Durante mais de duas décadas de história, a Major League Soccer recebeu várias estrelas mundiais. Gareth Bale, David Beckham, Thierry Henry, Andrea Pirlo, Frank Lampard, Steven Gerrard, Kaká, Lotthar Matthäus, Bastian Schweinsteiger, Zlatan Ibrahimovic, Wayne Rooney, Alessandro Nesta, entre outros. Mas agora terá Lionel Messi, e isso é outra história. É Pelé no New York Cosmos. Nesta quarta-feira, em uma entrevista exclusiva ao Mundo Deportivo, o craque argentino acabou com o mistério e anunciou que tomou a decisão de jogar no Inter Miami, franquia de Beckham.
Messi estava livre no mercado após o fim do seu contrato com o Paris Saint-Germain. O retorno ao Barcelona era uma opção óbvia, muito especulada, muito discutida. O técnico dos catalães, Xavi Hernández, não foi comedido ao dizer que gostaria de contar com ele, e nem Messi escondeu que, em um cenário ideal, adoraria passar mais alguns anos no Barcelona, especialmente para ter uma despedida de verdade, como alguns dos seus contemporâneos. No entanto, o pouco espaço de manobra financeiro em que o clube catalão ainda opera parece ter inviabilizado a operação.
Talvez por puro timing. Messi deixou bem claro que sua prioridade foi não passar por meses de incerteza, como dois anos atrás quando teve que abandonar o clube da sua vida abruptamente quando o Barcelona descobriu que não conseguiria inscrevê-lo, e não deixar a sua decisão nas mãos de outros. Pelas regras financeiras de La Liga, o Barça teria que realizar algumas operações antes de poder contratá-lo, e aquele verão europeu de 2021 parece ter deixado feridas que ainda não foram cicatrizadas, uma desconfiança com o clube e com a liga que ele deixou transparecer em sua entrevista.
Messi poderia ter tomado outros rumos. Havia a proposta pornográfica da Arábia Saudita e, claro, interesse de outros clubes europeus. No entanto, ele confessou que, depois de conquistar o título da Copa do Mundo, a maior ambição da sua vida, e com o retorno ao Barcelona descartado, a opção foi por desacelerar. Primeiro, ele não vai jogar de graça no sul da Flórida: segundo o The Athletic, o acordo prevê possível participação nos lucros da Adidas, parceira comercial da MLS e do próprio jogador, e da Apple, que recentemente assinou um contrato de direitos de transmissão bilionário com a liga americana, além de um bom salário e até possibilidade de comprar ações do Inter Miami quando se aposentar.
E além disso, disse que quer levar uma vida mais tranquila, longe dos holofotes do futebol de alto nível, com menos pressões e exigências. A escolha por Miami também foi por uma cidade que ele gosta, onde já passou férias, onde tem um apartamento – e que também fica em uma região dos Estados Unidos que não recolhe impostos estaduais, certamente um bônus muito bem-vindo.
Embora ele tenha dito que ainda faltam acertar alguns detalhes, o Inter Miami não demorou para anunciar o seu novo reforço, com um vídeo no Twitter ironizando reportagens que duvidavam da sua contratação pelos americanos. Em um comunicado, a MLS disse que está satisfeita “que Messi afirmou sua intenção de se juntar ao Inter Miami e à Major League Soccer. Embora ainda haja trabalho a ser feito para finalizar um acordo formal, estamos ansioso por receber um dos maiores jogadores de todos os tempos”.
— Inter Miami CF (@InterMiamiCF) June 7, 2023
“Eu obviamente tinha muita vontade de poder voltar, mas, por outro lado, depois de viver o que vivi e da saída que tive, não queria passar por essa mesma situação novamente. Esperar para ver o que vai acontecer, deixar meu futuro nas mãos de outros. Queria tomar minha própria decisão, pensando em mim e na minha família. Apesar de ter ouvido que se dizia que La Liga havia aceitado tudo e que estava tudo certo para que eu voltasse, ainda faltavam muitas outras coisas que precisavam acontecer. Escutei que tinham que vender jogadores ou baixar o salário de jogadores, e a verdade é que não queria passar por isso”, explicou.
“Eu tive medo de que voltasse a acontecer a mesma coisa e que tivesse que sair correndo, como aconteceu, que eu tive que vir para Paris e ficar muito tempo em um hotel com minha família, com meus filhos indo para a escola e ainda ficando no hotel. Queria tomar minha própria decisão e foi um pouco por isso que não aconteceu a volta para o Barcelona. Eu teria adorado, mas não foi possível. Depois de ter conseguido tudo, graças a Deus, e de ter conseguido, por fim, a Copa do Mundo, o que eu tanto desejava, queria buscar outra coisa também e um pouco de tranquilidade”, acrescentou.
“Eu escutava um pouco de tudo que se dizia, o que ia saindo, o que disse Xavi… La Liga havia dado o ok, mas também não é verdade que a decisão fosse minha porque faltam muitas coisas e é um verão longo e eu não queria passar pelo que passei. Preferi tomar uma decisão antes para terminar logo com isso e ficar tranquilo e pensar nas férias e no meu futuro e planejando o que eu sei que será possível”, completou, lembrando o quanto foi difícil para ele toda a confusão da sua saída do Barcelona dois anos atrás.
“Foi uma etapa muito feia. Chegamos com a motivação de todos os anos, de voltar a treinar, as crianças em seus colégios e suas rotinas. Quando estava tudo para assinar, do dia para a noite, não foi possível e me comunicam que não é possível e tenho que deixar o clube. Tive que começar a correr e buscar outro time, tomar uma decisão apressada e passar por tudo que passamos foi difícil. Agora tinham, pelo que se diz, conseguido permissão de La Liga. Mas eu digo que não era apenas isso. Faltavam muitas coisas. O clube, hoje, não estava em condições de me dizer com 100% de certeza que poderia voltar. E é compreensível, pela situação que o clube está passando”, afirmou.
Em um comunicado oficial, o Barcelona divergiu um pouco da versão de Messi e disse que apresentou uma proposta, mas foi informado na última segunda-feira sobre a decisão de assinar com o Inter Miami. “O presidente Laporta entendeu e respeitou a decisão de Messi de querer competir em uma liga com menos exigências, mais distante dos holofotes e da pressão aos quais foi submetido nos últimos anos. Tanto Joan Laporta quanto Jorge Messi (pai e empresário de Lionel) também concordaram em trabalhar juntos para promover uma homenagem de verdade para os torcedores do Barça honrarem um jogador que foi, é e sempre será amado pelo Barça”, disse.
Vida familiar
Em outra parte da entrevista, Messi disse que, na sua vida pessoal, os últimos dois anos com o Paris Saint-Germain foram um período difícil – com uma exceção muito clara. “Eu também estou em um momento em que quero sair um pouco do foco. Pensar mais na minha família. Foram dois anos que minha vida familiar estava tão ruim que eu não conseguia aproveitar. Tive o mês que foi espetacular para mim por ter ganhado o Mundial, mas, tirando isso, foi uma etapa difícil para mim. Quero reencontrar o prazer, o prazer da minha família, dos meus filhos, do dia a dia”, continuou.
“Minha família ficou empolgada com tudo que se escutava (sobre o Barcelona), mas ao mesmo tempo nem tanto porque a realidade era que ainda não sabíamos se poderia acontecer, mas obviamente eles tinham muita vontade de voltar. Nunca quisemos sair de lá, foi muito difícil, mas eles também me apoiam e foi uma decisão tomada em família. Estão contentes com a nova mudança, embora tristes por ir embora. Foi difícil no começo, mas agora estão mais adaptados aqui em Paris. Têm seus amigos no colégio e também será doloroso deixar tudo isso para trás. Já são grandes. Thiago (o mais velho), sobretudo, entende a situação e está feliz pelo que virá pela frente”, disse.
“Foram dois anos em que não fui feliz, não me divertia, e isso afetava minha vida familiar. Eu perdia muito da vida dos meus filhos na escola. No Barcelona, eu os buscava, aqui o fiz muito menos, tinha menos atividades com eles. A decisão passa por aí também, para me reencontrar, entre aspas, com minha família, com meus filhos, e aproveitar o dia a dia. Tive a sorte de conseguir tudo no futebol e agora vai um pouco além do esportivo, que também me interessa e muito, mas muito mais o familiar”, completou.
Em meio a uma avalanche de especulações, dizia-se que Messi havia combinado com Sergio Busquets e Jordi Alba, outros jogadores históricos do Barcelona que estão de saída ao fim da atual temporada, para jogar na Arábia Saudita. Ele descartou que houve esse plano e que ele agora seria estendido para a Major League Soccer, o que não impede a possibilidade o Inter Miami de ir atrás de seus antigos companheiros. Afirmou que não está tudo fechado ainda, mas que tomou a decisão de ir a Miami.
“Faltam algumas coisas, mas decidimos seguir em frente. Eu tive propostas de outros clubes europeus, mas nem as avaliei porque minha ideia era jogar no Barcelona e, se não acontecesse o Barcelona, analisar, depois sair do futebol europeu. Ainda mais depois de conquistar a Copa do Mundo, que era o que faltava para fechar minha carreira nesse lado e viver a liga dos Estados Unidos de outra maneira, aproveitando muito mais o dia a dia, mas com a mesma responsabilidade de querer ganhar e de fazer bem as coisas, mas com mais tranquilidade”, explicou.
Fim de uma era
A transferência de Messi para os EUA efetivamente encerra uma era em que o futebol do mais alto nível foi dominado por dois jogadores. O primeiro passo havia sido a saída de Cristiano Ronaldo para o Al Nassr. Eles continuarão em atividade pelos próximos anos, nada indica que se aposentarão das suas seleções imediatamente e talvez no futuro até possam retornar à Europa – eu não apostaria nisso -, mas a próxima temporada europeia de clubes será a primeira em aproximadamente 15 anos cuja narrativa não girará em torno dos dois maiores craques da sua geração. A primeira em quase duas décadas em que nenhum deles terá a possibilidade de conquistar a Champions League ou a Bola de Ouro.
O tamanho de Messi não pode ser quantificado em números. Mas lá vão eles: foram 710 gols em 875 partidas no futebol europeu, quatro Champions League, dez edições de La Liga, duas da Ligue 1, três Mundiais de Clube e sete Copas do Rei. Recebeu sete Bolas de Ouro, quatro delas durante a parceria com a Fifa, que o elegeu o melhor jogador do mundo separadamente outras três vezes. Teve um período especial, entre 2009 e 2013, em que transformou fazer 50 gols por temporada em algo banal, com o ápice de 73 por todas as competições em 2011/12.
Dá até medo pensar no que ele poderá fazer em uma liga em que Sebastian Giovinco (com todo respeito) deitou e rolou, mesmo se o momento do Inter Miami não seja o melhor. Está na lanterna da Conferência Leste e acabou de demitir o técnico Phil Neville. Como um afago extra a Messi, especula-se a contratação de Tata Martino, com o qual ele trabalhou no Barcelona e na Argentina e que venceu a Major League Soccer pelo Atlanta United em 2018. Em um enquadramento muito menor, digamos que a segunda parte da temporada do Inter Miami será bem diferente.