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Por que Casemiro decidiu trocar o Real Madrid pela bagunça do Manchester United? 

O brasileiro ganhará muito dinheiro, terá um desafio novo pela frente e a chance de se tornar ídolo de mais um gigante do futebol europeu

Casemiro ganhou cinco vezes a Champions League. Com protagonismo em muitas delas. É um dos jogadores históricos do Real Madrid, o atual campeão espanhol e europeu, com um núcleo jovem dos mais interessantes da Europa que o deixa bem posicionado para ter muito sucesso no futuro. Poderia passar o resto da vida na capital espanhola, como fez o compatriota Marcelo. Talvez ser capitão um dia. Quebrar recordes. Mas preferiu deixar tudo isso para trás pela bagunça do Manchester United.

Real Madrid e Manchester United confirmaram o acordo. O clube espanhol marcou um evento de despedida na próxima segunda-feira para homenagear o volante. “O Real Madrid é e sempre será a sua casa e deseja muita sorte a ele e a toda sua família nesta nova etapa da sua vida”, escreveu. O United disse que a transferência depende de acertar termos pessoais, exames médicos e obtenção de visto de trabalho. A menos que haja uma grande reviravolta, o anúncio oficial será realizado nos próximos dias.

Quando surgiram as primeiras notícias, o interesse dos Red Devils fedia a desespero. Ainda exala um pouco porque £ 60 milhões (com mais £ 10 milhões em variáveis) por um jogador de 30 anos não é exatamente o tipo de negócio que um clube com uma política de contratações coerente costuma fazer. Havia uma necessidade de longa data por um volante de elite, e os dois primeiros jogos da temporada deixaram Old Trafford em estado de pânico. A resposta foi ir ao mercado tentar contratar talvez o melhor que existe para resolver de vez o problema. É o tipo de negócio que um clube com dinheiro sobrando de vez em quando faz.

Mas junto com o desespero do United, houve muita incredulidade. Por que Casemiro embarcaria nessa aventura tão incerta? O Manchester United se transformou em um cemitério de jogadores. É verdade que sua estratégia de recrutamento não é a mais racional, mas caras muito bons foram contratados, de Raphaël Varane a Jadon Sancho, e a maioria caiu bruscamente de rendimento. Até Bruno Fernandes, que chegou do Sporting tomando conta do meio-campo, não parece mais o mesmo. É um movimento arriscado para Casemiro, às vésperas de uma Copa do Mundo.

E ainda assim, ele topou. Os motivos ficarão mais claros quando ele der suas primeiras entrevistas após a apresentação – desde que ele não diga, por exemplo, que “todo mundo sabe por que eu vim”, sem dizer por que veio, como fez naquele episódio estranho na Copa América. Mas analisando o contexto, é possível encontrar algumas pistas que deixam a decisão de Casemiro menos estranha do que parece.

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Começando pelo que desde a invenção da moeda serve como principal motivador para as decisões que as pessoas tomam. E sem juízo de valor porque Casemiro tem todo o direito de aceitar uma proposta financeira superior, e não é que ele trocou um clube que compete pelos principais títulos por um mercado periférico. Irá para a Premier League, a liga mais rica e badalada do mundo, para defender o maior campeão da Inglaterra. E mesmo se tivesse ido para a China ou para a Arábia Saudita, poderíamos lamentar, mas a decisão continuaria sendo exclusivamente dele.

Casemiro ganhará mais do que o salário atual no Real Madrid e estará entre os vencimentos mais altos do Manchester United. Também terá contrato até 2026, com opção de mais um ano. O seu vínculo com os merengues terminaria em 2025. Isso também lhe dá um pouco mais de segurança para o futuro, com salários negociados até completar 35 anos.

A parte financeira é importante porque Casemiro precisava ser convencido a deixar a comodidade do Real Madrid pela incerteza do Manchester United. Foi a famosa proposta Poderoso Chefão: aquela que você não pode recusar. Com ela na mesa, outros fatores, mais esportivos, também podem ter influenciado a decisão do brasileiro.

Um novo desafio

Casemiro, do Real Madrid (Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

É bizarro pensar nisso neste momento, mas Casemiro saiu do São Paulo contestado. Famoso pela indisciplina e pela marra, sua recuperação se tornou uma espécie de projeto pessoal de Emerson Leão. Foi uma surpresa quando o Real Madrid o contratou, inicialmente para o Castilla, o seu time B. Ele nem demorou para ser promovido. Integrado ao elenco para 2013/14, seria reserva, mas ainda daria uma contribuição importante à campanha que terminou com La Décima. Saiu para o Porto e depois de uma boa temporada retornou ao Santiago Bernabéu.

Foi elevado por Zinedine Zidane, uma das mudanças do técnico francês para acertar o time com a temporada em andamento e conquistar mais uma Champions League. Nunca mais seria reserva. Uma das pontas de um triângulo histórico, ao lado de Luka Modric e Toni Kroos. Fez gol em final europeia. Ganhou todos os títulos. Chegou à seleção brasileira. Fez mais de 300 jogos por um dos maiores clubes do mundo. Se decidisse se aposentar, por exemplo, estaria entre os grandes ídolos da história do Real Madrid.

Então por que não aproveitar os seus últimos anos em alto nível para marcar seu nome em outro gigante? Casemiro respondeu a todas as perguntas que foram feitas quando chegou ao Real Madrid – e eram várias. Provou tudo que tinha para provar. Agora tem a oportunidade de ser um dos líderes de um dos projetos mais difíceis do futebol europeu: reconstruir o Manchester United. Se conseguir dar um jeito naquele meio-campo, será imediatamente transformado em um dos favoritos das arquibancadas, até pela maneira como se entrega em todas as partidas.

E se for um dos pilares do renascimento do Manchester United, considerado um dos responsáveis por devolvê-lo à primeira prateleira da Inglaterra e da Europa, não seria um feito mais significativo do que fazer pelo Real Madrid o que ele já fez tantas vezes? Não é um sentimento incomum. Nesta mesma janela de transferências, nomes como Robert Lewandowski e Sadio Mané fizeram o mesmo movimento. Estavam em clubes nos quais eram ídolos, mas decidiram respirar novos ares, conhecer novas culturas e encarar novos desafios. Casemiro fez a mesma coisa.

A fila anda

Camavinga e Tchouameni, do Real Madrid (Foto: Alex Grimm/Getty Images/One Football)

Casemiro ainda é um dos melhores volantes do mundo. Semana passada, foi um dos destaques da conquista da Supercopa da Europa. Pode acontecer porque depois dos 30 anos o corpo é uma caixinha de surpresas, mas os indicativos de que cairá repentinamente de rendimento são mínimos. Provavelmente continuaria sendo uma das peças centrais do Real Madrid, enquanto se mantivesse saudável, mas também teria que ficar o tempo inteiro olhando no retrovisor.

Ao contrário do Manchester United que tem adotado uma estratégia de transferências que mistura o conhecimento de um adolescente sobre os melhores jogadores do mundo e quem Erik ten Hag via jogar todas semanas no Campeonato Holandês, o Real Madrid tem um plano. O famoso Triângulo das Bermudas (porque a bola vai para lá e some) formado por Modric, Kroos e Casemiro ainda dá muito caldo, mas não é imune ao tempo. A preocupação sempre foi clara em não esperar que a decadência ficasse evidente para preparar os seus sucessores.

Federico Valverde estava lá faz tempo. Costuma até ser titular em uma posição mais avançada. Ano passado, chegou Eduardo Camavinga, prodígio do Rennes. Após a operação Mbappé falhar, as atenções foram voltadas para Aurélien Tchouameni, do Monaco. São três meias muito jovens e cheios de qualidade que tentarão roubar a posição dos senadores. Tanto que o Real Madrid, ao receber uma proposta absurda do Manchester United, deixou a decisão nas mãos de Casemiro. Se ele recusasse, ok, mantém o cronograma. Se aceitasse, o futuro chegaria um pouco mais rápido.

Não é que Casemiro está fugindo da briga, e nem teria por que pensar nisso, pelo seu rendimento sempre alto e o seu status no Real Madrid. Mas no Manchester United será intocável. Na atual situação, nem precisará se esforçar muito para se tornar o dono do meio-campo. Pessoalmente, é uma posição mais confortável. Coletivamente…. bom, o Manchester United ainda tem que fazer mais algumas coisas.

O volante de elite

Não dá para dizer que Casemiro é o volante que o Manchester United queria porque durante um mês a busca por Frenkie de Jong foi intensa. E as características dos dois são diferentes. O brasileiro tem qualidade com a bola no pé, mas não é um organizador como o holandês. Aporta mais força física e atributos defensivos. Mas isso também vinha fazendo falta aos Red Devils. A posição de primeiro volante é uma carência antiga.

Nemanja Matic caiu de rendimento e saiu para a Roma. Scott McTominay é bom, competente, teve alguns ótimos jogos. Não parece ser do nível necessário. Nem Fred, que também conseguiu encaixar momentos de brilho em meio ao caos, mas nunca se mostrou à altura das exigências. O centro do gramado inteiro do United é um problema porque Pogba nunca conseguiu uma sequência e outras apostas, como Van de Beek, também não se pagaram.

Casemiro é o mais próximo do negócio certo que existe no futebol. Tem tudo, da mentalidade e experiência à capacidade técnica. Do ponto de vista financeiro, o negócio é péssimo porque são £ 70 milhões que nunca serão recuperados e existe o risco de que a questão física comece a pesar na reta final do contrato. Mas todos os erros que o Manchester United cometeu recentemente o obrigam a priorizar o presente.

A única dúvida é como ele se encaixará em um sistema de jogo diferente. Os técnicos de maior sucesso que o comandaram no Real Madrid não são os maiores entusiastas do jogo posicional ou da filosofia que marca Ajax, Barcelona e todos os discípulos de Johan Cruyff. Tem que ver como vai funcionar esse encaixe. Sua presença, por exemplo, talvez deixe Christian Eriksen mais confortável para comandar a saída de bola – o que ele definitivamente não estava contra o Brentford. Talvez o Manchester United, com uma árvore que dá dinheiro no quintal, ainda vá atrás de De Jong ou outro volante do tipo para colocar ao lado de Casemiro.

Outra possibilidade é aproveitar o entrosamento com Fred que ele traz da seleção. Os dois têm sido uma dupla de meias centrais habitual de Tite, com Casemiro frequentemente mais preso. Isso pode ajudar Fred a se sentir um pouco mais à vontade no meio-campo do Manchester United. Também é uma ótima notícia para Tite, que pode ter a sua dupla de volantes ainda mais afiada para a Copa do Mundo.

A qualidade do brasileiro é tão grande que esse é um daqueles casos em que o técnico tem que saber se adaptar ao que tem em mãos. O Manchester United investiu porque sabe que há poucos riscos dessa contratação dar errado. Se até um jogador como Casemiro de repente esquecer como se joga futebol ao chegar em Old Trafford, a sensação de beco sem saída será exacerbada.

Casemiro conquistou tudo que poderia conquistar no Santiago Bernabéu. Pela primeira vez, chegará a um novo clube como uma das estrelas do futebol mundial, com um caminho claro para ser ídolo de outro gigante. Disputará a Premier League, o que tem o seu apelo. Conhecerá um novo país, uma nova cultura, um novo tipo de futebol. Terá um desafio difícil e ao mesmo tempo empolgante pela frente e será muito bem pago para encará-lo. Cada um desses motivos sozinho talvez não explique a decisão de deixar para trás um lugar onde foi tão feliz. Mas todos juntos tornam a transferência muito mais compreensível.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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