liga Inglesa para se juntarem à que conquistara em sua primeira temporada. E também por eliminações consecutivas nas quartas de final da Champions League em duelos nos quais era teoricamente o favorito – mas sempre muito empolgantes. Essa sequência negativa foi quebrada na atual edição.

O time que estamos vendo vencer a Premier League com um pé nas costas é o segundo de Guardiola. A campanha passada foi provavelmente a pior de sua carreira. Ficou longe demais do Liverpool muito cedo, perdeu nove vezes pelo Campeonato Inglês, mais do que quando ficou em terceiro, e foi eliminado pelo Lyon, em jogo único, na bolha de Portugal. A fragilidade defensiva ficou escancarada, assim como a necessidade por uma renovação. Gastou muito, especialmente em um mercado abalado pela pandemia, mas seguiu apostando na linha de contratar jogadores mais jovens.

Parecia que não seria suficiente após um começo de temporada difícil, mas, a partir de dezembro, tudo encaixou. Rúben Dias, um daqueles reforços, formou uma dupla de zaga intransponível com Stones, João Cancelo brilhou com mais liberdade para entrar pelo meio, Gündogan transformou-se em um David Silva que entra mais na área e faz muitos gols e nem as recorrentes lesões de Agüero atrapalharam. Guardiola abriu mão de ter um centroavante, revezando jogadores de ataque naquele setor com mais frequência do que escala o reserva Gabriel Jesus.

A maneira como conseguiu trocar o pneu com o carro andando para ganhar 21 jogos seguidos, e 30 dos últimos 33, é um dos grandes feitos da sua carreira. A sua genialidade obviamente ajudou, mas esses tipos de ajustes são possíveis apenas quando um treinador tem conhecimento profundo dos seus jogadores, uma linha muito clara que quer seguir e absoluta confiança dos seus chefes. Ninguém nunca teve tempo de adquiri-los no Paris Saint-Germain. Ali, o projeto desde 2016 foi muito mais… caótico.

A métrica mais fácil para ilustrar esse caos é o número de treinadores. Enquanto o Manchester City teve três  desde 2009, o PSG teve seis. Antoine Kombouaré deu lugar a Carlo Ancelotti, que deu lugar a Laurent Blanc, que deu lugar a Unai Emery, que de lugar a Thomas Tuchel, que deu lugar a Mauricio Pochettino, em uma espécie de Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade, mas com multas rescisórias milionárias.

A formação de elenco também foi muito mais difusa – o que é uma consequência natural. Lembram que a primeira grande polêmica do projeto petrolífero do Paris Saint-Germain era a posição de Cavani? Ele foi contratado um ano depois de Ibrahimovic, que já havia se auto-coroado rei da França, e teve que passar alguns anos deslocado como ponta direita. Isso deu um bafafá danado na época. Depois da demissão de Blanc, Emery foi contratado, pela sua experiência como campeão da Liga Europa. Os principais reforços daquela janela de início de temporada foram Grzegorz Krychowiak e Jesé Rodríguez. Sim, eu juro que eles já jogaram pelo PSG. Nenhum passou de 20 partidas.

Mais um ano, e o PSG quadruplicou a aposta e finalmente deu uma identidade ao seu projeto. Não seria um time reativo e nem propositivo, nem da escola alemã, italiana ou sueca: seria o time de Neymar – e de Kylian Mbappé, contratado por empréstimo naquela mesma janela, mas com aquela cláusula ridícula de obrigação de compra caso o time não fosse rebaixado. A partir de então, tudo passou a girar em torno do brasileiro. Tudo de bom e tudo de ruim. E teria que ser assim mesmo porque, sob a lanterna do fair play financeiro, por mais banana que ele seja, o PSG teve que segurar um pouco os gastos e tem tentado preencher as lacunas do elenco com barganhas ou jogadores sem contrato. Quando investe, investe mal. Os três jogadores mais caros desde Mbappé e Neymar foram Leandro Paredes, Thilo Kehrer e Mauro Icardi.

Este é o quarto ano em que o time é liderado pelos dois, com a valiosa contribuição de Di María e outros bons coadjuvantes. Embora tenha dominado a França, duas eliminações seguidas nas oitavas de final foram bem desagradáveis, ambas sem Neymar, muito propenso a lesões ao longo de todo esse período. Em parte, porque seu calcanhar sofre sucessivas Revoluções Francesas de marcadores excessivamente duros ou excessivamente violentos. De qualquer maneira, as ausências prolongadas do brasileiro também atrapalham a formação de um time mais coeso.

Mas nada atrapalha mais do que o fato de que, nesses quatro anos, o time foi treinado por três pessoas diferentes. Emery sempre pareceu estar aquém do tamanho necessário para administrar um vestiário tão estrelado – em que as rusgas entre Cavani e Neymar foram as protagonistas da primeira temporada – e caiu rapidinho. Não ajudou ter levado 6 a 1 do Barcelona e ter perdido um título francês para o Monaco. Seu sucessor foi Thomas Tuchel, outro profissional excelente taticamente. E também outro que teve problemas internos, mais pela sua inclinação a comprar brigas. Foi, pelo menos, o único que conseguiu dar um senso coletivo maior ao PSG e chegou à final da Champions League.

Agora, a aposta é em Mauricio Pochettino. O nome parece ótimo. Os desafios, porém, continuam os mesmos. Foi feito algum avanço em peças periféricas, especialmente no meio-campo, mas o elenco ainda não tem o equilíbrio ideal e a notícia da semana é que o PSG assumiu a dianteira pelos serviços de Lionel Messi – um ótimo jogador, não sei se vocês já ouviram falar, mas que geraria um quebra-cabeça magnífico para Pochettino montar um time com tantos atacantes e ainda defender um pouquinho.

Toda a conversa de que gostaria de voltar ao Barcelona diminuiu, mas o contrato de Neymar termina ao fim da próxima temporada e, embora tudo indique que será renovado, é uma negociação em andamento. Mbappé está na mesma situação e as notícias de bastidores da Europa são menos animadoras. De qualquer maneira, até que todas essas questões se resolvam, o médio prazo do PSG é um pouco incerto, em meio a mais uma temporada em que pode perder o título, apesar de ter receitas três vezes superiores às do segundo time mais rico da França – o Lyon, mas o líder no momento é o Lille, ainda mais para trás na hierarquia financeira.

O Manchester City não fez tudo certo desde que foi adquirido pelos Emirados Árabes, nem o PSG fez tudo errado desde que virou propriedade do Catar, mas os ingleses apostaram mais em estabilidade e projetos, mesmo antes de contratar Guardiola, o objetivo final desde sempre, enquanto os franceses acumularam estrelas e são mais propensos à tentativa e erro. E é por isso que as cartas que têm na manga nesta quarta-feira são as que são. O City tem suas qualidades individuais, mas é um time mais preparado para a ocasião. O PSG tem certa organização, mas aposta mesmo é na capacidade de suas grandes estrelas porque sabe também que, com Neymar e Mbappé, pode vencer qualquer adversário.

 

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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