Pulisic chamou a responsa e escreveu ótimo texto sobre o futuro do futebol nos EUA

“Wonderboy”, ou o ‘garoto-maravilha'. Foi assim que Alexi Lalas apelidou Christian Pulisic. E não pense que a alcunha veio em tom elogioso. Na verdade, foi uma provocação em meio ao discurso inflamado do ex-zagueiro, hoje comentarista, sobre a péssima campanha dos Estados Unidos nas Eliminatórias para a Copa do Mundo. Pouco depois, o Wonderboy só não faria chover contra o Panamá, em jogo que deixou o US Team muito próximo da Rússia. No entanto, apesar de todos os esforços do adolescente, os americanos sucumbiram na última rodada. Como todos sabem, a derrota para Trinidad e Tobago selou uma tragédia que, antes do início da rodada, parecia inimaginável.
Semanas se passaram desde aquele vexame. E, então, Pulisic decidiu vir a público. O Wonderboy demonstrou que pode ser uma ‘maravilha' ao soccer justamente por pensar além. No Players' Tribune, escreveu uma carta falando não apenas pelo sentimento que tomou sua cabeça desde então, mas para discutir soluções ao desenvolvimento de jovens jogadores no país. Uma singela contribuição em uma mudança que urge. Abaixo, traduzimos na íntegra o discurso. A maturidade do atacante vai além de chamar a responsabilidade nos grandes jogos:
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No meu coração, eu sabia que estava acabado quando nós saímos de campo.
Eu acho que todos nós sabíamos. Existiam todos esses cenários matemáticos complicados, mas nós conhecíamos o principal: nós precisávamos ao menos empatar. Tínhamos que ter marcado o último gol. E nós lutamos por ele igual malucos, até o final. Mas nós não conseguimos. E, uma vez que não conseguimos, bem, foi quando eu realmente soube.
Eu sabia que tinha acabado. Mas eu ainda tinha que saber.
Perguntei a um de nossos assistentes, quais eram os outros placares.
Você sempre tem uma pergunta que realmente precisa fazer a alguém, mas está com muita vergonha para falar em voz alta. Então você pensa em outra forma de fazer? Esse era eu, eu acho, naquele momento, perguntando ao nosso assistente sobre as outras partidas.
Quais eram os outros placares?
Essa era minha maneira de evitar a pergunta que eu realmente precisava saber, mas não podia perguntar.
Nós estamos indo para a Copa?
E eu nunca me esquecerei da expressão em seu rosto, ou do tom da sua voz, ou do sentimento de devastação total em meu corpo quando ele virou para mim e disse: “Não iremos, não conseguimos”.
“Não vamos à Copa do Mundo”.
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Muitas opiniões vieram à tona durante as últimas semanas sobre a queda nas Eliminatórias. E eu espero que vocês possam entendem por que a minha não estava entre elas. Jogar pelos Estados Unidos em uma Copa do Mundo é meu sonho desde que eu possa me lembrar. Final da Copa do Mundo, um minuto para acabar, bola no pé de Pulisic… e ele marca! – é o que eu poderia sonhar. Para mim, esse sempre foi o ápice do que eu poderia realizar no esporte.
Eu me lembro de assistir ao torneio de 2014 no porão de meu primo na Virgínia. Nós fizemos uma grande festa para a estreia contra Gana – e antes que eu pudesse me sentar com minha comida, eu nunca me esquecerei: Clint cortou para a direita, ajeitou a bola com o pé esquerdo e anotou.
29 segundos, 1×0 Estados Unidos.
Nós ficamos malucos.
Eu não podia acreditar na eletricidade no ar depois do gol. Era como se o país inteiro estivesse naquele porão, correndo com as mãos no ar, gritando gol. Apenas ficando insano. Foi uma incrível percepção de que “nossa, o futebol nos Estados Unidos pode fazer isso. Pode fazer… isso”.
Então, depois que eu cheguei tão longe nesses quatro anos desde que o gol foi marcado – ser parte do time e ficar a um gol da classificação… e acabar eliminado? Isso machuca mais do que eu possa traduzir em palavras.
É por isso que eu decidi esperar alguns dias e escrever algo sobre o assunto em meu próprio tempo. Eu tenho muitos pensamentos sobre o futebol nos Estados Unidos – e eu queria definitivamente expressá-los. Mas eu também queria me certificar que tinha o tempo necessário para, primeiro, refletir. E então, quando eu escrevesse algo, não queria apenas olhar para trás.
Seria para olhar à frente.
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A primeira coisa que eu quero dizer aqui, obviamente, é que eu não sou um expert. Estou certo que existe muita gente por aí que sabem muito mais sobre os programas nacionais de futebol do que eu – e eu espero que essas sejam as pessoas que teremos no comando do futebol durante o próximo ciclo. Eu sou apenas um rapaz de 19 anos, este é meu primeiro ano completo com a seleção. Então, qualquer que visão que eu tenho está baseada apenas no que eu experimentei e observei na minha carreira até o momento.
A segunda coisa que eu quero dizer é que eu não sou um prodígio – ou um “wonderboy”, como alguns colocaram. Eu sempre fui, vocês sabem, um jogador decente crescendo. E, sim, nasci com um certo tanto do que chamam de “habilidade natural”. Mas eu também trabalhei e me sacrifiquei muito para maximizar aquilo que nasceu comigo – o que eu acho que é importante ressaltar. Penso que é importante deixar claro, vocês sabem, que o problema no futebol dos Estados Unidos… não é talento. Na verdade, tenho certeza que há garotos lendo este artigo que são mais talentosos em suas idades do que eu sou.
E a terceira coisa que quero dizer é que eu amo o futebol praticado nos Estados Unidos. O que talvez soe óbvio, mas eu acho que muitas pessoas têm essa ideia estranha de que os jogadores da seleção que vêm da Europa não amam. Eles vão falar como nós somos de alguma forma menos apaixonados pelo futebol nos EUA ou menos americanos por isso. Que nós somos esses farsantes ou algo do tipo – os forasteiros trazidos como uma trapaça para tentar vencer seleções europeias. E isso não poderia ser mais distante da verdade.
Realmente me frustra quando as pessoas dizem: “Oh, ele é apenas parte americano” ou “Ele cresceu na base do Dortmund” ou algo do tipo. Primeiro de tudo, isso não é verdade: até os 16 anos, eu integrei o sistema americano. Eu fiz todos os camps, todas as academias, todos os programas de residência, os times de viagem e tudo que se possa oferecer. Eu sempre serei parte desse sistema, e sempre estarei em dívida com isso. Em segundo lugar, eu acho que essa atitude é perigosa, no geral: ter uma visão fechada do que significar ser ou não americano. E eu espero que esse é um tipo de atitude que possamos manter longe da conversa nos próximos anos.
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Quando as pessoas me perguntam qual foi o maior ponto de virada da minha carreira – quando elas me perguntam “o que causou o maior impacto até o momento” – isso não é uma questão fácil de se responder. Eu tive muita sorte ao longo dos anos: de ter pais que me apoiavam, de passar por academias fantásticas, de ter companheiros incríveis e por aí vai.
Mas uma coisa que eu não sei se as pessoas percebem quando falam sobre meu jogo é o quão sortudo eu fui de ter um passaporte croata – e quanta diferença isso fez para mim.
Como consequência da minha dupla cidadania, eu estava apto a jogar na Europa, treinar na base do Dortmund desde que eu tinha 16 anos. Sem isso? Eu teria que esperar até os 18. E para um jogador de futebol… cara, pergunte isso a qualquer um e eles te dirão: esse período entre os 16 e os 18 anos é tudo. De uma perspectiva de desenvolvimento, é quase como o momento decisivo. É a idade em que o crescimento e a habilidade de um jogador se cruzam – e quando, com o direcionamento certo, um jogador pode fazer seu maior salto em sua evolução.
No sistema dos Estados Unidos, muitas vezes o melhor jogador em uma equipe sub-17 será tratado como uma “estrela” – sem precisar trabalhar com a bola, focando no ataque, etc – em um momento no qual eles deveriam lutar com unhas e dentes por seu espaço. Na Europa, por outro lado, o nível médio de habilidade ao seu redor é muito mais alto. É um grupo de jogadores em que todos foram “o melhor jogador” e todos estão lutando por seu lugar, semana a semana. Isso oferece a intensidade e a humildade que você precisa levar para campo todos os dias, tanto na perspectiva mental quanto física. E isso é diferente de tudo o que você pode realmente experimentar nas categorias formativas nos Estados Unidos.
Sem essas experiências, simplesmente não haveria como chegar perto do nível que eu estou atualmente.
E então eu realmente me pergunto: por que os jogadores americanos podem se mudar do país assim que fazem 16 anos, mas aqueles que não têm cidadania europeia precisam aguardar até os 18? Por que não estamos fazendo uma campanha para que os nossos melhores adolescentes, a maioria sem um passaporte europeu como eu, não estejam livres para se transferir quando fazem 16 anos, como os melhores jovens da Europa? E enquanto isso, enquanto alguns de nossos melhores jovens jogadores não têm a oportunidade como eu tive na Europa… nós estamos fazendo de tudo para garantir que o nível do futebol jogado nos EUA seja grande o suficiente para desenvolver o máximo de seus potenciais? Então eles podem continuar se desenvolvendo até onde o talento deles permita para jogar em qualquer canto do mundo?
Eu também entendo, é claro, que – mesmo com uma opção para sair – deixar os EUA talvez não seja para todos. Ficar é ótimo e eu respeito totalmente. Mas ao mesmo tempo, tenho que dizer: realmente me frustra quando assisto à MLS e vejo que nossos melhores jogadores sub-17, muito talentosos e capazes, não entram em campo. Eu assisto e penso sobre como me deram uma chance, uma chance real, e isso mudou a minha vida. Então por que estamos aparentemente hesitantes que nossos talentos floresçam?
De qualquer maneira, eu não estou certo sobre quais são as respostas para essas questões… Mas eu continuo achando que vale a pena perguntar. E eu sei disso: o caminho dos Estados Unidos para conquistar uma Copa do Mundo não começa em ter “mais talento”. Começa em desenvolver o talento que nós já temos, da maneira correta.
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Outra coisa que eu realmente pensei foi sobre a ideia do futebol nos Estados Unidos como cultura.
Futebol… É apenas esse modo de vida em outros países. É parte da fábrica de quem eles são, e do que eles fazem. Há um senso de identidade que eu penso que é formado no futebol mundial – que toca a todos, e conecta todos juntos. Se o time da sua cidade está tendo sucesso, se a sua seleção está tendo sucesso, há um sentimento de orgulho pessoal que vem junto com isso. Eu vi uma faísca disso com o gol de Clint em 2014 – isso quase me fez sentir que, em certo momento, o clima de todo o país tinha mudado. É duro colocar em palavras o quão forte foi isso.
É por isso que eu me sinto tão destroçado que não daremos às pessoas esse sentimento no próximo verão.
Algo que é importante pontuar, entretanto, é que – mesmo depois de sofrermos esta derrota terrível, e mesmo com todos querendo falar sobre o que está errado no futebol dos Estados Unidos – nossa cultura está melhorando a todo o tempo. A MLS fez grandes progressos como liga durante os últimos anos, e há muitos mercados incríveis para o futebol nos Estados Unidos que emergiram. Você olha sobre o que construíram em cidades como Portland e Seattle, e sobre o que estão construindo em lugares como Atlanta e Cincinnati, e sobre o que está acontecendo para tentar salvar Columbus. Isso é inspirador. E eu quero dizer que a atmosfera que nós tivemos entrando em campo em Orlando, naquele estádio, para o jogo contra o Panamá… Aquilo era surreal. Eu estava tão orgulhoso de fazer parte daquele jogo. Realmente fez sentir que todos nós estávamos trabalhando juntos naquela noite para algo especial acontecer.
E não são apenas torcedores americanos do futebol dos Estados Unidos agora. É tão inspirador, para mim, ver quantas pessoas estão viajando para assistir a jogos de futebol em outros países. Encontrar no aeroporto uma criança com a camisa PULISIC USA. Isso obviamente me emociona. Mas ver esse garoto com a camisa do Dortmund? Esse clube europeu? É algo inteiramente diferente. Desde que comecei a notar aqueles ao redor… Cara, isso realmente me tocou: esse é um país no qual as pessoas estão começando a levar o futebol a sério, em um nível global.
E, para mim, o nível global é o próximo grande passo para nosso país. Porque é isso que acontece quando o futebol deixa de ser aquela “coisa nova legal”, essa novidade que faz parte de nossas vidas a cada quatro anos… e quando se torna algo muito melhor que isso.
Isso se torna parte de nossa cultura.
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Quando eu estava crescendo, eu costumava jogar basquete com meu pai quase todas as noites. Eu voltava para casa do treino de futebol e nós apenas jogávamos basquete, e outro jogo… e outro jogo… e outro jogo. E isso é engraçado, porque a ideia era apenas nos divertirmos, sabe? Depois de levar o futebol a sério ao longo do dia, eu voltava para casa apenas para arremessar uma bola por diversão. Mas, cara, por minha vida… Eu nunca podia jogar apenas por diversão. Eu precisava vencer.
Quando eu te digo isso, era como se não importasse quantas vezes meu pai me vencesse. Eu tinha que continuar jogando até que finalmente ganhasse uma. Em algumas noites, honestamente, eu levava mais a sério que o treino de futebol. Eu não sei como descrever isso além de ‘obsessão'. Eu ficava obcecado em vencer aquelas partidas.
E quanto mais eu pensava sobre isso, realmente se tornava como minha vida inteira. Obcecado em vencer. Não importa o que eu fizesse – ou jogando basquete com meu pais, ou bandeirinha quando pequeno, ou Fifa com meus amigos, ou uma partida pelo Dortmund… A ideia de ter que vencer quase me devorava. O que não quer dizer que eu ganhava todas as vezes. Eu não era nem bom no Fifa. Mas eu ficava furioso com isso, consumido por esse sentimento. Se eu estou fazendo algo, quero ser o melhor. Não estou certo o que significa… Mas é como eu sou.
É como eu sempre fui.
E eu não mentirei a vocês: eu me senti bastante deprimido ao longo desse último mês. O pensamento de que precisarei esperar mais quatro anos, apenas para tirar o gosto de cair nas Eliminatórias da minha boca… apenas para saber se vamos à próxima Copa do Mundo? Cara, isso é duro. Quatro anos, você sabe? Eu sinto como se fosse uma vida toda. Eu digo que, no futebol, quatro semanas podem te fazer sentir como se fossem a vida toda! Olhe para as minhas últimas quatro: caímos nas Eliminatórias, perdemos o primeiro jogo na Bundesliga, perdemos para o Bayern em casa e agora estamos enfrentando uma missão muito dura para tentar avançar na Liga dos Campeões. Para um rapaz obcecado por vencer, ultimamente eu tenho perdido bastante.
Mas eu apenas quero que você saiba: eu continuo obcecado, da mesma maneira.
Eu apenas quero que todo torcedor americano lendo isso entenda, que não importam quais decisões serão feitas nos próximos anos. Que não importam quais mudanças serão implementadas. Que não importa qual técnico será ou quais serão os jogadores. Eu continuarei obcecado por vencer. E eu ficarei obcecado em fazer minha parte para o futebol nos Estados Unidos dar sua volta por cima.
Porque, sim, OK… Não iremos à Copa do Mundo.
Mas haverá outra Copa do Mundo depois disso. E outra depois. E outra. E eu acho – espero – que nós podemos construir algo com o futebol nos Estados Unidos, onde não se trata apenas de uma partida perdida, ou de um ciclo perdido, ou de um time perdido. Será sobre um país inteiro, se reunindo em torno de um esporte, em um caminho que perdurará.
Então, vamos nos planejar para 2022.
Deixem seus porões preparados.
Estaremos lá.