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Brenner no Cincinnati é fruto do incentivo da MLS e da fragilidade financeira do São Paulo

A notícia da venda de Brenner, do São Paulo, para o Cincinnati surpreendeu. Aos 21 anos, o jogador era cotado em times europeus, como o Ajax e até houve um rumor que o Arsenal se interessaria. Sua saída para a MLS indica duas coisas: um fortalecimento da política de contratação de jovens na liga, incentivada por uma regra que torna mais barato para os times levarem jogadores sub-23; e uma fragilidade do São Paulo, que vende um jogador que potencialmente teria mercado na Europa pela necessidade de fazer caixa imediatamente.

A venda foi acertada na noite de quinta-feira, conforme confirmado pelo Cincinnati Soccer Talk. O brasileiro chegaria para ocupar uma vaga como “young designated player”, para jogadores até 23 anos. A regra é um incentivo para que os clubes contratem jogadores jovens. Cada clube pode gastar até US$ 5,21 milhões em salários por temporada (valor que pode chegar a US$ 9,83 milhões por temporada, caso o clube queira usar o seu dinheiro de alocação, algo que pode ser negociado com outros clubes também, por exemplo). Os jogadores designados podem receber valores acima do teto salarial, como será o caso de Brenner. A forma como são contabilizados, porém, depende da idade.

Cada clube pode ter até dois jogadores designados, que possuem salário acima do teto. Caso o jogador designado tenha 24 anos ou mais, ele entra para a conta teto salarial com o valor máximo: US$ 612.500 por ano. Caso o jogador tenha de 21 a 23 anos, o valor cai significativamente: US$ 200 mil. Se tiver 20 ou menos, US$ 150 mil.

Caso o clube queira ter uma terceira vaga de jogador designado, deverá pagar à liga o valor de US$ 150 mil. Caso a terceira vaga seja ocupada por um jogador sub-23, não precisa pagar nada. Por isso, contratar jogadores jovens é mais vantajoso: abre mais espaço na folha salarial para contratar outros jogadores.

A ida de Brenner, um jovem sul-americano, para a MLS não é um movimento isolado. O Atlanta United está negociando para contratar Santiago Sosa, argentino do River Plate que tem 21 anos. Rodney Redes, de 20 anos, já é jogador do Austin FC, contratado ainda em 2020, mas que ficou por empréstimo onde estava, no Guaraní, do Paraguai, para seguir seu desenvolvimento. Na temporada 2021, já estará na MLS.

Há uma clara tendência da MLS de focar no mercado sul-americano. Com a imensa vantagem do câmbio a seu favor, os times da liga norte-americana oferecem um bom retorno financeiro aos jovens jogadores e algo que centros endinheirados normalmente não têm: qualidade de vida. É normalmente uma chance de mudar a vida da família, morar nos Estados Unidos, ganhando em dólar, em uma liga organizada.

É preciso considerar o aspecto esportivo: a MLS segue muito distante das principais ligas sul-americanas, Argentina e Brasil. Tecnicamente, deixa a desejar justamente porque não tem como competir financeiramente com a Europa e montar elencos com vários jogadores que podem receber altos salários. Embora haja bons jogadores em todos os clubes, a média dos jogadores dos elencos acaba sendo baixa pelo salário não tão atraente em relação a outros esportes e outras ligas, especialmente na Europa.

Apesar da MLS ter menos visibilidade que o Campeonato Brasileiro, de modo geral, há casos de jogadores que migram da liga americana para a Europa. O principal caso é de Miguel Almirón, contratado pelo Atlanta United junto ao Lanús e que brilhou na liga da América do Norte antes de ser vendido ao Newcastle. Apesar de ser possível, essa rota não é comum e ainda é uma exceção, não regra.

Brenner tinha mercado na Europa, o que pode fazer com que ele continue sendo observado, pela idade que tem. Mas para ter chance de saltar para a Europa a partir da MLS, será preciso ser um grande destaque, como Almirón, eleito o MVP do ano que o seu time conquistou o título. Ezequiel Barco, destaque do Independiente na campanha do título da Copa Sul-Americana em 2018, foi para o Atlanta United e continua por lá até hoje. Não conseguiu ser o destaque que pintava, como foi com Almirón.

O ponto de alerta para o futebol sul-americano é que a MLS tem olhado para cá para levar alguns jogadores jovens que antes não iriam para lá. A liga dos Estados Unidos é mais atraente que mercados como o Oriente Médio e talvez só tenham alguma concorrência em qualidade de vida com o Japão, entre os centros alternativos. E, neste caso, a língua acaba sendo um entrave. É muito mais fácil aprender inglês do que japonês.

O caso de Brenner evidencia também que o São Paulo precisa do dinheiro. A venda de Brenner é por um bom valor, é verdade: US$ 13 milhões, segundo o GE, além de outros US$ 2 milhões quando Brenner chegar a 10 partidas pelo clube, além de um percentual de 20% do lucro de uma transferência futura do atacante (ou seja, 20% do valor que ultrapasse o que o Cincinnati pagou pelo jogador brasileiro).

Embora a proposta seja boa, o São Paulo poderia tentar segurar, porque não é uma proposta irresistível. A não ser para quem está precisando de dinheiro, que é o caso do clube do Morumbi. Com salários altos a pagar, como o de Daniel Alves, e a pandemia da COVID-19, que afetou todos os clubes, o São Paulo precisaria vender jogadores em 2021 para conseguir ter caixa. Algo que Rodrigo Capelo já alertou no seu relatório sobre as finanças do São Paulo no seu blog do GE.

A venda de jogadores já é até prevista nos orçamentos de clubes como o São Paulo. Havia uma prebisão de R$ 154 milhões de receitas com vendas de jogadores em 2020, mas foram arrecadas R$ 137 milhões, dos quais R$ 117 milhões foram arrecadas só com as transações de Antony para o Ajax e Gustavo Maia ao Barcelona. Vitor Tormena também gerou receitas ao clube por ter se transferido do Gil Vicente ao Braga. O São Paulo tinha 30% do valor da negociação acertado em contrato.

Sem muita margem de manobra, o São Paulo agradece aos céus uma proposta como essa de Brenner. O jogador cresceu, se tornou importante para o time e acaba vendido pouco mais de seis meses depois de se tornar titular do time com Fernando Diniz, que o resgatou do ostracismo no Morumbi. É possível que o São Paulo tenha que vender mais jogadores, tal como os jovens Igor Gomes e Gabriel Sara ou mesmo o zagueiro Robert Arboleda.

A saída de Brenner é também fruto de um São Paulo que derreteu na reta final do Campeonato Brasileiro e viu o time cair da liderança para o quarto lugar, ainda ameaçado de perder até mesmo essa posição. A violência da torcida contra os jogadores, que atiraram pedras antes do jogo contra o Coritiba, também é um fator. Brenner é um dos que quase foi acertado pelas pedras e teria ficado bem assustado com o episódio. Isso fica mais evidente com a informação do UOL que foi o próprio jogador que pediu para nem terminar o Campeonato Brasileiro e já partir para os Estados Unidos. Vai ganhar por lá US$ 1,5 milhão por temporada (algo como R$ 8 milhões).

Cada item citado aqui entra na conta de um São Paulo que deve vender mais jogadores do que comprar, e que precisará de muita inteligência no mercado para reforçar o time gastando muito pouco, se é que vai poder gastar. Brenner é o primeiro a sair do atual elenco são-paulino, mas dificilmente será o último.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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