Gattuso: “Ganhar a Champions League ou a Copa do Mundo não é suficiente para se tornar técnico”
Aos 44 anos e atualmente técnico do Valencia, Gattuso contou sobre seu caminho para se tornar treinador e considera Carlo Ancelotti o melhor técnico do mundo
Gennaro Gattuso foi um jogador marcante. Marcou época com o Milan, onde fez parte de um elenco multicampeão. Aos 44 anos, agora ele é técnico e vive a sua primeira experiência na Espanha, comandando o Valencia. Em entrevista ao jornal As, o italiano comentou sobre como a sua experiência como jogador vitorioso não é o bastante para ser treinador e que considera Carlo Ancelotti, seu ex-treinador no Milan e atualmente no Real Madrid, o melhor do mundo.
Como jogador, Gattuso foi muito bem-sucedido. Começou no Perugia, passou pelo Rangers, um destino curioso para um jogador italiano na época, voltou à Itália para defender a Salernitana e se consagrou mesmo pelo Milan. Ficou de 1999 a 2012, onde conquistou todos os títulos possíveis. Pela seleção italiana, ganhou a Copa do Mundo em 2006. Ainda jogou pelo Sion por uma temporada antes de encerrar a carreira.
Como técnico, começou no próprio Sion e passou por Palermo, Creta, Pisa, o time sub-19 do Milan e depois o time principal dos rossoneri. Treinou ainda o Napoli antes de chegar ao Valencia no começo desta temporada. Gattuso, porém, diz que mudou muito em relação aos últimos trabalhos, até mesmo na abordagem tática.
Gattuso foi perguntado sobre quando começou a pensar em ser técnico. “Quando eu estava com 27 ou 28 anos. Estava jogando pelo Milan contra um clube espanhol”, afirmou o treinador do Valencia ao AS. “Estávamos apenas correndo e a bola era jogada verticalmente. Eu pensei: por quê? Depois disso, falei com Guardiola. Sinceramente, durante alguns meses, não entendi nada”.
“Percebi que gostava de um jogador funcional, um jogador pensante, que sabe quando tem que pressionar. Gosto de ter a bola com qualidade, mas não só por ter, mas sim por olhar adianta. Agora vejo futebol de maneira totalmente diferente de quando jogava. São muitas horas de assistir partidas e em um ano você muda”, contou Gattuso.
“Se vir as partidas do Milan ou do Nápoles quando estava ali, não pressionávamos no ataque. No Valencia é o primeiro ano que vou pressionar na frente. No ano passado, falei muito com Gigi, meu auxiliar, e meus outros assistentes. Vimos que na Europa está se jogando homem a homem. Não fazemos isso. Nós pressionamos na frente e isso fazemos bem”.
Gattuso foi perguntado sobre a influência de Andrea Pirlo, seu ex-companheiro de Milan e seleção italiana como jogador. “Pirlo tinha uma coisa que agora apenas se vê: o futebol de passe longo. Agora, para atacar a profundidade se faz tocando a bola. A Pirlo Deus deu umas qualidades incríveis. Tinha quatro olhos… A posição em campo, como mover a bola, o passe que desmarca… Agora muitas equipes sentem falta disso, de muitas coisas. Falei com Pirlo. Nossa mentalidade era jogar verticalmente e ele não gostava de jogar curto. Era um futebol diferente”.
“Ganhar a Champions League ou a Copa do Mundo não é suficiente para se tornar técnico. Comecei de baixo, conhecia futebol, mas não estava preparado, me faltava alguma coisa”, disse Gattuso, que respondeu como se preparou. “Vendo futebol de qualquer categoria. Fui a muitas partidas da Championship (2ª divisão da Inglaterra), da segunda e terceira divisões italianas. Outro dia fiquei encantado vendo o Villarreal em Guijuelo. No campo que não se podia jogar. Me deu uma emoção incrível”.
“Quando falo de estilo, pode dar a impressão que não tenho respeito pela forma de jogar de outros. Ao contrário. É possível ganhar com estilos totalmente diferentes. Viram a Copa? Muitas equipes se defendiam, fechando bem o campo, não pressionavam na frente e saíam em contra-ataque. Tenho claro o estilo que gosto, mas quando vejo uma partida que o campo não está bom, também gosto”.
Gattuso foi perguntado qual vida é melhor, como jogador ou técnico. “Claramente como jogador. Dado o modo como vivo futebol, eu não tenho vida. Não sei como a minha esposa ainda está comigo. Vivo para o futebol. Quando comecei, liguei para Carlo Ancelotti e perguntei: ‘Como você faz isso?’ Para mim é difícil. Começo 8h30 e volto para casa 19h”, contou. “Mesmo lá, se eu vou ao banheiro e penso em algo, escrevo no papel higiênico. Tenho que mudar porque não posso passar 18 ou 19 horas por dia pensando em futebol”.
O jornal AS perguntou ainda se o Gattuso técnico contrataria o Gattuso jogador. “Não sei. Como vejo futebol, às vezes me contrataria, às vezes não. Eu corria muito e taticamente era muito forte, mas certamente no futebol moderno alguma coisa me faltaria. Eu tinha caráter, mas como gosto de jogar, isso não é o bastante ter caráter, que é algo que pode ser melhorado”, respondeu, bastante sincero.
Gattuso ainda foi perguntado se vê um jogador com o seu estilo jogando. “Houve um momento que não via muitos jogadores similares a mim, mas vi um na Copa do Mundo: Amrabat. Me emocionou muito, parecia quando eu jogava, com 27 anos”, disse. Amrabat certamente tem motivos para se orgulhar por isso.
O técnico do Valencia foi perguntado sobre como conversar com um jogador de 20 anos. “Para mim, Carlo Ancelotti é o melhor treinador do mundo por isso. Carlo vem de três ou quatro gerações atrás, mas ele sabe como entrar na cabeça dos jogadores. Parece simples, mas não é. Quando você fala com um jogador de 20 anos, não devo considerar minha carreira”.
“Preciso focar em como posso entrar na minha cabeça. Quando comecei, pensei que todo mundo tinha que ver as coisas do mesmo jeito que eu, com a mesma mentalidade e desejo. Minha filha é dura, temos personalidades similares. Meu filho é diferente, não posso falar com ele da mesma forma. Carlo é o melhor técnico do mundo, é incrível como ele entra na cabeça dos jogadores de quatro gerações”.